Intervenção de

Orçamento de Estado para 2006 (apreciação na generalidade)Intervenção de Bernardino Soares

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro,

Ao longo deste debate, tem vindo a fazer um enorme esforço para este Orçamento parecer diferente do apresentado pelo governo anterior. É por isso que o Governo insiste neste discurso da credibilidade e da transparência, apostando na memória que os portugueses ainda têm das trapalhadas do governo anterior. Bem percebemos que assim seja!

O Sr. Primeiro-Ministro até disse, na sua intervenção, que este Orçamento tem «o elogio de muitos habi-tuais adversários políticos do Governo». Sabe qual é o problema, Sr. Primeiro-Ministro? É que eles podem ser adversários do Governo mas não são adversários do Orçamento que o senhor aqui apresenta. É por isso que o PSD está com dificuldade em votar contra um Orçamento que considera globalmente positivo. Também é por isso que, de igual maneira, o PS está contente com o Orçamento que apresenta, por ser o que é defendido pelos economistas do PSD.

O PS considera, afinal, que o justo seria o voto a favor do PSD — o Sr. Primeiro-Ministro já o disse —, mas isso é a confirmação de que as políticas do PS são, no fundamental, a continuação daquelas que o PSD tinha quando estava no governo. São como Dupond e Dupont: aparentemente dizem sempre coisas diferentes, mas, afinal, o que dizem é o mesmo dito de maneiras diferentes. Este é que é o problema deste debate.

Este Orçamento agrava a desigualdade fiscal, Sr. Primeiro-Ministro, porque, além de aumentar a fatia dos impostos directos, que são cegos e impõem-se da mesma maneira tanto aos que menos têm como aos que mais têm, tem uma insuficiente actualização dos escalões do IRS.

Por outro lado, para além do diploma agora anunciado para favorecer fiscalmente a privatização da EDP, este Orçamento contempla a manutenção de condições para que a taxa efectiva de tributação da banca, que foi de 12% em 2004, se mantenha nos mesmos níveis.

Por isso, o desafio que lhe fazemos — e é esta a pergunta que queria colocar-lhe — é o de saber se o Governo está disponível para aprovar a proposta que o PCP vai apresentar no sentido de introduzir uma norma-travão em matéria fiscal que não permita que a banca pague menos de 20% de taxa de IRC, por forma a pôr fim a esta escandalosa discriminação positiva em relação aos que têm tido mais lucros ao longo dos anos.

Ao contrário do que diz, este é também um Orçamento de ataque aos reformados, porque o Sr. Primeiro-Ministro sabe que vão manter-se as baixas reformas.

Na sua intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro disse que, em 2006, vai haver convergência, de acordo com a Lei de Bases da Segurança Social, que é do PSD e do CDS, que é a que diz que só os que têm mais de 30 anos de carreira contributiva é que estarão ao nível do salário mínimo, este sucessivamente degradado e sucessivamente afastado do salário médio. É essa a convergência!

Diga claramente aos portugueses que todos os pensionistas não vão ter direito a uma prestação igual ao salário mínimo nacional mas apenas aqueles com mais de 30 anos de carreira contributiva e que os outros, os que não puderam descontar durante a sua vida activa, vão continuar a não receber essa prestação míni-ma.

Este Governo aumenta as despesas dos idosos — nos medicamentos, nos bens essenciais — enquanto não lhes aumenta as reformas. Essa também é uma questão a ter em conta.

Finalmente, em relação ao complemento de pensão, o Governo, mais uma vez, introduz a lógica da des-confiança perante aqueles que menos têm e que necessitam destas prestações. Em relação a estes vai ser levantado o sigilo bancário para combater a fraude — e estamos de acordo com o combate à fraude —, mas no que se refere aos grandes interesses e às grandes transacções ninguém toca no sigilo bancário, mantém-se sempre o sigilo bancário, porque interessa aos grandes grupos económicos e aos grandes inte-resses.

O mesmo se diga em relação ao subsídio de desemprego, Sr. Primeiro-Ministro. Estas operações de moralização das prestações sociais acabam sempre, injustamente, por deixar de fora muitos dos que deviam ter direito à prestação, muito mais do que aqueles outros que, eventualmente, de forma injusta, a recebam antes dessa dita moralização.

Afinal de contas, estas políticas vão prejudicar os pensionistas e os trabalhadores.

O Sr. Primeiro-Ministro escandaliza-se com uma proposta de aumento do salário mínimo, que, em moe-da antiga, corresponde a um aumento de 5 contos por ano, e diz que há uma contradição entre o aumento desse salário mínimo e a dinamização do emprego. Ora, isto significa que, para o Sr. Primeiro-Ministro e para o Governo, o modelo a que estamos condenados é o dos baixos salários e que cada vez que se aumenta os salários prejudica-se o emprego. E esse é o erro da sua política, como foi o erro das políticas anteriores.

É essa uma das razões fundamentais para estarmos contra este Orçamento, que aumenta o desempre-go e diminui os salários.

 

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções