Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Sessão Evocativa do 111.º aniversário de Álvaro Cunhal «25 de Abril – hoje e amanhã»

Sessão Evocativa do 111.º aniversário de Álvaro Cunhal

Uma grande saudação a todos vós que marcam presença nesta sessão evocativa, nesta terra de gente de trabalho e com uma história de luta, que enfrentou o fascismo, como na greve por aumento de salários em 1950, onde viria a ser assassinado Alfredo Lima.

Comemoramos hoje o 111.º aniversário de Álvaro Cunhal no ano em que se assinalam os 50 anos da Revolução de Abril.

Essa Revolução de hoje e de amanhã, que teve em Álvaro Cunhal uma das suas figuras maiores, alguém que desde cedo deu um contributo fundamental para a elaboração e a concretização da linha política do Partido. 

Desde logo no III e IV Congressos do PCP, mas de forma marcante no VI Congresso, em 1965, com a elaboração do relatório “Rumo à Vitória”, no qual são definidas as ideias e linhas fundamentais para os grandes objectivos da Revolução Democrática e Nacional.

Um contributo inestimável, esse, de Álvaro Cunhal para a definição do Programa, da estratégia e da táctica do Partido Comunista Português para a etapa da revolução antifascista portuguesa, visando o fim da tirania fascista que só pela força poderia ser derrubada, aprofundando a linha do levantamento nacional, o caminho da luta de massas e o caminho da unidade antifascista.

Tal viria a influenciar decisivamente o desenvolvimento da luta da classe operária e das massas populares, bem como o fortalecimento e unidade das forças democráticas de oposição ao regime, criando as condições para o derrube da ditadura em 25 de Abril de 1974.

Álvaro Cunhal estava muito longe de ser apenas um grande teorizador. 

Foi o revolucionário de intervenção e de acção na realidade concreta do País, firme e confiante, escutado e respeitado, presente em cada uma das grandes batalhas políticas.

Ao lado do povo, mantendo com ele uma real relação de autenticidade, numa peculiar forma de estar tão próxima e tão natural, onde está patente o gosto genuíno do contacto directo com os trabalhadores, de os conhecer e receber deles a experiência das suas vidas e a sua opinião. 

Uma relação de simplicidade, proximidade e de respeito e apreço recíprocos, como se revela nas suas próprias palavras.

«Sem diminuir em nada a importância e acção nas instituições, foi na luta, com o empenhamento, dedicação e coragem do grande colectivo partidário, foi nas fábricas, foi nos campos, foi nos portos, foi nas escolas, foi nas grandes iniciativas de massas do Partido, que participei directamente na revolução. Com a classe operária, com a massa trabalhadora, com as massas camponesas, com a juventude, com as mulheres, com os idosos. Essa tinha sido aliás também a minha primeira escola política no tempo do fascismo, como sucedeu com muitos outros camaradas. Foi em ligação directa e estreita com a classe operária, com os trabalhadores, com o povo, que fizemos a escola política, escola de concepções e escola de carácter, aprendendo com a experiência, a reflexão e a criatividade do povo, com a capacidade que um povo tem, numa dinâmica revolucionária, de intervir e transformar a sociedade.»

Desempenhou um papel de primordial e de inigualável importância, como Secretário-Geral do PCP e nas funções institucionais no processo da Revolução de Abril, na defesa e consolidação do regime democrático e na promoção e defesa das suas conquistas nos mais diversos domínios.

Revolução Portuguesa que definia como “uma revolução libertadora, com tão profunda transformação da vida nacional que se pode considerar um dos momentos mais altos da vida e da história do povo português e de Portugal”. 

A história da Revolução era, disse ainda, a “história de grandiosas e constantes lutas da classe operária e das massas populares, aliadas aos militares revolucionários, para libertar Portugal da opressão, da miséria, da exploração, da injustiça e das desigualdades sociais, para democratizar a vida nacional na perspectiva do socialismo”. 

E assim foi, de facto. 

Um processo que se despoletou em 25 de Abril de 1974 com a acção militar dos capitães do Movimento das Forças Armadas, e que se prolongaria por curtos dois anos que valem vidas de realização, conhecimento e experiência colectiva de um povo, deixando marcas inapagáveis na realidade do País e na consciência dos portugueses.

Processo empolgante de vivência e iniciativa criadora das massas populares, e um processo que não pode ser desligado daquele outro que o precedeu e permitiu criar as condições para o derrube da mais longa ditadura fascista que o continente europeu conheceu.

Abril foi uma Revolução única e cheia de originalidades. 

Uma Revolução que ninguém compreenderá sem conhecer os seus traços originais, nomeadamente aquela que é uma das mais significativas características da Revolução Portuguesa: terem-se realizado profundas transformações revolucionárias a partir da intervenção criadora das massas populares mesmo sem a existência de um poder revolucionário. 

Não se compreenderá sem conhecer o carácter original da forma de intervenção do MFA e da sua aliança com o movimento popular, como Álvaro Cunhal identifica, define e projecta, enquanto motor da Revolução e expressão de uma ampla aliança de todas as classes e camadas não monopolistas e não latifundistas.

Traços e originalidades que explicam também muito das dificuldades que as forças da contra-revolução haveriam de encontrar, nos últimos cinquenta anos, e nos muitos anos para recuperar o seu domínio completo e repor as condições e posições perdidas no processo da Revolução.

Revolução que foi confrontada desde o primeiro minuto com o bloqueio, oposição e golpes das forças mais reaccionárias que tudo fizeram para a travar.

É ainda em pleno processo revolucionário, mas particularmente com a formação, em 1976, do primeiro governo do PS, que Álvaro Cunhal desmonta e esclarece o conteúdo e os objectivos da política de direita de recuperação capitalista, agrária e monopolista.

