Intervenção de João Coelho, Dirigente Nacional do STAL, Seminário «Reduzir o horário de trabalho – combater a desregulação e valorizar a vida»

O STAL a lutar pelos direitos dos trabalhadores

O STAL a lutar pelos direitos dos trabalhadores

Agradeço em nome do STAL o convite que nos foi enviado para participarmos nesta iniciativa que consideramos da maior importância.

A luta pela redução do horário de trabalho sem perda de salário vem de longe, pelo menos, desde que a história é marcada pela incessante busca de apropriação do tempo da força de trabalho pelos detentores dos meios de produção.

Esta é, pois, uma reivindicação fundamental dos trabalhadores e do movimento sindical unitário.

Em Portugal, com um passado muito rico no qual avulta a luta pelas 8 horas de trabalho nos campos, a redução do horário de trabalho conheceu um forte impulso com a Revolução de Abril. Na sequência de anos de luta, a Lei nº 21/96 viria a consagrar por via legal a diminuição das 44 para as 40 horas por semana, e a luta nos locais de trabalho impediu as tentativas de subversão da lei por parte do patronato. Na Administração Pública, a luta nos locais de trabalho e o desenvolvimento da acção reivindicativa foram igualmente decisivas para a conquista histórica das 35 horas por semana, 7 horas diárias, concretizadas em 1996.

Décadas de política de direita conduziram-nos ao desastre e a aplicação do Pacto de Agressão imposto por PS, PSD e CDS e pela troika estrangeira, mergulhou o País numa profunda crise económica e social e num quadro de brutal exploração dos trabalhadores.

Após a destruição de milhares de postos de trabalho na Administração Pública, da destruição das carreiras e do vínculo público, do congelamento salarial, desde 2009, pelo governo PS/Sócrates, PSD e CDS prosseguiram a avalanche destruidora de direitos: cortes de salários; aprofundamento da flexibilização do horário de trabalho com novas variantes do banco de horas; aumento do horário de trabalho na administração pública, das 35 horas semanais para as 40 horas sem compensação remuneratória; eliminação do descanso compensatório; diminuição do pagamento do acréscimo da retribuição por prestação de trabalho suplementar; eliminação dos quatro dias feriado e redução das férias; ataque à contratação colectiva; facilitação dos despedimentos; redução da protecção social no desemprego.

A imposição do aumento da duração do trabalho na Administração Pública constituiu um dos ataques mais gravosos. Além da brutal desvalorização salarial, era claro que aquilo que estava subjacente a essa medida não era a convergência entre os sectores público e privado, pelo contrário, mas sim aumentar a exploração dos trabalhadores e procurar eludir as graves consequências sobre o funcionamento dos serviços resultantes das restrições à contratação e o despedimento de milhares de trabalhadores.

Mas o Governo PSD/CDS não só impôs este gigantesco retrocesso, como demonstrou um total desrespeito pelo Poder Local Democrático e pela autonomia negocial na administração local, bloqueando de forma autoritária e ilegal os acordos livremente negociados entre o STAL e as autarquias (ACEP), que visavam reduzir o horário de trabalho semanal para as 35 horas.

À prepotência do Governo, com a conivência de alguns autarcas, responderam milhares de trabalhadores em luta contra a imposição do aumento do horário de trabalho, contra a sua desregulação e em defesa do direito constitucional à contratação colectiva na Administração Local.

O STAL, desde a primeira hora, mobilizando os trabalhadores das autarquias para a luta em defesa do seu horário de trabalho, diligenciando junto dos executivos autárquicos e apresentando um vasto conjunto de providências cautelares, conseguiu impedir a aplicação desta medida ou a sua suspensão em mais de 70% das autarquias.

Nos meses seguintes, o STAL viria a celebrar ACEPs – Acordos Colectivos de Empregador Público, com as diversas entidades autárquicas, que procuravam simultaneamente consagrar o direito às 35 horas e afirmar a autonomia do Poder Local Democrático. Em pouco mais de um ano, o STAL celebrou mais de meio milhar de acordos colectivos com municípios, freguesias e outras entidades de âmbito local e regional, sem inclusão em nenhum deles de instrumentos de adaptabilidades ou bancos de horas. Porém, a publicação destes Acordos foi ilegalmente bloqueada e retida pelo Governo.

