Intervenção de

Orçamento do Estado para 2005 (generalidade) - Intervenção de Odete Santos

Senhor Presidente

Senhores Deputados

A palavra confiança, foi, até agora, neste debate, a mais arremessada por parte do Governo e da maioria.

Mas a verdade é que as intervenções produzidas não puderam ocultar algumas afirmações que criam afinal, a desconfiança, senão a certeza de que não é com este orçamento, não é visando os objectivos prosseguidos por este Governo que se consegue a melhoria das condições de vida dos Portugueses.

A verdade é que o Governo também não pode deixar de enviar uma piscadela de olho àqueles cujos interesses se confrontam com o desenvolvimento económico do país.

É assim que por mais do que uma vez, o Senhor 1º Ministro ao falar de competitividade, apontou o dedo aos trabalhadores, às suas exigências salariais. Esquecendo-se de referir o factor que mais influência tem no aumento da produtividade. O investimento em novas tecnologias.

O aceno aos empresários tinha de ser feito, para os sossegar relativamente à política de salários.

E é assim também que, por mais de uma vez, o Senhor Primeiro Ministro se referiu à nova lei do arrendamento.

Tinha de ser feito um aceno à especulação imobiliária, aos Fundos imobiliários.

A referência à proposta de lei do arrendamento teve assim duas faces: a que se vira para os reais beneficiários da lei, os atrás referidos, e a face populista com que o Governo quis fazer passar gato por lebre.

Hoje, já está generalizada a convicção de que a nova lei causará um terramoto social, ao tratar como mercadoria um direito social, o direito à habitação, promovendo despejos para que os prédios fiquem devolutos para o grande capital.

Uma lei que vai espoliar os comerciantes do seu direito de propriedade sobre o estabelecimento.

Assim, não foi difícil desmascarar as verdadeiras intenções do Governo.

Ao chamar à colação, nas suas intervenções, a lei do arrendamento, o senhor 1º Ministro destruiu afinal, os apelos reiterados à confiança.

Sem cuidar de que esta referência vem também provar que estamos perante um orçamento virtual no que toca a benefícios sociais que anunciou.

No orçamento da segurança social está prevista a verba de 25 milhões de euros, para subsídios de renda. Verba que é insuficiente face aos elementos disponibilizados pelo próprio Governo. Estima-se que, se todos os titulares do direito se candidatassem ao subsídio, seria necessária uma verba de cerca de 50 milhões euros.

Ou será que o Governo conta com a renúncia àquele direito por parte de muitos inquilinos, dados os mecanismos que introduziu nos diplomas ameaçando os beneficiários do subsídio

-Com a sua expulsão da casa que habitavam

-Com o seu alojamento em casas de renda apoiada, com contratos a prazo de 3 anos, não transmissíveis por morte, nem sequer ao cônjuge

Em suma, com a destruição da estabilidade familiar.

Aliás o orçamento da segurança social é bem a imagem da conta em que o Governo tem os interesses dos trabalhadores numa segurança social pública forte, capaz de cumprir o que constitucionalmente se lhe exige - a realização de direitos sociais.

Com efeito, o Governo não cumpre a lei da segurança social que a maioria fez aprovar em 2002. O Governo não cumpre a obrigação de transferir para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social os dois pontos percentuais das contribuições dos trabalhadores. E mesmo relativamente a 2004 não foram concretizadas as transferências de 120 milhões de euros.

O Governo apresenta é claro uma justificação para o incumprimento da lei. Justifica-se, lê-se no Relatório, com a conjuntura económica. As condições adversas referidas na lei de Bases.

Só que isto contraria as previsões optimistas do Governo relativamente à economia. O Governo afirma que haverá um crescimento económico de 2,4% acrescentando que a austeridade económica acabou.

Mas para os trabalhadores o Governo acena com a necessidade de sacrifícios. Para os seus interlocutores privilegiados acena com a esperança. De facto, numa política de orientação neoliberal à esperança de uns correspondem sacrifícios para outros.

