Intervenção de

Orçamento do Estado para 1999 - Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo:

Ano após ano a situação repete-se. As verbas orçamentadas para a saúde não chegam para pagar as despesas existentes. A dívida aumenta, mesmo quando os prazos de pagamento são alargados. A situação chegou a tal ponto que o Governo já apresenta como grande vitória a diminuição da taxa de crescimento da dívida. Note-se bem: não é a dívida que diminui; nem deixa de crescer; apenas cresce percentualmente menos, o que não significa sequer que os valores absolutos em dívida tenham aumentos pouco significativos.

Mas o problema maior não é sequer o aumento da despesa. Que a despesa pública com a saúde aumentasse seria até desejável, para pôr fim ao crónico subfinanciamento e à falta de recursos que causam muitas das dificuldades hoje existentes no Serviço Nacional de Saúde. O problema é que o aumento da despesa não tem levado nem a mais nem a melhores cuidados de saúde. O grande problema é que estes recursos adicionais não servem para engrossar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde; antes se esvaiam para os bolsos ávidos dos que acumulam lucros colossais à custo do Orçamento de Estado e à custa da saúde dos portugueses.

A verdade é que cada milhão de contos, cada escudo consumido nesta voragem não controlada é um escudo que se retira, que se desvia do que devia ser o seu fim - aumentar e melhorar os cuidados de saúde.

O Orçamento para 1999 tem na área da saúde uma novidade, pelo menos nesta Legislatura. Trata-se da chamada limpeza do défice do SNS, que transita para a dívida pública.

O Governo garante que se trata apenas da limpeza da dívida até 1997. A questão é outra. É sabermos se o défice acumulado até 1997, inclusive, se cinge aos 159 milhões de contos previstos pelo Governo. A verdade é que os dados disponíveis apontam para um défice acumulado superior a 159 milhões de contos.

Mas a operação que o Governo propõe este ano não atinge o cerne do problema; não garante a regularização futura da dívida do Serviço Nacional de Saúde, porque não ataca as suas verdadeiras causas.

Para utilizar linguagem informática, quando um vírus provoca erro no sistema não adianta carregar periodicamente no botão do reset fazendo de conta que começamos de novo; é preciso eliminar o vírus.

No Serviço Nacional de Saúde eliminar o vírus não é mais do que atacar de frente os interesses económicos que lucram com esta situação e que a fomentam perante a passividade do Governo.

O Orçamento da saúde tem por um lado que acabar com a sub-orçamentação das despesas - tem de ser orçamentado aquilo que realmente se vai gastar; e por outro tem que haver rigor e honestidade nas receitas previstas, não inscrevendo ano após ano montantes que acabam sempre por ficar acima das receitas efectivamente cobradas, o que aliás volta a acontecer este ano.

O Orçamento da saúde só será ele próprio saudável quando disciplinar as despesas desnecessárias e parasitárias que impedem que uma boa parte dos recursos se apliquem na melhoria dos cuidados de saúde.

Num país onde o acesso à saúde enfrenta grandes dificuldades, onde a fatia que a população paga das despesas com a saúde é incomportavelmente elevada, onde faltam recursos humanos, admitir a continuação desta situação é ser cúmplice da negação de direitos elementares do povo português.

Por nós criticamos, discordamos, mas também apresentamos soluções. Soluções simples. Soluções de eficácia comprovada.

É o caso das propostas que o PCP apresentou para a redução da despesa com medicamentos mas, sem prejudicar, antes beneficiando o doente.

A instituição de um formulário nacional de medicamentos para o ambulatório, a prescrição pelo princípio activo, ou a dispensa gratuita de medicamentos nas farmácias hospitalares, quando isso será mais barato ao SNS do que comparticipar as receitas.

Só nesta última medida, calcula-se que é possível uma poupança de 10 a 15 milhões de contos por ano, o que chegaria para construir dois hospitais, cerca de dez centros de saúde, para minorar em 10% o passivo que o Governo agora pretende limpo.

As soluções existem. O crescimento da dívida, sem nenhuma melhoria nos cuidados de saúde não é inevitável. O que é preciso é vontade de agir. Vontade de estar do lado dos interesses da população e da boa gestão dos dinheiros públicos e contra os interesses económicos instalados na área da saúde. Vontade que o Governo mostra não ter.

Mas, só assim é possível defender o SNS.

Só assim é possível dar saúde aos portugueses.

Disse.

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