Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

O aumento do custo de vida e as opções do Governo

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Para a imensa maioria do povo português, a vida está mais cara, mais difícil e injusta: a cada dia que passa, o salário e a pensão de reforma ficam mais curtos para despesas cada vez maiores, com o fim do mês cada vez mais longe.

Esta é a realidade com que se confronta quem vai às compras para levar comida para casa, quando paga as contas da luz, água, gás, renda e prestações, telecomunicações, combustíveis, seguros, portagens, medicamentos e todo o conjunto de despesas com que cada um se confronta.

Os dados ontem divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística apontam aumentos de preços (“variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor de 5,3%”) como o valor mais elevado desde junho de 1994, quase três décadas atrás!

Enquanto os preços dos combustíveis batiam todos os recordes, a GALP distribuiu em dividendos entre os seus acionistas a módica quantia de mil milhões de euros! E o mesmo exemplo pode-se estender aos lucros da EDP, das grandes empresas de distribuição ou na banca.

O Governo não pode fechar os olhos a esta realidade nem à especulação que está em curso. O que se exige é a defesa e proteção das famílias face ao aumento geral dos preços e não a complacência com a especulação.

Por outro lado, a dependência externa na cadeia agroalimentar é de uma gravidade crítica. No trigo, que é a base da alimentação nacional, estamos dependentes da produção externa em 96%. É urgente assegurar as necessidades de abastecimento alimentar do nosso país, substituindo importações pela produção nacional.

Os custos de produção são cada vez mais incomportáveis. Hoje os agricultores e produtores pecuários pagam para produzir – e vendem os seus produtos a preços baixíssimos à grande distribuição, que os coloca nas prateleiras a preços exorbitantes, explorando ao mesmo tempo os pequenos produtores e também os consumidores.

Nas pescas, a escalada dos preços dos combustíveis e a falta de apoios, num setor já em grandes dificuldades, põem em risco a continuação da atividade. É indispensável avançar com medidas de apoio à pequena pesca, artesanal e costeira para enfrentar os custos da produção.

É indispensável assegurar a soberania alimentar, em especial para aumentar a produção de cereais; garantir o pagamento justo aos produtores, nunca abaixo dos custos de produção; e combater o aproveitamento que está a ser feito com o aumento dos preços dos bens alimentares.

Quanto à redução de impostos, esta pode ter algum efeito positivo. Aliás, algumas das medidas que o Governo agora adotou, designadamente em relação aos impostos sobre os combustíveis, foram avançadas pelo PCP ainda na passada semana. Mas essas medidas de redução de impostos têm de ser acompanhadas por medidas de controlo e fixação de preços.

Ao optar por reduzir impostos sem fixar preços máximos (como nos combustíveis), o Governo permite que os grupos económicos continuem a aumentar os preços de forma especulativa e deixa em aberto a possibilidade das petrolíferas, dos grandes grupos da distribuição e outros grupos económicos, continuarem a promover subidas especulativas dos preços colocando as receitas fiscais a subsidiarem os seus lucros.

As medidas agora anunciadas pelo Governo fogem ao que se exige de essencial quanto ao combate à especulação e à subida dos preços e ao inadiável aumento dos salários e das pensões de reforma.

E, sobretudo, ignoram que os problemas a que diz querer responder são inseparáveis da instigação das sanções que a pretexto da guerra estão a ser impostas, beneficiando os que com elas lucram, em prejuízo do interesse dos trabalhadores e do povo.
A resposta imediata ao aumento do custo de vida tem de passar por medidas de controlo e fixação de preços e o aumento de salários e pensões. De outra forma, é a roda livre ao aproveitamento e o lucro de alguns, à custa da pobreza e das dificuldades de quase todos!

Com as medidas anunciadas, o Governo não enfrenta os problemas que estão na raiz desta situação. Pior: invocar desta vez o combate à espiral inflacionista para não aumentar salários e pensões é deixar campo aberto à exploração e ao empobrecimento.
A recusa de qualquer medida de aumento dos salários e das pensões, significará o regresso dos cortes: não com as decisões oficiais do tempo da troika, mas com a perda real de poder de compra.

Ao recusar aumentar salários e pensões o Governo cumpre as pretensões das confederações patronais, impondo aos trabalhadores, aos reformados, a degradação das suas condições de vida.

Este é já uma primeira amostra do que está a ser a postura do Governo neste arranque de Legislatura. Era para isto que queriam a maioria absoluta e é um primeiro e esclarecedor exemplo do que poderão ser os próximos quatro anos. Cá nos terão pela frente se assim for!

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

A subida imparável dos preços, associada a lucros fabulosos por parte dos grandes grupos económicos, não é uma fatalidade inevitável.

A instigação e o aproveitamento da guerra e das sanções – na senda do aproveitamento que alguns fizeram dos impactos da epidemia – só pode ser combatido com uma inversão de políticas que, em vez de protegerem os lucros das grandes empresas, proteja o poder de compra dos trabalhadores, dos reformados e a atividade das micro pequenas e médias empresas.

A inflação é, em alguns casos, consequência direta da guerra e das sanções – mas é, em muito mais situações, resultado do seu aproveitamento como pretexto para subidas especulativas de preços.

É preciso que se impeça esse aproveitamento e também que o Governo intervenha no sentido da paz e não do agravamento e da escalada da guerra.

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