Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão Pública «O Orçamento do Estado, a política do Governo e a situação do País»

O Orçamento do Estado, a política do Governo e a situação do País

O Orçamento do Estado, a política do Governo e a situação do País

Com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2026 na passada semana, o Governo PSD/CDS deu mais um passo na concretização dos seus objectivos e mais uma vez deixou evidente a quem serve a sua política. 

Uma proposta que é mais uma peça da política de exploração, injustiças e retrocesso que está em curso.

Tentar desligar o Orçamento agora apresentado do programa de Governo com tudo o que ele implica, mais não é que um exercício de contorcionismo político e quem o faz procura apenas limpar as suas próprias responsabilidades e compromissos com a política de direita.

Esta é uma proposta de orçamento de baixos salários e pensões, de contenção do investimento, de ataque aos serviços públicos, de injustiça fiscal e financiamento dos lucros do grande capital. 

Uma proposta de Orçamento apostada na encenação, na propaganda e na ilusão.

Há quem queira apresentar a proposta de Orçamento como se fosse um documento técnico. Mas a grande técnica que ali está é a de conter medidas tecnicamente bem embrulhadas que encaixam, e de que maneira, nas velhas técnicas dos grupos económicos.

Mais um Orçamento, no seguimento de anteriores, inclusive os do PS, onde a resposta necessária às necessidades do País é substituída pela submissão aos interesses dos grupos económicos e das multinacionais, e às imposições do Euro e da UE. 

Um Orçamento que sacrifica tudo, menos a transferência de recursos públicos para os grupos económicos e financeiros.

Sacrifica o investimento público num País que precisa de escolas, hospitais, habitação, transportes, creches, lares, aparelho produtivo, floresta, ciência, cultura, segurança das populações.

O que faz falta ao País, o que é urgente e necessário são 5% do PIB para investir no que faz falta e não este caminho da loucura de 5% do PIB para a guerra. 

Um Orçamento que sacrifica a valorização dos salários e carreiras dos trabalhadores da Administração Pública, o aumento das reformas e pensões, a qualidade dos serviços públicos, a melhoria das condições de vida, a universalidade dos direitos e coesão territorial.

Sacrifica o crescimento económico, o tal crescimento cuja perspectiva é hoje, curiosamente, mais baixa do que o Governo anunciou em vésperas de eleições.

Sacrifica o combate à pobreza, às injustiças e desigualdades, ao mesmo tempo que transfere milhares de milhões de euros de recursos públicos para os grupos económicos e multinacionais. Retira aos mais pobres para dar aos mais ricos.

O País não precisa de propaganda e ilusão, precisa é de um forte estímulo ao mercado interno, alargar o poder de compra dos trabalhadores e da população, incrementar o investimento público e privado.

Não há nada de gestão equilibrada das contas públicas como querem fazer crer. Transformar o excedente orçamental numa espécie de novo dogma da política nacional é não só uma vigarice, como é um fortíssimo factor de agravamento dos problemas presentes e de sério comprometimento do futuro. O equilíbrio das contas públicas e o enfrentar da divida só é possível construir com o aumento da criação da riqueza, com mais produção nacional e com justiça fiscal. 

A obsessão pelos excedentes orçamentais de hoje será a realidade dos défices agravados amanhã. Seja para o défice orçamental, produtivo, alimentar, energético, científico e tecnológico, ou mesmo demográfico.

Mas tudo isto passa ao lado da preocupação do Governo e das forças que viabilizam a sua política. As mesmas forças que se alinham sob os interesses do capital expressos de forma clara num Orçamento que dá cobertura, por exemplo, à descida do IRC. 

Um processo iniciado no ano passado com o apoio do PS, e acelerado este ano com o Chega. Uma opção que, na pratica, desvia  2 mil milhões de euros por ano de recursos públicos para os grupos económicos. 

A que se somam mais 1800 milhões de euros em benefícios fiscais para as grandes empresas já para o próximo ano. 

Um Orçamento que, mais uma vez, transfere cerca de metade da despesa corrente do SNS para os grupos privados do negócio da doença. 

Um Orçamento que incentiva ainda mais a especulação imobiliária, dá cobertura às medidas fiscais anunciadas no âmbito da habitação, um golpe à medida da banca e dos fundos imobiliários. Que entrega mais de 1500 milhões de euros aos que detêm as parcerias público-privadas na saúde e na rodovia. Que entrega em benefícios fiscais aos residentes não habituais mais de 1900 milhões de euros. 

Que prossegue o ataque à Segurança Social, incluindo com mais isenções da TSU para o patronato. Que dá respaldo às privatizações, à entrega da TAP e de edifícios públicos ao grande capital. 