E o maior sacrifício, aquele que aguça o apetite das seguradoras, está clara e inequivocamente representado em sede orçamental na descapitalização da Segurança Social pública. O Fundo de Estabilização financeira, nos termos da lei, devia ter recursos suficientes para garantir, designadamente, 24 meses de pensões. A verdade é que em 2003 e 2004( até fins de Setembro) apenas foram transferidos 200 milhões de euros, o que representa menos de 20% do que o devido. Em 2005 o Governo propõe-se transferir apenas 1/6 do que o legalmente estabelecido.

O orçamento da Segurança Social suscita ainda grandes interrogações e dúvidas apresentando-se sem credibilidade.

As despesas com o desemprego no subsistema previdencial podem estar subavaliadas. Apenas mais 4% face a 13,9% este ano.

As despesas com o subsídio social de desemprego baixam substancialmente - de 420,2 para 283,3 milhões de euros.

A verba para o subsídio de doença( - 5% ) prova afinal que, ao contrário do que dizia o Governo, as alterações introduzidas na legislação determinaram poupança à custa dos direitos dos trabalhadores.

A verba para a acção social afigura-se insuficiente face às necessidades por satisfazer.

Quanto à convergência das pensões mínimas, repetidamente prometida, trata-se meramente da convergência com valores indexados ao salário mínimo nacional. Para 2005 estão previstos mais 40 M€, o que constituirá uma aproximação de 61% para 64% na convergência. E no subsistema previdencial há mesmo redução de verba.

Perante isto não pode deixar de causar espanto que o Governo prometa a convergência plena para 2006!

Este orçamento da segurança social não corresponde ao retrato real do País. Mas é seguramente o retrato do preconceito ideológico do Governo relativamente à segurança social pública.

O Governo parece querer continuar a acender velas no altar dos interesses privados. E assim não há luz que possa rasgar a escuridão( parafraseando um provérbio chinês tão ao gosto do senhor Ministro da Segurança Social)

A mesma asa protectora das privatizações na área dos direitos sociais, ensombra o orçamento da saúde.

Este orçamento é sempre uma grande trapalhada.

O Governo apresenta dados inverosímeis e até contraditórios com os apresentados no ano anterior.

Para 2005 o Governo prevê um saldo positivo de 193 Milhões de euros.

Para além das contabilidades trapalhonas nesta área, salienta-se a previsão orçamental destinada a proteger grandes grupos económicos que querem operar no sector da saúde

A partir de 2005 e até 2037, o orçamento do Estado e os doentes, vão ter de suportar o pagamento de mais de 7.400milhões de euros para parcerias público - privadas, com vista à construção de 10 novos Hospitais. Negócio seguro para os grupos económicos, garantidos que estão pelo Orçamento do Estado.

Negócio mau para os utentes dos Hospitais, que correm graves riscos de continuarem a ver degradar-se os cuidados de saúde. Os objectivos meramente economicistas dos Grupos privados, faz prever com grande probabilidade, o aumento dos lucros com redução dos custos - medicamentos, meios complementares de diagnóstico, por exemplo.

Por alguma razão o Grupo Melo exige a imediata privatização de metade do SNS.

Mesmo assim, num curto espaço de tempo - 4 anos - como o reconhece aquele grupo, embora lamentando-se sofridamente por tão pouco, mesmo assim, no espaço de 4 anos os grupos económicos privados alcançam o controle de quase 7 vezes mais do que aquilo que já controlam no serviço público da Saúde.

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Durante o debate, no calor da intervenção ouviu-se afirmar que este orçamento era o orçamento do Povo.

O retrato do País, no entanto uma retrato cinzento, onde o próprio Bordalo Pinheiro sentiria dificuldade em soltar as suas pictóricas gargalhadas.

O desemprego aumenta, a pobreza e exclusão sociais aumentam, a taxa de pobreza persistente é a maior da União Europeia.

Os estudos do INE que vão sendo publicados dão - nos em números o recorte do sofrimento dos cidadãos portugueses.

Este é um orçamento de quem continua à procura de legitimação

Disse.

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