Intervenção de Manuel Loff na Assembleia de República, Reunião Plenária

A sinistralidade laboral é resultado, na esmagadora maioria das vezes, das precárias condições em que as pessoas são obrigadas a trabalhar

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A sinistralidade laboral é uma matéria central nas preocupações do PCP. Como ocorre em tantas outras dimensões da vida social e laboral, os acidentes de trabalho como as doenças profissionais são resultado, na esmagadora maioria das vezes, das precárias condições em que as pessoas são obrigadas a trabalhar.

Foi já por proposta do PCP que, em 2001, foi aprovada, por Resolução da Assembleia da República, a instituição do Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho, assinalado a 28 de abril, através do qual se lembram todas as vítimas de acidente de trabalho e doenças profissionais. Nela  se exigiam medidas que criassem uma dinâmica de prevenção, com o objetivo de combater a inércia e as insuficiências de fiscalização das empresas e das condições de trabalho, assegurando-se às entidades competentes as orientações e os meios indispensáveis para uma intervenção eficaz. 

Os acidentes de trabalho em Portugal são um problema muito sério; um dos muitos que enfrentam os trabalhadores. Só em 2022, registaram-se 510 acidentes de trabalho graves e 134 acidentes de trabalho mortais. Só até 3 de abril deste ano, segundo dados da ACT, já se registaram 31 acidentes graves e 14 acidentes mortais, numa proporção destes últimos muito superior às de anos anteriores.

É certo, por outro lado, que a obrigatoriedade legal de seguro pelo risco de acidentes de trabalho está desde há muito reconhecida. Contudo, apesar da inexistência de seguro ser punida por lei, podendo implicar o pagamento de uma coima, falta a existência de uma fiscalização regular e eficaz, sendo que, no caso de acidente ocorrido com trabalhador por conta de outrem, a entidade empregadora fica responsável pelo pagamento das prestações previstas na lei. Tem crescido o número de empresas que não transferem a responsabilidade pelos riscos de acidente de trabalho para as seguradoras. Tal facto, associado a encerramentos de empresas sem processos regulares de insolvência, leva a que um número cada vez maior de trabalhadores em situação de incapacidade para o trabalho se veja sem a proteção adequada. Nestas circunstâncias, os sinistrados e as suas famílias, não poucas vezes, caem em situações de fragilidade e vulnerabilidade sociais, das quais dificilmente saem.

A legislação em vigor claramente beneficia as seguradoras ao desreponsabilizá-las por muitos dos casos de acidentes de trabalho. O PCP sempre alertou que observância e cumprimento das regras de segurança e saúde no trabalho, bem como a reparação dos acidentes de trabalho nunca seria justa quando feita sacrificando os trabalhadores e beneficiando as seguradoras. Mas hoje esta é a realidade que continua a existir.

A sinistralidade laboral tem impactos e consequências humanas e sociais graves, sendo que em muitas situações o acidente de trabalho é um fator de destruição da vida profissional e familiar dos sinistrados, sobretudo quando o resultado é a incapacidade parcial ou total para o trabalho e/ou uma situação de deficiência irrecuperável de grau elevado.

Acresce a realidade das consequências emocionais sentidas pelo sinistrado, da dimensão individual de quem se vê confrontado com uma incapacidade, de quem se sente diminuído para a execução de um conjunto de tarefas, de quem se sente “excluído” do mundo laboral (mesmo quando regressa ao trabalho), de quem se sente “estranho” na esfera familiar, porque o sinistro que sofreu alterou profundamente (e em muitos casos permanentemente) a forma como interage e se integra nas várias esferas da sua vida.

Para tanto, o PCP apresenta este projeto de lei com o objetivo de, entre outros:

- Do regime passar a prever a indemnização de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, produzidos independentemente de culpa da entidade patronal.

- Alterar as regras de escolha do médico assistente, com vista a assegurar a independência necessária na avaliação do momento da alta, atribuindo as respetivas competências ao médico que, no momento, assistir o sinistrado, designadamente ao médico de família.

- No caso de o sinistrado ser mandado trabalhar, não estando apto para retomar o trabalho e a prestação for recusada pela entidade patronal, o trabalhador possa recorrer a qualquer médico, sendo sujeito à avaliação por perito designado pelo tribunal, no prazo de 5 dias, de modo a esclarecer a real situação do sinistrado, mantendo este o direito à prestação de incapacidade temporária absoluta enquanto decorrer o período de avaliação.

- A revisão do regime de apoio permanente de terceira pessoa, designadamente, o alargamento do regime ao período de incapacidade temporária, o que é da mais elementar justiça e mesmo indispensável para que o sinistrado e a sua família não se vejam obrigados a suportar os custos inerentes à situação de incapacidade permanente decorrente do sinistro laboral.

- A indexação de todas as prestações ao salário mínimo nacional e não ao IAS, dado o seu carácter de rendimentos substitutivos do trabalho;

- A alteração da norma que hoje impõe a remição obrigatória das pensões por incapacidade permanente inferior a 30% - uma remição que beneficia as companhias de seguros em largos milhões de euros, enquanto constitui um avultado prejuízo para os sinistrados. Assim, propõe-se que só possa ser totalmente remida, a requerimento do sinistrado ou beneficiário legal maior de idade, a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal;

- Que só possa ser parcialmente remida a pensão por incapacidade permanente superior a 30%, quando não tenha sido atribuída uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e garantindo que a pensão anual sobrante não pode ser inferior a catorze vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição, assegurando assim que o sinistrado dispõe, mensalmente, de um valor não inferior ao SMN;

- Caso a lesão não tenha manifestação imediatamente após o acidente, caberá à entidade patronal provar que esta não decorre daquele e assumir todas as despesas e encargos inerentes;

- A retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações e pensões não seja de valor inferior ao da retribuição mínima mensal garantida na data da certificação ou da morte;

Propomos ainda que, reconhecendo o trabalho desenvolvido pela Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho no apoio a estes trabalhadores e às suas famílias, 1% do montante das coimas aplicadas por violação ou incumprimento das  regras  de  segurança  e  saúde  no  trabalho  e  da  reparação  de  acidentes de trabalho seja dirigido a esta Associação.

E ainda, considerando a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional por acórdão de 17.02.2022 o artigo relativo ao cálculo da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, efetuado na base do IAS - Indexante dos Apoios Sociais, para o PCP é essencial que se proceda ao recálculo destas pensões, devendo a indexação ser feita com referência ao salário mínimo nacional, dado tratar-se de prestações substitutivas de rendimentos do trabalho e atendendo sobretudo ao facto que está na sua origem – acidente de trabalho.

 

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