O STAL manteve a exigência da revogação da Lei e apresentou na Assembleia da República em 2014 uma petição subscrita por 23.000 trabalhadores em escassas semanas. A luta pelo desbloqueamento e publicação dos Acordos esteve no centro da Acção Reivindicativa em 2014. Em 29 de Janeiro, três dezenas de activistas ocuparam a Secretaria de Estado da Administração Pública, só abandonando as instalações ao fim de 3 horas e com data de reunião agendada. Nos meses seguintes, realizaram-se dezenas de concentrações, plenários, desfiles e grandiosas manifestações junto de órgãos do governo. A 13 de Novembro, realizaram-se 43 acções de protesto um pouco por todo o País, exortando as autarquias a resistir à intromissão do governo. Foi uma expressiva resposta dos trabalhadores à tentativa de impor o aumento do tempo de trabalho para as 40 horas na Administração Local, Regional e Central (passo prévio para o aumento de horário também no sector privado). Fortemente pressionado, o governo escondeu um parecer do Conselho Consultivo da PGR que confirmava a aplicação do princípio da autonomia do poder local em matéria de recursos humanos.

Este combate foi determinante para a decisão do Tribunal Constitucional que reconheceu a autonomia do Poder Local e considerou inconstitucional a ingerência do Governo, tendo afirmado no seu Acórdão que o horário de trabalho é matéria susceptível de regulamentação por negociação colectiva. ´

Com efeito, três dias após as eleições legislativas em que a maioria dos trabalhadores e do Povo derrotaram a coligação PSD/CDS e a política de direita, o Tribunal Constitucional declarou, a 7 de Outubro de 2015, e por unanimidade, a inconstitucionalidade da intervenção dos membros do governo nos acordos da Administração Local. O governo, que acabara de ser derrotado, foi então obrigado a publicar mais de 600 acordos negociados pelo STAL.

Com a luta persistente dos trabalhadores, a iniciativa e apoio do PCP, e novas condições políticas, foi possível repor, em 1 de Julho de 2016, sob a forma de lei, as 35 horas de trabalho semanal na Administração Pública, constituindo uma vitória histórica para todos os trabalhadores, e em particular para os da Administração Local, cuja luta travada ao longo de 40 meses - mais de 3 anos, impediu de facto, que uma Lei injusta fosse aplicada na grande maioria dos municípios.

Em 28 Outubro de 2015, o PCP apresentou também, um Projeto de Lei que previa a aplicação do horário semanal de 35 horas a todos os trabalhadores, objectivo do MSU, iniciativa chumbada pelos votos contra do PS, PSD e CDS.

É neste sentido que prosseguimos a luta pela redução progressiva do horário de trabalho nas empresas municipais e concessionárias de serviços públicos, tendo obtido vitórias importantes, como é o caso dos recentes Acordos de Empresa celebrados na AGERE e BRAVAL, ambas do distrito de Braga. Também prosseguimos a luta pela exigência de reposição dos 25 dias de férias na Ad. Pública, que o Governo continua a recusar legislar, sendo que hoje, fruto da luta e intervenção do STAL em sede negociação dos ACEP, uma grande parte dos trabalhadores das autarquias já desfruta justamente desse direito.

Sob o actual quadro pandémico, assistiu-se à imposição de horários desregulados, à alteração de local de trabalho, a corte de rendimentos, alteração de funções, sempre ao sabor das entidades empregadoras, sem terem em conta as necessidades dos trabalhadores na conciliação da vida profissional com a sua vida familiar e pessoal.

Em muitos casos registou-se a violação de limites máximos diários e semanais da prestação de trabalho, desrespeitaram-se intervalos e dias de descanso semanal, e a consulta dos trabalhadores e das suas estruturas representativas não foi na maioria dos casos sequer observada.

Em nome da saúde, acentuou-se o teletrabalho, passando a ser obrigatório sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador, com impactos na redução da prestação dos serviços públicos e com o aumento da pressão sobre os trabalhadores.

Estamos bem conscientes de que a digitalização do trabalho, o teletrabalho, entre outros, são transformações que teremos de acompanhar com a maior atenção para defender os direitos dos trabalhadores, para assegurar melhores condições de trabalho, bem como os direitos das populações a serviços públicos de qualidade, na certeza de que a luta secular pela redução do horário de trabalho sem perda de direitos, continuará a ser fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e progressista.

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