Intervenção de

Orçamento de Estado para 2008 - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Orçamento de Estado para 2008 (discussão e votação, na especialidade)

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Confesso que, no início deste debate, ao ouvir a bancada do Partido Socialista falar da credibilidade deste Orçamento (proposta de lei n.º 162/X) quase que apeteceu retomar as palavras de um anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros e dizer: «É preciso ter topete»!

Para falar da credibilidade de um Orçamento que retira do escrutínio da Assembleia 2000 milhões de euros com esta manobra da Estradas de Portugal e da REFER é preciso ter, de facto, um grande descaramento!

Isto é de tal forma uma trapalhada que até o Sr. Primeiro-Ministro «meteu os pés pelas mãos» quando foi confrontado pelo PCP, no debate mensal ocorrido nesta Assembleia, em relação à questão da Estradas de Portugal, tendo sido, a seguir, desmentido pelo Sr. Ministro das Finanças.

Fala, e bem, o Sr. Deputado Afonso Candal dos 60 anos de compromissos deixados pelo governo anterior.

Bom, mas esta questão da Estradas de Portugal não condiciona as opções dos portugueses e dos governos por 68 ou por 92 anos, conforme a opção adoptada do recuo ou de antes do recuo?!...

É ou não um escândalo que este Governo esteja a procurar abrir esta concessão para o referido número de anos até quase ao fim do século, não tendo qualquer legitimidade para o fazer?

Esta desorçamentação - porque é disso que se trata, pois retira-se do escrutínio orçamental uma parcela fundamental do Orçamento e do investimento - é inaceitável!

Ainda por cima, é uma porta aberta à privatização!

Bem pode agora, depois do ruído e dos protestos que se geraram, o Ministro Mário Lino dizer «neste mandato, não!», porque isso quer dizer que a privatização está prevista ou não estaria colocada como possibilidade na lei e só tacticamente é que o Governo não vai avançar já com ela!

Mas o Governo, que tem o protesto de todas as pessoas sérias em relação às contas públicas e à defesa do interesse nacional quanto à rede de estradas nacionais, tem já o aplauso daqueles que, provavelmente, virão a ser os beneficiários desta manobra, isto é, os donos da Brisa e da Aenor!

Mas fiquem descansados que continuaremos a tratar deste assunto na Assembleia, por muito que o Governo e o Partido Socialista queiram retirá-lo daqui, nem que seja através das apreciações parlamentares que já entregámos na Mesa da Assembleia.

(...)

Sr. Presidente,

A minha intervenção quase que podia ser uma interpelação, mas eu não quero abusar e quero dar um bom exemplo e é precisamente sobre este ponto agora referido pelo Sr. Presidente e pelo Sr. Ministro.

Ó Sr. Presidente e Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, é precisamente porque o Governo sonegou a Estradas de Portugal do Orçamento do Estado que temos de estar a discuti-las antes de começar a votação na especialidade!!

É porque não encontrámos no Orçamento o artigo ou a norma que nos permitisse discutir a privatização da rede nacional de estradas, até quase ao fim do século, que o Governo está a preparar.

Foi por isso que tivemos de discutir esta matéria neste momento ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares!

Qualquer dia discutimos só os agrafos do Ministério das Finanças!

(...)

Sr. Presidente,

Em primeiro lugar, quero referir-me a uma importantís-sima proposta que o PCP apresenta em matéria de imposto sobre valor acrescentado, que é a da redução da taxa normal do IVA para 20%, em 2008, e para 19%, em 2009.

Esta é a proposta que se impõe, tendo em conta os prejuízos que o aumento da taxa normal do IVA trouxe à nossa economia e que, por ser um imposto cego, impôs ao custo de vida das famílias portuguesas, tendo prejudicado a economia nacional, designadamente nas regiões fronteiriças cujas populações se confrontam, do outro lado da fronteira, com um IVA inferior em cinco pontos percentuais ao que existe em Portugal.

Esta proposta é indispensável para a nossa economia e para introduzir alguma justiça fiscal.

O Governo sabe que, mesmo segundo as suas próprias contas, os seus próprios compromissos com Bru-xelas, os quais rejeitamos, já tem folga para proceder a esta baixa da taxa do IVA já este ano.

