Intervenção de

Orçamento do Estado para 2001 - Intervenção de Octávio Teixeira

Senhor Presidente Senhor Primeiro-Ministro e senhores membros do Governo Senhoras e senhores Deputados Em entrevistas e declarações recentes, o senhor Ministro das Finanças sustentou que o Orçamento do Estado para 2001 merecia ser aprovado por duas razões fundamentais: · por uma lado, "porque este Orçamento mantém as características identificadoras de outros apresentados por António Guterres"; · por outro lado, porque, mantendo essas características, "responde pela positiva a algumas críticas que foram feitas" e, consequentemente, apresenta "uma redução significativa da taxa de crescimento da despesa pública". Isto é, o Governo do eng. Guterres reconhece que nos apresentou um Orçamento do Estado que, na sua matriz caracterizadora, prossegue as linhas de orientação política dos seus cinco orçamentos anteriores, os quais, por isso mesmo, foram viabilizados ora pelo PSD, ora pelo PP, ora pelo PSD e pelo PP. E reconhece, igualmente, que acolheu e deu resposta positiva às críticas lançadas pelo novo Frankenstein, o inventor da figura do "monstro" orçamental. Mais. Em Março passado, quando Cavaco Silva lançou o "monstro" para a praça pública, o Primeiro-Ministro acaloradamente enfatizou aqui, neste Plenário, que a tese do "monstro" era a questão ideológica central do debate orçamental, diferenciadora da esquerda e da direita políticas. Hoje, pela voz do seu Ministro das Finanças, o Primeiro-Ministro vem confessar que o Orçamento do Estado para 2001 deve ser aprovado porque, desse alegado debate ideológico, o Governo acolheu e deu provimento às teses da direita! Em suma, as razões fundamentais que o próprio Governo sublinha como identificadoras da bondade do Orçamento e justificativas da sua viabilização pela Assembleia da República, não deixam margem para dúvidas de que o Governo preparou um Orçamento que queria fosse apoiado pela direita parlamentar. Essa foi uma opção voluntariamente assumida pelo Governo. Uma opção política que o PCP critica e condena. Mas um opção legítima do Governo. O Governo e o PS são livres de escolher os apoios e parceiros políticos que desejam. O que não é legítimo, o que é politicamente intolerável, é que o Governo apresente um Orçamento para satisfazer e atrair os apoios da direita e, quando estes lhe faltam (por razões outras), se vire para a esquerda a "exigir" que esta apoie um Orçamento confessadamente marcado, na sua matriz caracterizadora, por orientações queridas pela direita. O Governo fez a sua opção entre aprovar um Orçamento à direita ou à esquerda. Por sua vontade própria, que não por ausência de alternativa. O PCP já demonstrou nesta Assembleia da República, por múltiplas vezes, que não se orienta pela política do "bota a baixo", que não vota sistematicamente contra as propostas do Governo só porque este é do PS. O senhor Primeiro-Ministro sabe-o muito bem, tem exemplos recentes ou em curso que o comprovam, pelo que não lhe fica bem, não é uma atitude politicamente ética, que desvirtue e falseie esta verdade indesmentível. Também em relação ao Orçamento do Estado para 2001 o PCP, atempadamente, em 3 de Setembro e pela voz do seu Secretário-Geral, tornou públicas as condições, no quadro de uma viragem política à esquerda, em que esse diploma central para a governação poderia acolher o nosso voto viabilizador. Nessa altura, e para além das relativas ao abandono do projecto do Governo e do PS de alteração do sistema eleitoral numa via de grave retrocesso para a democracia portuguesa e à alteração da política quanto à integração europeia, no sentido da defesa dos interesses nacionais, de oposição a evoluções federalistas e da afirmação dos direitos sociais contra os interesses da finança e do grande capital, o PCP apresentou cinco reclamações com incidência directa no Orçamento a apresentar pelo Governo. À reclamação da promoção de políticas salariais que melhorem o nível de vida dos trabalhadores em termos reais e repartam o rendimento nacional de forma mais favorável ao mundo do trabalho, bem como de políticas que combatam a inaceitável precarização, insegurança e perda de direitos que hoje ataca o mundo do trabalho, que respondeu o Governo? O Orçamento inscreve uma dotação orçamental que consagra a vontade do Governo de impor um efectivo congelamento real dos salários e de não compensar o acréscimo de 0,8% da inflação registada no ano corrente face à previsão que serviu de base à negociação salarial, decretando ainda uma actualização do SMN que nem sequer incorpora os ganhos de produtividade médios que o Governo prevê no cenário macroeconómico para o próximo ano. À reclamação da concretização de uma reforma fiscal que, no seu conteúdo real, alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores, combata a evasão e a fraude fiscais e tribute devidamente a especulação financeira, o grande capital e os grandes patrimónios e fortunas, o Governo viu-se obrigado a dar-lhe uma resposta globalmente aceitável embora insuficiente, mas desde logo a feriu ao querer ligá-la e subordiná-la à aprovação do Orçamento. E sobre esta questão quero acrescentar o seguinte. É verdade que no debate orçamental anterior fiz a afirmação que o senhor Primeiro Ministro há pouco leu. E mantenho-a. Mas o Senhor Primeiro Ministro não pode escamotear duas coisas: 1º - Fiz aquela afirmação em resposta à sua de que a questão central do debate ideológico e político era o "monstro" de despesa, nessa mesma altura inventado por Cavaco Silva; 2º - De que, neste Orçamento a questão da reforma fiscal não está directamente colocada; trata-se de um outro processo legislativo em curso nesta Assembleia; eu sei, e V. Exa. sabe ainda melhor que o Governo pretendia fazer essa reforma no Orçamento de Estado; o que nós não lhe permitimos; precisamente para impedir o que V. Exa. há pouco clarificou, isto é, colocar a reforma fiscal como moeda de troca para o Orçamento de Estado. Onde o PCP reclamava o fim do processo de privatizações, que tem eliminado muitos postos de trabalho e se tem traduzido num enriquecimento ilícito e imoral de grupos económicos e numa via rápida para o controlo por estrangeiros de sectores-chave da economia nacional, o Governo respondeu inscrevendo no Orçamento uma previsão de mais 400 milhões de contos de venda de património público em sectores estratégicos para a economia portuguesa, designadamente nos cimentos e nas celuloses e papel em que nem o pretexto da necessidade de uma pareceria estratégica pode ser invocado. (Aliás, o que se passou no início do ano com a venda da GALP à ENI, e o mais recente acontecimento em torno da 4ª fase de privatização da EDP, com uma entidade dita Reguladora a interferir directamente no processo e a servir como base para uma golpaça especulativa de um Banco estrangeiro, são razões mais do que suficientes para que ao Governo se coloque a exigência de suspender, de imediato, todo o processo de privatizações!) Quando o PCP colocava a necessidade pôr termo à crescente tutela e subordinação da política do Ministério da Saúde pelos grandes interesses económicos, reorganizar, modernizar e humanizar o Serviço Nacional de Saúde, enfrentar eficazmente o escândalo das listas de espera, e reduzir os gastos do Estado e dos cidadãos com os medicamentos, nomeadamente pela generalização dos genéricos, o Governo respondeu com um orçamento completamente falho de credibilidade e de rigor, deixando ainda a claro os retrocessos registados nas orientações políticas visando a melhoria na eficiência, na prestação de cuidados de saúde e na independência do SNS face aos interesses económicos da indústria e do comércio farmacêuticos, tudo mostrando que, objectivamente, o Governo está a trilhar um caminho de degradação do SNS a todos os níveis, tendente a criar as condições subjectivas para justificar a sua privatização. Exigindo o PCP que, na sequência da aprovação da lei de bases da Segurança Social, fosse feita uma verdadeira reforma democrática desta área e mobilizados recursos para uma