Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Nova taxa de IRS — no valor de 45%

Introduz uma nova taxa de IRS — no valor de 45% — para sujeitos passivos ou agregados familiares que obtenham rendimentos anuais superiores a € 150 000 (http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
O Governo apresenta, hoje, uma proposta para criar uma nova taxa, de 45%, em IRS, para tributar rendimentos colectáveis superiores a 150 000 €. Suscitam-se três questões relativamente a esta proposta, a primeira das quais é a do seu simbolismo.
Toda a gente reconhece que esta é uma proposta mais simbólica do que real, nos efeitos adicionais que terá na receita. Até o próprio Governo reconhece esta verdade! Certamente, o Governo fez estudos para apresentar esta proposta e, por isso, gostaríamos de conhecer a dimensão do simbolismo desta proposta do Governo, isto é, que receita adicional vai o Estado arrecadar com esta taxa. Não serão, seguramente, os 30 milhões de euros que têm vindo em alguns títulos de jornais.
A segunda questão que se coloca tem a ver com o facto de esta proposta ser, simultaneamente, simbólica e temporária. É apresentada como vigorando até 2013, pelo que podem, todos, ficar tranquilos, porque quem tiver rendimentos colectáveis superiores a 150 000 € vai ter, novamente, uma taxa de IRS menor em 2013. Esta preocupação com os grandes rendimentos, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é comovente. Não sei se o Governo não estará já a pensar na afectação que esta taxa vai ter, por exemplo, nos rendimentos do Dr. António Mexia ou do Dr. Vítor Constâncio…
Agora, ficamos sem saber se outras medidas do Governo, incluídas no PEC, são também temporárias. Ficamos sem saber se os cortes nas prestações sociais e no investimento público, a diminuição do poder de compra, a subida dos preços do gás ou da energia, e até as portagens nas SCUT, enfim, tudo aquilo que o Governo quer impor, ao abrigo do PEC, vai também ser temporário. Suspeitamos que não, porque este Governo, de facto, não sabe fazer outra coisa que não seja «apertar o cinto» sempre aos mesmos. Por isso, temporária, temporária será, seguramente, esta medida simbólica que, hoje, o Governo nos traz.
Uma terceira e última questão sobre esta matéria, Srs. Membros do Governo, tem a ver com o facto de os problemas do País não se resolverem com medidas simbólicas. E, tal como o Dr. Vítor Constâncio disse ontem, são precisas medidas drásticas, muito drásticas, de facto, mas não para penalizar, mais uma vez, como ele quer, os mesmos de sempre, são precisas medidas muito drásticas para penalizar, sim, aqueles que estiveram na origem da actual crise financeira. E há que tomar medidas drásticas, como, por exemplo, Sr. Secretário de Estado: fazer com que a banca pague, de IRC, o mesmo que qualquer pequena empresa, isto é, 25%; tributar as mais-valias em sede de SGPS, coisa que os senhores não querem fazer, como se verifica na proposta que vamos debater em seguida; e, finalmente, criar um novo imposto ou uma nova taxa, conforme queiram, sobre as transacções financeiras, como o PCP propôs aqui há menos de um ano e como, veja lá, Sr. Secretário de Estado, o SPD, o partido alemão, que é, pelos vistos, companheiro do PS na Europa, acaba de fazer no Parlamento alemão, reproduzindo a iniciativa que o PCP aqui apresentou, tributando as transacções financeiras.
Portanto, há, de facto, mais medidas, há medidas drásticas, urgentes e justas para repor a equidade fiscal e para fazer pagar, de facto, àqueles que estiveram na origem da actual crise, aquilo que é justo que sejam obrigados a pagar. Não podemos insistir na mesma tónica de fazer pagar aos pobres e aos trabalhadores uma crise na qual nunca tiveram responsabilidades.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Esta proposta corresponde a uma alteração profunda, a um recuo muito grande nas posições do Governo e do PS nos últimos 10 anos — aliás, por falar em recuos, não há só este, há um outro, o recuo do PSD, embora se possa dizer que este é um recuo menos profundo do que o do PS.
A primeira questão que vale a pena sublinhar é esta: a par deste recuo por parte do PS valeu a pena termos insistido durante tantos anos com propostas que esbarraram, sistematicamente, em posições conservadoras do PS, do PSD e do CDS-PP — que, aliás, nesta matéria, nesta fase do campeonato, está tão atrapalhado, tão atrapalhado que nem uma iniciativa apresentou neste âmbito, nem que fosse uma iniciativa para disfarçar, como alguns outros fizeram…
Mas o facto positivo de ter havido esta proposta a par deste recuo não significa que a proposta do Governo seja boa, sendo que suscita, da nossa parte, um conjunto de perguntas concretas que eu gostava de ver respondidas.
Primeira pergunta: porque é que o Governo quer deixar que mais de metade das mais-valias bolsistas continue a não se tributada, isto é, a não pagar um cêntimo de imposto?
Segunda pergunta: acha justo que os não-residentes, isto é, os investidores estrangeiros, que são os detentores, Sr. Secretário de Estado, da maioria do capital social das empresas cotadas em bolsa, por exemplo, continuem isentos e não paguem um chavo de mais-valias?
Terceira pergunta: acha justo que as SGPS, as sociedades de capitais de risco, os investidores de capital de risco, boa parte dos fundos de investimento mobiliário continuem de fora da proposta que o Governo apresenta de tributação de mais-valias?
Quarta pergunta: qual é o critério de justiça, de ética, de equidade que faz o Governo actuar desta forma totalmente discriminatória? Não me diga, Sr. Secretário de Estado, que é o medo dos mercados, nem o medo das ameaças aqui colocadas, claramente, pela Sr.ª Deputada Assunção Cristas, que falou da fuga de capitais, tal como o Eng.º Belmiro de Azevedo dizia há dez anos!...
Quinta e última pergunta, que aborda uma questão muito grave e que se prende com o facto de esta proposta poder vir a fomentar a evasão fiscal: tem o Governo a noção de que, desde que a sua proposta foi conhecida e que a isenção da maior parte de tributação de mais-valias foi clara, há uma enorme procura dos escritórios de advogados deste país para que eles transfiram a titularidade das acções e dos títulos mobiliários para sociedades estrangeiras? E tem o Governo a noção de que daqui em diante, Sr. Secretário de Estado, não haverá títulos, acções, património mobiliário a não ser em fundos de investimento, em SGPS, ou em entidades sediadas fora do País e de que com esta proposta o Governo é bem capaz de ter uma receita bem mais pequena do que estimava, porque a engenharia financeira tratou de evadir os rendimentos? Isto é: o Governo está, no fundo, a fomentar a evasão fiscal em grande escala e que a engenharia financeira vai promover a fuga interna de capitais!!

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