Declaração de João Ferreira, Membro do Comité Central

Sobre a Reunião do Conselho Europeu e a defesa dos interesses do País

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O Conselho Europeu do próximo dia 23 de Abril, ao que tudo indica, adoptará as conclusões do Eurogrupo de 9 de Abril.

Estas conclusões caracterizam-se, no essencial, pela notória falta de solidariedade da União Europeia e por opções que configuram um ainda maior endividamento dos Estados, em condições que não deixarão de ser invocadas para justificar pré-anunciados ataques aos direitos, rendimentos e condições de vida, assim como à soberania dos Estados.

A União Europeia já atravessava, mesmo antes dos efeitos deste surto, uma profunda e arrastada crise, com expressões diversificadas. Uma delas, incontornável na actual situação, é a tremenda desigualdade na capacidade de resposta dos vários Estados-Membros às exigências de protecção da saúde das populações e às consequências económicas e sociais da Covid-19.

A resposta às consequências da Covid-19 exige, no essencial: a protecção da saúde, em especial dos grupos mais vulneráveis; a defesa dos rendimentos dos trabalhadores e das suas famílias; a defesa do emprego com direitos; e o relançamento da actividade económica, com especial enfoque nos sectores produtivos, diminuindo a dependência do País e assegurando a solvência das micro, pequenas e médias empresas. O PCP apresentou no Parlamento Europeu propostas de alteração à resolução aprovada na semana passada, que davam conteúdo a estas prioridades e que foram rejeitadas por PS, PSD, CDS e PAN.

A situação reclama com acrescida premência que o País enfrente e rejeite decididamente os constrangimentos decorrentes da submissão às imposições da União Europeia, e em especial os associados ao Euro.

Não deixando de adoptar, no plano nacional, todas as medidas que se impõem para, independentemente da UE, ou apesar dela, responder às referidas exigências, o Governo português deve intervir resolutamente, no plano da União Europeia, na procura de soluções que vão ao encontro dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

Portugal deve defender, desde logo, um significativo reforço do Orçamento da União Europeia, com garantia da sua função redistributiva e do objectivo de uma efectiva coesão económica e social.

Este orçamento, por um lado, deve ser construído, fundamentalmente, a partir de contribuições nacionais, de acordo com o princípio de que os países com maior rendimento e que mais têm sido beneficiados com o processo de integração devem contribuir proporcionalmente mais. Por outro lado, as suas prioridades devem ser orientadas para o apoio directo aos Estados-Membros, em especial aqueles que foram mais prejudicados pelo Euro, pelo Mercado Único e pelas Políticas Comuns, redireccionando verbas de outras áreas para as concentrar na coesão económica e social.

O plano de recuperação sugerido pelo Eurogrupo e pela Comissão Europeia, ainda por concretizar, não garante à partida esta perspectiva, pelo contrário é real o risco de haver uma concentração primordial dos recursos nas principais potências europeias, que são já hoje as maiores beneficiárias da integração, e de tais recursos serem direccionados sobretudo para projectos que beneficiem os grandes grupos económicos e financeiros. Recorde-se, a este propósito, que a lógica de concentração de recursos nas principais potências foi a que presidiu ao designado “Plano Marshall”, que não inocentemente é invocado como inspiração para o designado plano de recuperação.

Não basta, como sugeriu a Presidente da Comissão Europeia, que não existam cortes nas verbas destinadas à “coesão económica e social”. Qualquer cenário que não passe pelo reforço desses meios financeiros determinará sempre uma redução das verbas a receber por Portugal em termos líquidos, uma vez que, por via da saída do Reino Unido da União Europeia, as contribuições de Portugal para o orçamento comunitário irão aumentar significativamente.

No plano do financiamento das necessidades do Estado, torna-se essencial compatibilizar a garantia de acesso ao financiamento com medidas que travem a escalada do peso da dívida, tão mais grave quanto a ausência de soberania monetária.

Assim, o PCP defende a anulação da fracção da dívida pública suplementar, emitida pelos Estados para financiar as despesas decorrentes do surto da Covid-19 e para combater os seus impactos económicos e sociais, adquirida pelo Eurossistema no âmbito dos seus programas de compra de activos.

Mais precisamente, a anulação dos títulos de dívida pública, emitidos pelos Estados-Membros para financiar estas despesas, que foram ou venham a ser adquiridos pelo Banco Central Europeu (BCE) e respectivos bancos centrais nacionais, no âmbito do programa de compra de obrigações de dívida soberana (PSPP) ou do programa de compra de activos devido a emergência pandémica (PEPP).

Os referidos títulos da dívida pública deverão ser apagados do balanço do BCE e dos respectivos bancos centrais nacionais, admitindo-se em alternativa a sua conversão em obrigações perpétuas de cupão zero.

Esta é uma medida que pode e deve ser implementada durante o período de resposta às consequências económicas e sociais do surto epidémico

A actual situação torna ainda mais inaceitáveis a natureza e papel do BCE, a sua falsa independência, tal como definidos nos tratados da UE. Podendo ceder liquidez ilimitada à banca, sem condições quanto à sua finalidade, não o pode fazer directamente aos Estados. Justifica-se, nessa medida, a proposta do PCP de estabelecimento de uma derrogação, tendo em vista posterior revogação, do artigo 123º do Tratado de Funcionamento da UE, abrindo a possibilidade de financiamento directo do BCE aos Estados, nomeadamente através da compra directa de títulos da dívida pública nacionais, evitando a actual intermediação dos mercados financeiros, os ataques especulativos contra as dívidas soberanas e os lucros do capital financeiro à custa da redução das receitas que os Estados poderiam obter com uma venda directa de títulos da dívida ao BCE. Estas compras não deveriam ser limitadas pela actual chave de repartição usada pelo BCE para as compras no mercado secundário, que favorece os grandes países.

O PCP reafirma, além disso, a necessidade de criação de um programa de renegociação das dívidas públicas, nos seus prazos, juros e montantes, permitindo redireccionar recursos da dívida para as respostas económicas e sociais necessárias. Assim como a necessidade de adopção de medidas para travar a especulação financeira e a acção predatória do capital financeiro, nomeadamente por via do controlo, que se revele adequado, da circulação de capitais.

Devendo estar preparado para intervir, no plano europeu, na defesa dos seus interesses, Portugal não pode ficar refém das contradições, imposições, condicionalismos e chantagens da União Europeia.

O que a actual situação confirma é, como o PCP tem afirmado, a urgência da recuperação de imprescindíveis instrumentos de soberania, designadamente no plano económico e monetário, como uma necessidade estrutural do País. Sendo, ao mesmo tempo, elemento estruturante de uma política alternativa, patriótica e de esquerda que, como a realidade se está a encarregar de demonstrar, contém nos seus eixos e objectivos as respostas de que o povo e o País necessitam.

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