acentuada melhoria das pensões e reformas, o que o Governo concretizou foi a persistência numa política miserabilista de actualização de valores que estão muito longe de permitirem uma vida minimamente condigna à grande maioria dos pensionistas e reformados. Com estas respostas negativas às nossas propostas, o Governo sabia de antemão que, do PCP, só poderia obter uma claro e inequívoco não à proposta Orçamental. Porque, numa perspectiva de esquerda, é um mau Orçamento, assente em critérios e orientações caros a quem se posiciona à direita. Mas o Governo não se ficou por aqui. O Primeiro-Ministro e o Governo enveredaram pelo caminho da chantagem política para tentarem impor a aprovação do seu Orçamento. Um caminho que igualmente sabiam ser inaceitável para um partido de esquerda como o PCP, que se orienta por princípios, convicções e valores, e sempre com frontalidade. Subtraindo à reforma fiscal a matéria relativa à tabela de escalões e taxas do IRS. Recusando-se a iniciar o processo negocial com os sindicatos da função pública antes da votação do Orçamento na generalidade. Recusando a entrega atempada do PIDDAC Regionalizado à Assembleia da República, mas partidariamente distribuindo-o aos deputados do PS. Ameaçando os trabalhadores, os agentes da PSP, os utentes do SNS, os professores e os alunos, de não desagravar impostos, de não aumentar salários, de não pagar subsídios, de não haver investimentos na Saúde e na Educação ... se o Orçamento não for viabilizado. Só lhes faltou ressuscitar os "frigoríficos" de Cavaco Silva... Neste campo o despudor é total, a demagogia campeia infrene. Porque o Governo sabe perfeitamente que não sendo a situação ideal, não há qualquer drama que durante alguns meses a vida financeira do Estado seja gerida com o chamado regime de duodécimos. Ainda por cima, quando a execução orçamental do ano corrente, no âmbito das despesas, ficou 200 milhões de contos abaixo do orçamentado! O Governo sabe que o desagravamento fiscal dos trabalhadores pode ser feito, se a reforma fiscal for aprovada a tempo de poder entrar em vigor em 1 de Janeiro. Tal como sabe que nada impede que os salários da função pública sejam negociados e pagos a partir do início do ano, tal como o Governo já o demonstrou com as pensões de reforma. Tudo depende, apenas e mais uma vez, da vontade política do Governo.

Senhor Presidente Senhor Primeiro-Ministro e senhores Membros do Governo Senhoras e senhores Deputados É um facto incontroverso que, ao elaborar este Orçamento, o Governo não teve em conta as condições básicas publicamente colocadas pelo PCP, há dois meses atrás. Mas não nos restam dúvidas que a persistência do Governo na apresentação de Orçamentos com a intenção de poderem ser aprovados pela direita significa somar erros políticos sobre erros políticos. Com os quais são prejudicados o presente e o futuro do País, os trabalhadores, os reformados, a generalidade dos cidadãos portugueses. Temos para nós que, com o quadro político que se gerou à volta deste Orçamento, o Governo ainda está a tempo de reflectir e recuar. De aceitar, sem dramas nem cenários de crises artificiais, a rejeição deste e a apresentação de um novo Orçamento, agora clara e decididamente orientado à esquerda. O Governo ainda está a tempo de resistir à tentação do mais fácil: o de obter a viabilização deste mau Orçamento através da pesca à linha de um qualquer voto isolado. O Orçamento do Estado é um instrumento central da governação do País, que não pode estar na dependência da negociação conjuntural de interesses ou reivindicações individuais ou locais. Portugal não é, nem pode ser transformado numa qualquer república das bananas! O que está em causa é a própria credibilidade do regime democrático. Esperamos que o Primeiro-Ministro, o Governo e o PS saibam discernir que os fins não justificam todos os meios. E que, em consequência, apresentem à Assembleia da República um novo e melhor Orçamento do Estado para 2001. Disse.

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