Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Orçamento do Estado para 2011

(proposta de lei n.º 42/XI /2.ª)

Sr. Presidente,
Somos surpreendidos todos os dias com inovações por parte do Governo.
Ontem, por exemplo, durante a primeira parte da discussão do Orçamento na generalidade, o Governo não foi capaz de dizer dentro desta Casa como é que iria compensar os 500 milhões de euros acordados com o PSD numa noite da semana passada, mas depois, lá fora, o Sr. Primeiro-Ministro já foi capaz de explicar, mesmo que parcialmente, que essa compensação se faria através da introdução de novas taxas e do resultado de uma concessão de uma mini-hídrica ou uma explicação deste tipo.
A verdade é que, seja qual for a explicação, o Sr. Primeiro-Ministro deu-a lá fora e não cá dentro. Essa é que é a questão.
Quanto à errata, é verdade que este Orçamento tem sofrido vicissitudes várias: chegou atrasado relativamente aos prazos constitucionais e é agora apresentado um conjunto substancial de erratas que exige, para além das explicações por parte do Governo e do Primeiro-Ministro aqui
hoje, uma outra ponderação, Sr. Presidente, para a qual chamo a atenção.
Dada a natureza das alterações, não sei se elas podem ser aceites nesta Casa sob a forma de errata ou se o grupo parlamentar que apoia o Governo ou o Grupo Parlamentar do PSD, que está em parceria com o Governo, têm a responsabilidade de apresentar estas alterações sob a forma de propostas de alteração.
O volume e a natureza das modificações que o Governo pretende corrigir no seu Orçamento não são passíveis de ser aceites desta forma e devem ser introduzidas sob a forma de
propostas de alteração. Assim sim, sob a forma de propostas de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista ou do Grupo Parlamentar do PSD ou dos dois, porque também podia ser uma assinatura conjunta, poderemos aceitá-las.
(…)
Sr. Presidente,
Coloquei uma outra questão, que foi a da formalização destas correcções na Assembleia, ou seja, se elas podem ou não ser aceites enquanto erratas, ou se devem (e não é a primeira vez que isso sucede no passado recente) ser consideradas como alterações de facto que têm de ser suportadas pelos grupos parlamentares que apoiam esta proposta orçamental, seja o do PS, seja o do PSD.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite,
«Quem paga é quem manda», disse-o a Sr.ª Deputada, da tribuna.
A Sr.ª Deputada veio aqui ensaiar um pouco a teoria da inevitabilidade, e permita-me discordar. Não tem necessariamente que ser assim!
Não pode continuar a ser assim, Sr.ª Deputada. Porque há alternativas, e dou exemplos.
Primeiro, o financiamento da dívida pública, Sr.ª Deputada, não pode, obrigatoriamente, continuar a ser assim. Por que razão é que o nosso País não pode aceder directamente ao financiamento do Banco Central Europeu?
Segundo: o financiamento da economia portuguesa, por que é que há-de continuar a ser assim? Por que é que os nossos bancos se financiam a 2% e as nossas empresas se financiam, nos bancos, a 9 e a 10%?
Não pode continuar a ser assim!
Eu bem sei que a Sr.ª Deputada tem razão quando desabafa implicitamente, na sua intervenção, dizendo que este Governo e este Primeiro-Ministro mudam de opinião como quem muda de camisa. Aí, estamos inteiramente de acordo!
É buscar o exemplo das receitas extraordinárias deste Orçamento e ver o que aquele Primeiro-Ministro disse sobre as receitas extraordinárias que a senhora fez, enquanto foi ministra das Finanças.
Também sabemos o que disse este Primeiro-Ministro sobre os aumentos dos impostos ou, melhor, o não aumento de impostos e os aumentos de impostos que promoveu. E também aí
há alguma ironia da sua parte, nesta intervenção, porque também no seu caso, depois de um choque fiscal, tiveram que (ou foram obrigados a, porventura pelos mercados), aumentar o IVA de 17% para 19%.
Há, portanto, uma ironia entre a sua intervenção, entre aquilo que são Orçamentos de um passado recente e este Orçamento que, hoje, temos pela frente quer no aumento dos impostos, quer nas receitas fiscais, quer na contracção das despesas públicas.
Mas eu gostava de lhe dizer que, também no que diz respeito às receitas deste Orçamento, há alternativas.
Já agora, gostava de apelar para o seu sentido ético e moral e colocar uma questão, já hoje aqui referida pelo Deputado António Filipe.
O BES anunciou que, nos primeiros nove meses deste ano, os seus lucros passaram de 360 milhões de euros para 405 milhões de euros.
Por que é que aumentaram tanto, perguntará a Dr.ª Manuela Ferreira Leite e pergunto eu. É o próprio BES que o explica. O próprio BES diz: a queda de impostos. Exactamente, Sr. Ministro das Finanças! Está a olhar para mim? A queda dos impostos é uma das duas razões para que o Banco Espírito Santo anuncie tantos aumentos de lucros.
Com isto, lhe digo, Sr.ª Deputada que, de facto, também aqui há alternativas! Importa é buscar essas alternativas! Só não há alternativas a quem, permanentemente — governos do PS, governos do PSD, Orçamentos do PSD, Orçamentos do PS e Orçamentos, agora conjuntos, do PS e do PSD —, vai por uma via, que é a de submeter o poder político à vontade do poder económico.
E vou citar, novamente, Ricardo Salgado, quando, ontem, ao Jornal de Negócios disse que este acordo orçamental vai no bom caminho… Diz ele, ainda, «fizemos bem as coisas». «Fizemos bem as coisas» — diz Ricardo Salgado, a propósito do entendimento entre o PS e o PSD!
Naturalmente, talvez este acordo sirva ao PS, sirva ao PSD, sirva ao sistema financeiro, mas, Sr.ª Deputada, discordo, e não nos venha dizer que este caminho é inevitável!
O País, os portugueses têm que ter, de facto, uma solução alternativa que passe por uma solução que não submeta o interesse do País e dos portugueses aos interesses do sistema financeiro!

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