Intervenção de Diana Ferreira na Assembleia de República

Combater oportunismos, assegurar direitos dos trabalhadores em teletrabalho

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Começo por deixar uma saudação aos muitos milhares de trabalhadores que saíram à rua no 1.º de Maio, na defesa dos seus direitos, contra a precariedade, a exploração, a desregulação dos horários, por melhores salários – lutas que continuam tremendamente atuais.

O atual contexto favoreceu uma mais larga utilização do teletrabalho - facto que alguns pretendem aproveitar para uma generalização acrítica, promovendo ilusões sobre vantagens para os trabalhadores e omitindo as consequências negativas, que aliás este período claramente evidenciou, de uma autêntica tele-exploração, aparentemente mais moderna, mas claramente mais profunda.

Lembramos que o trabalho ao domicílio, à peça ou à tarefa ou no vão de escada, já existiu de forma generalizada – uma forma de exploração que foi vencida pela luta dos trabalhadores, que ficou lá atrás, mas parece que há quem queira recuperar utilizando as novas tecnologias.

Não está em causa o aproveitamento das novas tecnologias – que devem, sim, estar ao serviço do desenvolvimento e da melhoria das condições de trabalho e de vida.

O que está em causa é o aproveitamento por parte do capital para criar ilusões e fragilizar os direitos dos trabalhadores. O endeusamento do teletrabalho e a sua promoção como uma panaceia para todos os males é algo que o PCP rejeita, alertando para as consequências nefastas, num curto ou num médio prazo, que a generalização do teletrabalho pode significar para os trabalhadores e para as suas famílias.

A quem serve o recurso alargado a este instrumento? Ao capital que agrava a exploração com intensificação do trabalho, com maior pressão para alargamento do período de trabalho, para a disponibilidade permanente.

Quem sai efectivamente a ganhar (e a acumular) com tudo isto? As entidades patronais, especialmente as grandes empresas, que reduzem custos e transferem para os trabalhadores custos de instalações, água, electricidade, comunicações, bem como pressionam para o uso de instrumentos de trabalho do trabalhador ao serviço da empresa.

O que quer verdadeiramente o capital? Fazer caminho para acabar com componentes da remuneração dos trabalhadores (subsídio de refeição e outros prémios e subsídios), seja no imediato ou num mais longo prazo. E se dúvidas houvesse sobre os objectivos do patronato com a utilização do teletrabalho, elas dissipam-se bem perante a posição assumida pela Confederação do Comércio e Serviços de corte no subsídio de refeição, de penosidade ou outras componentes remuneratórias que são direitos conquistados e adquiridos pelos trabalhadores, que são parte integrante dos rendimentos mensais que os trabalhadores trazem para casa e com o qual organizam a sua vida. E que há quem queira colocar em causa, confirmando os oportunismos e os ataques aos direitos dos trabalhadores para os quais o PCP vem alertando e denunciando.

Mas há mais riscos que não podem ser ignorados:

• Invasão da privacidade e intimidade da vida dos trabalhadores; o patrão dentro da casa dos trabalhadores; a confusão entre o espaço de trabalho, o espaço familiar e pessoal. A casa dos trabalhadores não é uma extensão da empresa nem pode ser encarado como tal. A casa dos trabalhadores é o seu espaço privado, seu e da sua família e isso não pode ser colocado em causa.

• Desresponsabilização das entidades patronais perante matérias de segurança e saúde no trabalho, da prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais e rejeição da sua reparação, num quadro em que se potencia o desenvolvimento e agravamento de problemas do foro psicossocial resultantes do isolamento e da solidão, bem como da não diferenciação do ambiente do trabalho e da residência;

• Isolamento dos trabalhadores uns dos outros e o prejuízo daí resultante, negando a possibilidade de partilha de experiências e conhecimentos que favorecem o seu desenvolvimento profissional e pessoal, mas também os impactos negativos no esclarecimento, na unidade, na organização e na luta dos trabalhadores.

• Intensificação do trabalho à peça, à hora, à tarefa, com mais precariedade e risco de perda do vínculo com a empresa.

• Retrocessos para as mulheres, enviadas para casa depois de décadas de luta de emancipação para trabalharem fora de casa.

Para o PCP é claro que os trabalhadores em teletrabalho têm de ter os mesmos direitos e segurança no trabalho que os restantes trabalhadores, conforme prevê o Código do Trabalho. E é na salvaguarda dos direitos destes trabalhadores que o PCP apesenta esta iniciativa.

Porque uma relação de trabalho não é uma relação entre iguais. Nunca foi. É o trabalhador que é a parte mais frágil, é o trabalhador que tem que ser protegido, especialmente quando há quem pretenda tornar definitiva uma realidade transitória e temporária para impor o teletrabalho de forma permanente.

Apresentamos propostas que fixam e garantem os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo teletrabalho:

• Um valor de 11€ por dia de ajudas de custo para compensar o trabalhador pelos gastos acrescidos, nomeadamente, com comunicações, eletricidade, água, entre outros, rejeitando que as responsabilidades da entidade patronal sejam transferidas para os trabalhadores e que tal seja tratado no plano individual.

• Que um trabalhador em teletrabalho tenha um posto de trabalho seu na empresa, rejeitando a ideia de que a casa do trabalhador seja um posto de trabalho ou qualquer extensão da empresa, podendo, a qualquer momento, o trabalhador regressar ao seu local de trabalho na empresa, assegurando a preservação de uma lógica temporária e transitória do trabalho a partir do domicílio.

• Que o teletrabalho não se inicie antes das 8h nem depois das 19h e que seja cumprido escrupulosamente o horário de trabalho do trabalhador, devendo qualquer tempo extraordinário de trabalho ser requisitado por escrito e devidamente pago;

• Que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação, o economato e outros equipamentos, incluindo mobiliário, a sua instalação e acomodação, bem como manutenção sejam da responsabilidade da entidade patronal, cabendo a esta arranjos e manutenção dos mesmos.

• Que o trabalhador possa rejeitar o teletrabalho quando considere que não estão reunidas as condições para que preste a sua actividade com dignidade, privacidade e respeito pelas condições de segurança e saúde no trabalho.

Não é o teletrabalho que resolverá um conjunto de problemas laborais sentidos todos os dias – exploração, precariedade, baixos salários, intensos ritmos de trabalho, pressões, desregulação de horários, longas jornadas de trabalho; pelo contrário, poderá sim contribuir para o seu aprofundamento.

Não é o teletrabalho que resolverá dificuldades no acompanhamento aos filhos. Teletrabalho é trabalho. Acompanhamento a filho é acompanhamento a filho. Não são dimensões conciliáveis. Os trabalhadores em teletrabalho têm o mesmo direito que os demais trabalhadores a acompanharem os seus filhos. E estas crianças têm o mesmo direito a serem acompanhadas pelos pais.

Sobre todas estas matérias o PCP tem intervindo, incluindo com propostas que reforçam o direito de acompanhamento a filho.

Hoje apresentamos propostas para os trabalhadores em teletrabalho, para que estes não fiquem desprotegidos nem sejam esvaziados dos seus direitos.

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