Tanto assim é que, no debate na generalidade, o Sr. Ministro da Finanças atrapalhou-se com esta questão e, primeiro, disse que, até ao fim da Legislatura, não iria haver condições para baixar a taxa do IVA mas, depois, na parte da tarde, teve de vir desdizer-se e afirmar que, afinal, logo se veria se a taxa do IVA iria ou não baixar no próximo ano. Perante isto, concluímos que o Governo sabe que tem folga, mesmo segundo os seus critérios, para baixar a taxa do IVA, mas quer guardar um máximo de folga para usar no Orçamento eleitoral para 2009.

Esta é a única razão para não aprovar a nossa proposta.

Para além disto, queria ainda referir-me a três propostas concretas de alteração da taxação do IVA relativamente a três produtos.

Uma, relativa ao já referido problema das garrafas de gás propano e butano, para ser aplicada nos locais não abrangidos pela rede de fornecimento de gás natural, sendo certo que este último é taxado a 5%.

Portanto, é justo que, onde não há a alternativa de consumo gás natural, este tipo de combustível em garrafa seja sujeito à mesma taxa de IVA, porque o seu consumo é uma imposição às populações.

O facto de não haver alternativa de taxação leva a um aumento da diferença entre o custo da garrafa em Portugal e em Espanha.

Fizemos um exercício concreto entre Chaves e Verín e concluímos que, em Portugal, uma garrafa de 13 kg de gás butano custa 18,40 € enquanto em Espanha custa 12,50 €.

Com a nossa proposta, o preço, em Portugal, podia baixar para cerca de 16 €. Uma segunda proposta tem a ver com a taxação das pastas dentífricas e das escovas.

O Governo anunciou, no debate na generalidade - aliás, com um universo bastante diminuto -, uma grande intenção de potenciar a saúde oral.

Claro que não há qualquer proposta para integrar médicos dentistas no Serviço Nacio-nal de Saúde, que estão, aliás, a ser despedidos em vários sítios.

O que acontece é que, a par disto, o Governo não quer ver a realidade de, numa matéria tão importante como a da saúde oral, produtos que não são de luxo, que são produtos básico de higiene e de saúde, como são as pastas dentífricas e as escovas de dentes, estarem a ser taxados a uma taxa insustentável, devendo, pois, ser taxados a 5%.

A última proposta tem a ver com a questão da taxação dos preservativos. Em 2006, foram registados mais 2162 novos casos de HIV em Portugal, seis casos por dia, e estima-se que a principal causa de infecção destes casos sejam as relações sexuais desprotegidas.

Portanto, é um absurdo continuar a ter a taxação do preservativo quando sabemos que o preço também conta, designadamente em relação aos mais jovens.

Mas, se não querem ouvir a nossa proposta, oiçam, pelo menos, a dos socialistas europeus, a da Sr.ª Eurodeputada Edite Estrela, que diz: «Queremos que os preservativos sejam acessíveis a toda a gente, especialmente aos mais jovens».

A campanha chama-se «Acabe com a Sida, Acabe com o IVA nos preservativos» - é o mote desta iniciativa. Esperamos que o Governo acolha o pedido dos Eurodeputados socialistas sobre esta matéria.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

A redução que propomos cabe nos vossos compromissos, que rejeitamos, com Bruxelas. Comprometeram-se com um défice de 2,6% para 2008 e agora propõem-se atingir 2,4%. Ora, esta folga é praticamente suficiente para cobrir a baixa de 1 ponto percentual na taxa normal do IVA, e o Sr. Ministro sabe disso.

Mas o Sr. Ministro continua a contradizer-se.

Referiu-se, da primeira vez que abordou este assunto, ao objectivo de 0,4% do défice em 2010 e depois, à tarde, disse uma coisa diferente.

Agora, voltou a dizer que, no próximo ano, não é possível, mas nunca diz que, no próximo Orçamento, não é possível.

É possível no próximo e também é possível neste, e o Sr. Ministro não se escapará de ser catalogado de eleitoralista na sua política, se vier fazer para o ano o que já pôde fazer este ano e não quis!

 

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções