Intervenção de

Orçamento do Estado para 2005 (encerramento na generalidade)Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

Senhores Membros do Governo,

O debate deste orçamento de Estado abandonou definitivamente o discurso de rigor e sacrifício dos tempos de Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite de que não temos saudades. O discurso passou a ser o do fim dos sacrifícios.

Mas isso não corresponde à verdade. Nem para os beneficiários da política do governo que não terão o fim dos sacrifícios porque nunca os fizeram, nem para a generalidade dos portugueses que de facto estão sujeitos a enormes sacrifícios mas infelizmente vão continuar a tê-los.

Em 2005 o desemprego vai manter-se pelo menos aos níveis a que está agora. Em 2005 quem trabalha vai continuar a ver aumentar a precariedade do seu emprego e a ver reduzidos os seus direitos mais elementares, como acontece com o acesso ao subsídio de doença e ao subsídio de desemprego.

Em 2005 continuaremos a divergir da média europeia; não convergiremos numa décima sequer, quanto mais os dois pontos percentuais que Durão Barroso prometeu na campanha eleitoral.

Em 2005 continuaremos a ter uma economia cada vez mais subcontratada e a quebra das nossas capacidades produtivas, bem patente no aumento exponencial das importações que resulta de qualquer aumento do consumo interno.

Em 2005 continuará o desinvestimento nos sectores sociais, disfarçado por uma prioridade às funções de soberania, que não é mais do que a aplicação da teoria neoliberal do Estado-mínimo à realidade nacional. Nenhum país se desenvolve com um orçamento que sem qualquer pejo corta na despesa social, como acontece no exemplo chocante do Ministério da Educação que diminui 10% no investimento. Nenhum país é socialmente justo sem um adequado investimento na saúde, que o governo preferiu trocar pelo financiamento aos negócios privados de 10 novos hospitais. Este é aliás o Governo que tanto odeia as SCUT´s rodoviárias, aumentando os custos dos utentes, como ama as SCUT’s hospitalares, que também serão os utentes a pagar, conforme garantiu o Ministro das Finanças.

Este é um orçamento sem dúvida caracterizado pela falta de transparência e pela falta de credibilidade, designadamente quanto ao quadro macroeconómico e à já crónica subestimação da taxa de inflação. Não conseguimos ao fim destas semanas ouvir nada de concreto da boca do Ministro das Finanças sobre as receitas extraordinárias que vai utilizar para formalmente cumprir os défices em 2004 e 2005. Foi preciso que o Ministro Álvaro Barreto revelasse que as mais valias da venda da Gás de Portugal à EDP e por isso à ENI também poderiam ser aí contabilizadas para que ouvíssemos do Governo alguma coisa de concreto nesta matéria.

E mesmo em relação ao crescimento previsto para 2005, sabemos todos que ele depende em boa parte do volume real do investimento público e que portanto a evidente limitação a que ele está sujeito será um travão a esse crescimento.

Aliás a questão do investimento merece alguns comentários. O primeiro é que neste governo, na repartição das pastas e dos poderes reais entre PSD e CDS, o PIDDAC fugiu da esfera do Ministro das Finanças, passando para o Ministro das Cidades, que também detém os fundos comunitários e a tutela do poder local. Só que o Ministro das Finanças vingou-se na cativação e impôs o seu aumento para 21,4%.

Quem perde é o país, que juntando o aumento da cativação à inscrição de novas despesas correntes no plano de investimentos, vê diminuir as perspectivas de investimento real e portanto de desenvolvimento e modernização.

E não adianta, como fez há pouco o Ministro das Cidades de forma pouco rigorosa, vir dizer que pagar salários a bolseiros também pode ser entendido como investimento. Se assim é até sugerimos ao Governo que inclua no PIDDAC o salário da Sra. Ministra da Ciência, que para além de tutelar a área até é uma reputada investigadora. Sempre compõe mais um pouco o cenário.

Mas do que não nos podemos queixar neste debate orçamental e nas semanas que o antecederam é de falta de propaganda. Foi uma catadupa de promessas sem tradução real no orçamento e de promessas para o futuro sem qualquer sustentação.

Podemos dizer que no que diz respeito à limitação das benesses, designadamente do sector financeiro, em matéria de benefícios e de programação fiscal, a realidade fica muito aquém do anunciado e a anos-luz do necessário. E veremos ainda que cedências o Governo e a maioria admitirão no debate da especialidade.

Quanto à magna questão do IRS é preciso assinalar a chocante contradição entre a promessa feita pelo Primeiro-ministro na mensagem ao país, já depois de a ter feito num comício eleitoral, e a realidade que sentirão os portugueses em 2005. Bem sabemos que era preciso na altura amortecer o efeito da “questão Marcelo”, mas é inaceitável que isso seja feito à custa da transparência e da verdade. Disse o Sr. Primeiro-ministro que só a verdade ilumina. Dizemos nós que esta foi pelo menos uma verdade à meia-luz.

Outra promessa repetida é a da convergência das pensões em 2006. Lembre-se que ela só será a 100% nas carreiras contributivas com mais de 30 anos e não para todos os pensionistas. O que não se compreende é como é que o governo vai cumprir mesmo assim a convergência em 2006 se introduz um aumento tão insuficiente em 2005. Aliás pela nossa parte registámos que este é provavelmente o primeiro orçamento nos últimos anos em que o Governo não anuncia os aumentos das pensões para o início do ano.

Por outro lado é escandalosamente violada a Lei de Bases da Segurança Social com a não transferência das verbas que a lei impõe para o Fundo de Estabilização Financeira, com a incrível utilização da cláusula das condições económicas adversas, que o próprio Governo nega existirem no quadro macroeconómico que apresenta. Trata de mais um episódio do processo de descapitalização em curso, que visa abrir caminho para a privatização da segurança social.

E não vale a pena responder perguntando se retiramos as verbas necessárias para o cumprimento da lei dos aumentos da administração pública ou das baixas das taxas de IRS. Retire-as o Governo da despesa fiscal que corresponde aos benefícios da banca e do sector financeiro, tribute as mais valias bolsistas e as SGPS.

Sr. Presidente

Srs. Deputados

Muito gostam o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças de falar no Orçamento de Estado como o orçamento de uma família, da família portuguesa. Só que nesta família uns são filhos e outros são enteados. Os trabalhadores continuarão a ter baixos salários, os reformados baixas pensões, o país baixo investimento. A riqueza continuará a ser injustamente distribuída, os pobres cada vez mais pobres, os ricos cada vez mais ricos.

Este orçamento, é o orçamento da continuidade da política de direita dos governos PSD/CDS-PP, a que os portugueses já demonstraram querer pôr fim. É o orçamento da instabilidade na vida dos portugueses. É o orçamento de um governo e de uma maioria em plena instabilidade e crise.

Este é um orçamento que não oferece dúvidas a quem defende uma política de desenvolvimento, de progresso e de justiça social. Por isso, obviamente, chumbamo-lo.

Disse.

 

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