Quando assistimos ao discurso dos grupos económicos sobre o Orçamento do Estado, só podemos concluir que se a hipocrisia pagasse imposto, o país teria ainda muitos, muitos mais recursos. 

O País está como está, a vida da maioria está como está e o que se apresenta é um Orçamento ao serviço dos que se acham donos disto tudo. Para estes é só mãos largas, para os trabalhadores, para os reformados e para a juventude só há mãos fechadas.

O País não precisa de contenção para a maioria e mais benesses para a minoria, o País precisa é de travar a subida dos preços dos bens e serviços essenciais, o País precisa é de um choque salarial com o aumento geral dos salários, incluindo na Administração Pública para atrair e fixar trabalhadores, indispensáveis à qualidade dos serviços públicos. 

Aumentos que possibilitassem, no caso do Salário Mínimo Nacional, atingir já em Janeiro os 1050 euros. O País não precisa de limitar ainda mais as pensões e reformas, o País e os reformados precisam é de dignidade, respeito, pagar alimentos, medicamentos, rendas de casa que estão cada vez mais caras. O que se impõe é o aumento de 5% das reformas, garantindo ao mesmo tempo que nenhum reformado tenha um aumento inferior a 75 euros, garantindo dessa forma um aumento mais expressivo nas reformas mais baixas. Uma medida para todos, que serve todos e não apenas 230 mil dos mais de 3 milhões de reformados e pensionistas, tal como acontece com a atribuição do suplemento solidário para idosos.

Perante um País preso por arames e com níveis de pobreza que conhecemos, quando temos urgências encerradas e bebés a nascer a caminho dos hospitais, com escolas onde faltam professores, uma crise no acesso à habitação, serras e florestas que ardem, equipamentos e infra-estruturas que precisam de investimento, perante esta situação a palavra de ordem dos que apoiam e viabilizam a política em curso, é: o País que se lixe. 

O compromisso com este rumo por parte do Chega e da IL é não só evidente, como muitas das suas propostas e objectivos estão reflectidos no Orçamento. 

É claro que procurarão iludir esta realidade, ora dizendo que é curto, e que os grupos económicos mereciam ainda mais, ora encontrando manobras diversas – como a do preço dos combustíveis – para fingir uma oposição que não existe. 

Do Chega, garantida que está a concretização da política que serve os seus financiadores, só se pode esperar berraria, demagogia, mentira e ilusão. 

Já quanto ao PS, no seguimento do que já tinha acontecido no orçamento aprovado no ano passado, vamos ter agora uma chamada “abstenção exigente”, ou seja, a “viabilização comprometida” com uma política desastrosa, de desmantelamento do SNS, de injustiça, uma política do pacote laboral, de mais precariedade, de mais desregulação dos horários de trabalho, de despedimento sem justa causa. Quem viabiliza o Orçamento, viabiliza uma peça desta política.

Não é esse o caminho que o País precisa.  

A resposta aos problemas dos trabalhadores e do Povo não será alcançada nem pelo calculismo de uns, nem pela deriva reaccionária de outros. A situação do País exige clareza, coragem e iniciativa. 

Clareza no combate à política de direita, seja ela protagonizada por quem for.

Coragem no confronto com os interesses do grande capital, com as forças reaccionárias e com as imposições da UE. 

E capacidade de iniciativa para apresentar propostas e um rumo alternativo para o País, combatendo a política do Governo e assegurando a defesa e aplicação dos direitos que a Constituição consagra.

O PCP, assumindo-se como oposição de facto a este Governo e a esta política, não só votará contra esta proposta de Orçamento do Estado, como tomará a iniciativa de apresentar em múltiplos domínios, ao longo do debate orçamental, medidas e opções que rompem com o caminho desastroso para onde nos estão a empurrar. 

A tal estabilidade que alguns falam como valor supremo, é na verdade a estabilidade dos lucros colossais dos grupos económicos, é a estabilidade dos luxos e mordomias de uma pequena minoria a quem este Governo serve. 

Na realidade, a estabilidade de uns poucos é a instabilidade da vida do nosso povo, a instabilidade de todos os que enfrentam a precariedade laboral, a instabilidade dos baixos salários, do mês cada vez maior, de um custo de vida que não pára de aumentar, da casa que falta para viver, do acesso à saúde que está difícil, da creche que falta, dos lares que não existem…  

Da nossa parte, tudo faremos para que os trabalhadores e ao povo português façam ouvir a sua voz, contra este Orçamento do Estado, contra o Pacote Laboral que aí está, contra uma política de exploração, injustiças e retrocesso, pelo direito a uma vida melhor e a um Portugal com futuro.