Fá-lo valorizando o papel do PCP na resposta a essa política e às suas consequências para Portugal e para os portugueses.

Fá-lo contrapondo a essa política caminhos alternativos inspirados nos ideais de Abril.

Fá-lo demonstrando a necessidade inequívoca e a importância imperiosa da luta pela alternativa de esquerda ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

Fá-lo desconstruindo, passo a passo, as mentiras da contra-revolução.

Contributos que continuam a ter toda a actualidade e toda a relevância.

Se é verdade que tivemos um processo revolucionário inacabado, não é menos verdade que temos um longo processo contra-revolucionário, de política de direita de sucessivos governos, que também não atingiu o seu termo, com os seus promotores, apesar do que já conseguiram, a quererem ir mais longe para acabar com o que temos de conquistas e valores da Revolução.

A Constituição da República Portuguesa, apesar de todas as revisões, com amputações e abcessos, consagra direitos essenciais que, aplicados, dão resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo, um projecto que aponta o caminho que se impõe para o futuro.

O problema é que a Constituição tem sido reiterada e sistematicamente desrespeitada, por sucessivos governos, incluindo o actual Governo PSD/CDS, com políticas e um Orçamento do Estado que mereceram desde o primeiro momento a nossa mais firme oposição.

Opções políticas tomadas pelo governo de turno do PSD/CDS, que o unem com o Chega e IL e com as quais o PS converge, como se viu na sua decisão de viabilizar o Orçamento do Estado.

Estão unidos e de acordo na aceitação da submissão aos ditames de Bruxelas e aos interesses dos monopólios e do grande capital.

Estão unidos e de acordo na recusa das soluções que são necessárias para ultrapassar os dramáticos problemas que afectam os trabalhadores, o povo e o País. Soluções que só podem ser encontradas invertendo o rumo contra-revolucionário, pondo termo a décadas de políticas de direita.

Só podem ser encontradas numa política alternativa, patriótica e de esquerda, que aumente significativamente os salários e as pensões, que dê aos trabalhadores a estabilidade com vínculos efectivos, horários regulados, que invista nos serviços públicos, que defenda o SNS, a Escola Pública, o direito à habitação e todos os que estão consagrados na nossa Constituição, que dê condições aos jovens para aqui estudarem, trabalharem, viverem e serem felizes, que recupere o controlo público dos sectores estratégicos, que resgate a nossa soberania, que desenvolva o nosso País, que contribua para encontrar as soluções de paz, de solidariedade, de amizade entre todos os povos, que encete um rumo de progresso social para todos os que cá vivem e trabalham.

É certo que muitas das mais significativas conquistas de Abril foram destruídas num processo complexo e prolongado.

Mas não é menos verdade que o alcance das conquistas foi tão vasto e de tal forma transformador que, apesar de mais de quatro décadas e meia de política de direita, estão ainda presentes na Constituição, no quadro legal, nos valores e aspirações do povo português, elementos incontornáveis ligados ao período libertador da Revolução.

As comemorações do 50.º aniversário da Revolução de Abril, a manifestação do 1.º de Maio, os muitos processos de luta que se têm verificado, comprovam que os valores de Abril são profundamente sentidos pelo nosso povo e que está disposto a lutar por eles. É preciso que a luta prossiga e se desenvolva.

Luta como a que a CGTP-IN dinamizou nas últimas semanas e que culminou na manifestação nacional de ontem no Porto e em Lisboa.

Só a mobilização dos trabalhadores e das massas populares, o reforço do Partido, a convergência dos democratas e patriotas permitirá a alteração da correlação de forças social e política que se exige.

A campanha que temos vindo a dinamizar “Aumentar salários e pensões, para uma vida melhor”, profundamente ligada à vida das populações, contribui para que elas participem activamente na exigência das reivindicações mais prementes para a melhoria das suas condições de vida.

O XXII Congresso do PCP, que se realizará daqui a um mês, está a ser construído e queremos que envolva ao máximo o colectivo partidário.

O tempo, a realidade e a vida demonstram que o caminho que se impõe é, de facto, o dos valores de Abril no futuro de Portugal, retomar o caminho de Abril, cumprir o seu projecto, garantir que os seus valores e direitos são concretizados e cumpridos na vida de todos os dias.

Uma ruptura com a política de direita, uma alternativa patriótica e de esquerda com a afirmação de um projecto político e ideológico assente na concretização da democracia, tal como Álvaro Cunhal, dialecticamente, a concebia e que está vertida no Programa do PCP «Portugal, uma democracia avançada no limiar do século XXI», aprovado no XII Congresso, elaborado com o contributo destacado de Álvaro Cunhal, alterado no XIV Congresso e que serviu de base do actual programa do Partido, aprovado no XIX Congresso, «Uma Democracia Avançada — Os Valores de Abril no Futuro de Portugal».

Concepção de democracia onde são inseparáveis e complementares as suas quatro vertentes principais: a económica, a social, a política e a cultural, por sua vez indissociáveis do respeito pela soberania nacional.

Como aponta o nosso programa, «os grandes valores da revolução de Abril criaram profundas raízes na sociedade portuguesa e projectam-se como realidades, necessidades objectivas, experiências e aspirações no futuro democrático de Portugal».

A contribuição única e insubstituível que Álvaro Cunhal deu continuam poderosamente válidos. 

Cabe-nos prosseguir o seu legado, aplicando os princípios teóricos do marxismo-leninismo na prática de todos os dias, no presente e no futuro, para estarmos em condições de transformar a realidade e alcançar os objectivos que interessam ao nosso povo, da liberdade, da democracia, da independência nacional, da paz e do socialismo.

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