Declaração de Vasco Cardoso, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

Sobre o Programa de Recuperação Económica e Social

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1. A dimensão dos problemas que o País enfrenta, ampliados e postos em evidência pela actual situação, exige a adopção de uma política que rompa com a que ao longo de décadas os gerou e acumulou.

A acuidade, extensão e gravidade com que irromperam um conjunto de problemas económicos e sociais, associados aos impactos da epidemia, exigiu respostas e soluções que o Governo foi adoptando nos últimos meses, ainda assim insuficientes e acentuando em parte desigualdades e injustiças, contribuindo para o aproveitamento que o grande capital está a fazer da actual situação.

Há, seguramente, medidas a adoptar indispensáveis e inadiáveis na fase que o Governo define de estabilização, para corrigir erros e injustiças e encontrar respostas mais imediatas para os problemas que os trabalhadores e povo enfrentam.

Mas o que a situação do País exige, sobretudo, é que se abra caminho a uma outra política que assegure as condições para o desenvolvimento soberano do País, para superar os principais défices estruturais, valorizar os salários e direitos dos trabalhadores, elevar as condições de vida do povo.

O que o País coloca perante a dimensão dos desafios que enfrenta é, não tanto a identificação desta ou daquela medida de sentido positivo como as que pela intervenção do PCP e a luta dos trabalhadores se alcançaram nos últimos anos, e que interromperam a política de desastre nacional do Governo PSD/CDS, mas sim a adopção de uma política que lhes dê resposta plena e assegure a perspectiva e concretização de desenvolvimento económico e social.

2. O Programa de Recuperação Económica e Social (PRES) que o Governo acaba de apresentar, sem prejuízo de considerações e formulações que identificam questões objectivas que afectam o País, mantém no essencial pressupostos e opções que têm condicionado e impedido o desenvolvimento nacional e estão na base das desigualdades e injustiças que marcam a sociedade e o território.

A forma e o percurso assumidos por este programa, com o Governo a recorrer a uma personalidade exterior, dizem muito do carácter episódico e casuístico para onde foi atirada ao longo dos anos a capacidade de planeamento estratégico do Estado português.
Para o PCP não é condição bastante enunciar propostas e objectivos, alguns dos quais há muito sinalizados pelo PCP, que não são em si mesmo contestáveis. Dificilmente não haverá quem não reconheça a importância da defesa da produção nacional, da utilização dos recursos nacionais, da industrialização, de um maior investimento, do reforço dos serviços públicos, da protecção ambiental, questões que o Programa elenca.

Mas a questão decisiva está em saber como e ao serviço de quem esses objectivos se devem concretizar. Se ao necessário aumento da riqueza produzida está também associada a sua justa distribuição ou se pelo contrário ela concorrerá para uma ainda maior desigualdade na repartição entre capital e trabalho; se a industrialização e a modernização do tecido produtivo enunciados tem como pressuposto o controlo nacional e a substituição de importações ou apenas o desenvolvimento de novos segmentos produtivos integrados na subordinação vigente no País ao capital estrangeiro; se a exploração dos recursos nacionais tem como objectivo a sua integração numa estratégia soberana ou se se destinará a abrir um novo campo de domínio monopolista e predadora dos recursos nacionais; se o investimento anunciado tem como objectivo dinamizar a economia nacional, o aparelho produtivo, a criação de emprego com direitos, ou se é apenas um passo para drenar milhares de milhões de euros de fundos comunitários para os grupos económicos nacionais e sobretudo estrangeiros.

Mais que Programas, o que decide e esclarece é a sua materialização concreta, as opções que se adoptam para os concretizar, os objectivos e destinatários que prevê priorizar.

3. O PCP não pode deixar de registar negativamente um programa que patenteia uma declarada omissão da valorização dos trabalhadores, dos seus salários e direitos, que propõe a manutenção de todos os instrumentos do neoliberalismo e das suas formulações operacionais, que ignora os constrangimentos impostos pela ausência de soberania monetária e por uma dívida pública insustentável, que assume o Estado como facilitador e financiador dos grupos económicos entendidos como motor e centro da economia, ao mesmo tempo que é omisso sobre a estrutura monopolista dos sectores não transaccionáveis ou o domínio pelo capital estrangeiro de empresas e sectores estratégicos: banca; energia; telecomunicações; correios; aeroportos; autoestradas; portos; cimentos; etc. O PRES assume de fio a pavio o conjunto de orientações, programas e opções presentes na União Europeia, assumindo-se como instrumento para a sua concretização em Portugal.

O PRES constitui-se, de facto, quando passa do domínio dos enunciados para o da linha de acção, como um instrumento para promover a centralização e a concentração do capital e como um projecto para assegurar a transferência massiva de fundos públicos, nomeadamente dos fundos comunitários agora perspectivados (no seguimento das recentes decisões do Conselho Europeu), para o capital privado.

Em rigor, para lá dos enunciados e propostos gerais, o PRES assume em toda a sua extensão opções e critérios que têm determinado os eixos da política de direita que ao longo de décadas marcaram, com os resultados negativos conhecidos, o País e as suas condições de desenvolvimento, ou seja a subordinação aos interesses do grande capital e de submissão ao Euro e às imposições da União Europeia.

Para o PCP a solução para os problemas nacionais não passa por uma política de direita retocada ou maquilhada por meia dúzia de ideias que há muito deveriam estar concretizadas.

4. Este é o tempo de fazer opções de fundo colhendo as lições da actual situação. Portugal precisa de pôr em marcha um verdadeiro programa de desenvolvimento do País, mas não um programa ditado pelos critérios e agenda escolhida e orientada pelas grandes potências da União Europeia para servir os seus interesses e os interesses das grandes multinacionais.

Um verdadeiro programa de recuperação e desenvolvimento exige fazer opções soberanas, detendo nas suas mãos os instrumentos apropriados e não dependentes dos critérios e decisões de terceiros. Precisa de uma agenda própria que olhe para os problemas do País sem condicionamentos, nem constrangimentos.

As soluções não podem ser idênticas às que conduziram o País à actual situação estrutural. Portugal precisa de novas soluções na base de uma outra política alternativa, patriótica e de esquerda.

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