Intervenção de

Orçamento do Estado para 2002 - Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo

Não é de mais lembrar, numa altura em que se aproxima o decisivo, mas há muito desvendado, momento da votação na generalidade, o suposto processo de consultas e de abertura de diálogo com todos os partidos da oposição que o governo desencadeou antes da entrega da proposta orçamental. Tratou-se, como já na altura se vislumbrava, de fazer passar publicamente a ideia de que o governo procurava encontrar junto de todos os partidos da oposição apoio para a aprovação do orçamento e de que estaria disponível para discutir com eles as diversas opções orçamentais.

O PCP, com o sentido de responsabilidade que sempre pauta a sua intervenção política, não se eximiu a participar nesse processo. Apresentamos até ao governo um documento com as linhas fundamentais que na nossa opinião deviam enformar o Orçamento de Estado para 2002. Mas apesar de ter sido o próprio governo a solicitar aos partidos a apresentação de sugestões, a única resposta que recebemos ao documento enviado foi a proposta de lei do orçamento apresentada na Assembleia da República. Registe-se a diferença do tratamento agora dado a um documento entregue por um partido da oposição e o tratamento dado há sensivelmente um ano atrás a um requerimento apresentado por um Deputado, não sei se também a pedido do governo, que obteve resposta rápida e afirmativa.

Na verdade, como se provou no debate na generalidade, tanto a solução numérica para a aprovação do orçamento como boa parte das suas linhas fundamentais já estavam na altura devidamente acertadas. Estivemos perante uma encenação repetida que não dignifica as instituições e a democracia. Enquanto o PCP participava de boa fé no processo, o governo não.

Mas ainda em relação ao processo das três rondas de consultas é no mínimo curioso notar que tendo havido um partido que se recusou a estar presente em qualquer dessas reuniões, aparentemente escandalizado com a possível negociação do orçamento com um seu filiado, tenham sido adoptadas pelo governo várias propostas de que esse partido foi porta voz.

Olhando para o conteúdo do orçamento é fácil constatar que a direita parlamentar, o CDS-PP e o PSD, têm dificuldade em esconder a sua concordância com algumas das linhas aí preconizadas.

O PSD e o CDS-PP estão de acordo com o afastamento da tributação das mais-valias e apenas levantaram a voz neste debate para criticar o facto de essa tributação ter sido antes consagrada.

O PSD e o CDS-PP estão de acordo com a manutenção dos constrangimentos irrealistas e insensíveis às necessidades do país impostos pelo Pacto de Estabilidade e pelo Programa de Estabilidade e Crescimento.

O PSD e o CDS-PP estão de acordo com o caminho da privatização do Serviço Nacional de Saúde que este orçamento acentua e que há muito reivindicam.

O PSD e o CDS-PP estão de acordo com a manutenção de uma política de baixos salários e com a penalização dos trabalhadores da função pública pelo terceiro ano consecutivo. Foi aliás chocante a hipócrita preocupação expressa neste debate com os baixos os salários e com a previsível diminuição real dos salários dos trabalhadores da função pública, quando nunca ouvimos nem PSD nem CDS-PP defenderem outra política que não fosse essa, nem proporem aumentos reais para estes trabalhadores.

A direita queixa-se de barriga cheia.
Este é um Orçamento em que vingou a consagração de muitas das linhas fundamentais da sua política. E por isso o que é natural é que venha da direita o apoio para a sua aprovação.

Mas nada disto pode esconder uma óbvia realidade. É que este é o orçamento do Governo PS, estas opções são suas.

O Governo apresenta um orçamento em que muitos dos indicadores macro-económicos não são mais do que uma ficção. A contradição entre o sentido de muitas previsões e a óbvia utilização de cenários fabricados para justificar opções ou esconder insuficiências são uma característica deste governo.

O Governo apresenta um orçamento em que, apesar de a vida ter imposto um aumento dos valores previstos, a redução do défice orçamental continua a ser um eixo central e sacrossanto da sua política. Mesmo quando isso implica uma forte diminuição da margem de manobra e dos instrumentos disponíveis para fazer face às necessidades do país e até à conjuntura de crise que atravessamos.

O Governo apresenta um orçamento em que cede às pretensões do capital financeiro em matéria fiscal, contrariando aquilo que se aprovou nesta Assembleia, e acentuando a injustiça fiscal que continua a existir no nosso país e que faz dele um dos que melhores condições de rendibilidade oferece à banca. Num país em que os trabalhadores suportam a maioria da receita fiscal, e em ao mesmo tempo que a banca teve centenas de milhões de contos de lucro em 2000; paga apenas uma taxa de 12,9% de IRC em vez de 32%; ainda confessa que 30% dos seus benefícios fiscais são obtidos através do off-shore da Madeira; neste país o governo opta por lhe dar à banca ainda mais benesses, retirando de aplicação as normas que atingiam os seus interesses.

Trata-se de uma verdadeira capitulação fiscal e de uma cedência em toda a linha nas decisões do poder político às exigências do poder económico.

O Governo apresenta uma política salarial contrária aos interesses dos trabalhadores e do país. A análise do orçamento indica que em relação ao aumento nominal dos salários da função pública, que ao mesmo tempo são uma referência para o sector privado, o governo não pretende aumentos reais nem a recuperação das diminuições reais de salários dos dois últimos anos. E isto lembre-se, após dois anos de perda real dos salários.

As 191 514 assinaturas recolhidas por iniciativa do PCP e entregues ao Sr. Primeiro Ministro, e que já aqui referimos neste debate, traduzem um vastíssimo descontentamento com os salários e as pensões de reforma existentes, a que o governo deveria ter sido sensível. Ao não fazê-lo comete um erro social e político e pratica uma enorme injustiça aos trabalhadores portugueses.

Mais uma vez a crise é invocada para justificar o prejuízo dos trabalhadores. Estranha e selectiva crise esta que impede os trabalhadores de ter aumentos salariais justos, ajudando até ao relançamento da economia, mas permite que se favoreçam as margens de lucro da banca e do grande patronato.

Escusa pois o governo e o PS de utilizar como forma de chantagem, como fizeram várias vezes, os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro e a verdadeiramente complexa situação internacional. É inaceitável que se tente condicionar, à boleia da situação internacional, a legitima oposição a opções internas erradas. Até porque não é este o orçamento de que precisamos para enfrentar a crise.

Votamos por isso contra este orçamento. Este é um orçamento de retrocesso na justiça fiscal, de uma política salarial que prejudica quem trabalha e que por isso agrava as desigualdades sociais.

Votamos contra porque este não é o orçamento necessário e justo para as necessidades de Portugal e do povo português.

 

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