Intervenção de

Novo regime jurídico das armas e suas munições<br />Intervenção de António Filipe

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado José Magalhães,Quero, em primeiro lugar, registar positivamente o facto de estarmos perante uma proposta de lei material, o que permitirá que esta Assembleia proceda a um estudo e a um debate aprofundados desta matéria que não seriam possíveis, em regra, se se tratasse de uma proposta de lei de autorização legislativa, como aconteceu em situações anteriores. Esta é uma matéria que já foi trazida aqui por vários governos em pouco tempo, mas cujas iniciativas caducaram devido à queda dos mesmos, tendo vindo a recolher um consenso significativo nesta Câmara. Sr. Secretário de Estado, há uma questão que gostaria de colocar-lhe, suscitada aqui da última vez que se debateu esta matéria. Dizia um Sr. Deputado que esta era, para ele, a questão mais preocupante deste diploma — referia-se ao diploma do governo anterior, que era basicamente semelhante a este — e que havia numerosíssimos aspectos práticos que não tinham sido devidamente acautelados. «Este diploma cria imensa quantidade de obrigações sobre as polícias, sobre os armeiros, sobre os cidadãos, que talvez não tenham sido devidamente ponderadas. Nomeadamente em relação às polícias há obrigações ao nível da fiscalização, novas obrigações de formação… Os polícias serão obrigados a, por exemplo, formar os cidadãos que queiram ter uma arma, tendo eu a absoluta certeza de que, neste momento, isto não seria possível. Aliás, a Polícia de Segurança Pública, que, de acordo com este diploma recebe novas responsabilidades, passa por uma situação muito preocupante ao nível do seu funcionamento e creio que não será possível aplicar este diploma nas circunstâncias actuais.» — quem levantava estas questões era o Sr. Deputado Vitalino Canas. E não foi há muitos meses! Ora, como, nos últimos meses, não vimos que se tenham verificado alterações muito significativas ao nível da PSP, a questão que coloco, Sr. Secretário de Estado, é a de saber se, face aos problemas que o Sr. Deputado Vitalino Canas suscitava e que para ele eram fundamentais — daí a sua convicção de que isto não seria aplicado, porque não havia condições para tal —, estas condições já foram criadas e se o Governo nos pode dar garantias de que aquilo que não era possível há uns meses vai ser possível agora, que a PSP já tem todas as condições para dar cumprimento àquilo que a Assembleia da República aprovar nesta matéria. (…) Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já muito foi dito sobre esta matéria, neste e em debates anteriores, a propósito da necessidade de haver uma legislação actualizada e coerente sobre esta questão da proliferação de armas. E são conhecidos os problemas para a segurança pública que decorrem da ausência de uma legislação rigorosa sobre esta matéria. Todos os dias, infelizmente, vamos tendo notícia de crimes que são praticados e que provavelmente não o teriam sido se houvesse uma legislação restritiva e que fosse de facto cumprida quanto à posse de armas por parte de quem não tem condições de idoneidade ou de formação ou uma absoluta necessidade de ser detentor de armas. Ainda há muito pouco tempo, infelizmente, soubemos do que se passou com um presidente de junta de freguesia, que foi assassinado por alguém que seguramente não reúne as mínimas condições de idoneidade para dispor de uma arma. E todos vamos vendo, através de notícias de jornais e televisões, crimes que, infelizmente, acontecem e nos chamam a atenção para a necessidade de sermos muito rigorosos e muito restritivos quanto à possibilidade de as pessoas deterem armas. Daí a nossa anuência às iniciativas legislativas que têm visado esse objectivo e obviamente também esta iniciativa legislativa hoje aqui apresentada. Esta é uma matéria muito preocupante, Srs. Deputados. Há alguns anos, foi elaborado pelo Serviço de Informações de Segurança um relatório, que, embora fosse confidencial, alguém, convenientemente, divul gou junto da comunicação social, tendo-se tornado público, e onde se dava conta de uma realidade com contornos muito preocupantes: um número absolutamente extraordinário de armas, na ordem das 770 000, que existiriam legalmente, mas estimando-se que houvesse igual número de armas detidas ilegalmente. Este é, de facto, um número que, pela sua dimensão, impressiona. Para além disso, dava-se conta de outras realidades, como seja a da facilidade com que, em Portugal, era possível dispor de uma arma ilegal: ou comprando-a no mercado negro de armas, onde seria relativamente fácil de localizar, ou, pior ainda, adquirindo-a legalmente num armeiro e, depois, comprando no próprio armeiro instrumentos que permitiriam transformá-la numa arma ilegal. Trata-se, pois, de situações absolutamente indiscriminadas, a que importa pôr cobro. Importa também nesta matéria sermos pedagógicos. Está, de certa forma, difundida a ideia de que a posse de uma arma contribui para a segurança pessoal de cada um e, do nosso ponto de vista, não há nada mais errado. Isto é, possibilitar que pessoas que não tenham a formação adequada e não tenham a absoluta necessidade de detenção de uma arma de defesa pessoal possam ter essa arma não contribui para a segurança de ninguém, nem dos próprios, pelo contrário põe em risco a sua própria segurança e, obviamente, constitui um perigo muito grande para a segurança pública. Portanto, temos de ser pedagógicos nesta matéria e combater firmemente essa ideia de que estamos mais seguros se detivermos armas. É também nesse sentido que consideramos que esta iniciativa legislativa é importante e que é bom que se legisle sobre esta matéria. Obviamente, há aspectos desta proposta de lei que devem ser adequadamente considerados, do ponto de vista da salvaguarda de todas as garantias constitucionais. Assim sendo, temos pela frente um trabalho que, em sede de especialidade, será árduo, porque se trata de uma iniciativa legislativa extensa, pormenorizada e com alguma complexidade técnica, mas também estamos confiantes em que esta Assembleia saberá assumir as suas responsabilidades nesta matéria e trabalhar em conjunto com o Governo, autor desta iniciativa, para que, com alguma celeridade, possamos proceder à apreciação, na especialidade, desta iniciativa e dotar o nosso país de um ordenamento jurídico coerente, actualizado e rigoroso sobre esta matéria, capaz de impedir a proliferação indiscriminada de armas, a qual, repito, constitui um grave problema para a segurança pública no nosso país.

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