Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Defender a agricultura familiar e a soberania alimentar

Defender a agricultura familiar e a soberania alimentar

Áudio

A campanha “Portugal a Produzir”, na qual se integra este nosso frutuoso Encontro sobre os problemas da agricultura familiar, o mundo rural e a nossa soberania alimentar, é uma iniciativa de um Partido que há muito luta contra a corrente dos que, insistindo numa política de desvalorização dos sectores produtivos nacionais, conduziram o país para uma grave crise e para uma situação de irresponsável dependência.

Não se trata apenas de uma campanha de denúncia de uma determinada política que fracassou e faz fracassar o país, mas de uma iniciativa que quer, ouvindo e debatendo com quem sente e conhece os problemas, como aqui aconteceu, apresentar propostas e soluções e afirmar uma outra alternativa em relação ao caminho de desastre nacional que está a ser seguido.

Quando afirmamos que é necessário pôr Portugal a Produzir, fazemo-lo a pensar, simultaneamente, nos que trabalham e não vêem o seu esforço recompensado, como no imenso potencial produtivo que foi destruído, mas que pode ser recuperado a favor das populações e do país.

Destinada a afirmar o valor estratégico da produção nacional, como resposta aos problemas do desenvolvimento do país, do emprego, da justiça social e da soberania, esta nossa campanha que nunca pode ser desligada da nossa luta por uma melhor distribuição da riqueza e pelo melhoramento das condições de vida do nosso povo, tem hoje nas circunstâncias de agravamento dos grandes problemas nacionais uma acrescida relevância.

A destruição do aparelho produtivo nacional das últimas décadas, isto é, o problema do aniquilamento da nossa agricultura, das pescas e da industria que viram o seu peso na produção nacional reduzido praticamente a metade, é, sem sombra de dúvida, a mais decisiva das causas, do atraso relativo do país e do empobrecimento dos portugueses a que continuamos a assistir. É a mancha mais negra da política de sucessivos governos, juntamente com a injusta distribuição do rendimento nacional que faz de Portugal o país mais desigual da União Europeia.

A extensão, profundidade e duração da crise em que o país hoje se encontra não pode ser desligada desta negativa evolução dos nossos sectores produtivos que conduziu à crescente substituição da produção nacional pela estrangeira, ao agravamento dos nossos défices crónicos, nomeadamente do nosso défice alimentar, mas também comercial e ao crescente endividamento do país ao exterior, hipotecando a nossa soberania e independência nacional.

É esta evolução que está na origem do fraco crescimento económico do país e da prática estagnação nos últimos anos, no crescimento do desemprego, no aumento das desigualdades sociais e regionais e no definhamento do mundo rural.
Quando muitos instem na tese de que os problemas do país se resumem ao défice das contas públicas, e que a solução está no corte de salários e direitos, no emagrecimento da administração pública, na retirada de apoios sociais, no encerramento de serviços públicos, designadamente na área da saúde, na aplicação, em suma, das receitas que dizem ser impostas pela União Europeia, pelo Banco Central Europeu, pelo FMI, o PCP insiste que os verdadeiros problemas são estes que hoje aqui vieram.

Agricultores que querem produzir, que sabem produzir, mas que de cada vez que lançam as sementes à terra estão a perder dinheiro. Estão a perder dinheiro, porque as sementes estão mais caras. Porque os combustíveis que alimentam os tractores estão mais caros. Porque os fito-fármacos que hão-de deitar amanhã para curar as searas estão mais caros. Porque as rações que precisam de dar aos animais estão mais caras. E porque, apesar de tudo isto, quando conseguem escoar os seus produtos recebem menos do que recebiam ontem.

Agricultores que produzem e que não sabem o que fazer à batata, ao milho, ao tomate, ao melão, às vacas e aos vitelos. Porque, apesar das graves carências alimentares no país e no mundo, durante anos e anos incentivou-se a ideia de que era mais barato importar do que produzir nas nossas terras e hoje entram-nos pelas fronteiras toneladas de alimentos.

Agricultores que fazem os melhores azeites, os melhores vinhos, os melhores queijos – produtos de primeira qualidade que ganham medalhas umas atrás das outras – mas que vêem o seu esforço sem recompensa ou como dizia aqui um produtor - os vinhos ganham as medalhas de ouro, mas os agricultores só têm medalhas de lata. Terra a monte, sem uso, cheia de silvados, pasto para o fogo que, ano após ano, lambe as nossas serras. Aldeias desertificadas e sem vida, e dificuldades e desigualdades sociais no litoral do país.

Agricultores, como os produtores de leite que empenharam tudo quanto tinham para garantir a qualificação das suas explorações e que hoje são esbulhados de quanto construíram durante vidas de trabalho.

O principal problema é vermos, todos os dias, explorações agrícolas a fechar e o défice agro-alimentar a aumentar a cada ano que passa.

O principal problema é cortarem nos apoios a quem cava a terra, a quem tudo faz para aumentar a produção e verterem milhões de euros para os grandes agrários sem que estes tenham a obrigação de produzir um grama sequer de alimentos.

O principal problema do país são os inúmeros exemplos que aqui vieram e que confirmam um país que importa mais de dois terços do que consome, com um défice da balança alimentar que já tende para os 4 mil milhões de euros anuais. E, no entanto, este país sabe e pode produzir mais e melhores alimentos. Não é do destino, nem da pouca sorte dos agricultores portugueses que isto está assim.

Esta situação tem causas e responsáveis. Quando chamámos a atenção para as condições da adesão de Portugal à então CEE, o que não disseram dos comunistas! Que não havia outro caminho, que ou era a CEE ou falíamos, que o país não tinha futuro sem a muleta da integração e que os comunistas estavam amarrados ao passado.

É verdade que vieram apoios e meios. É verdade que se distribuiu dinheiro. Mas para quê? Para o definhamento da nossa agricultura e para a redução dos rendimentos da esmagadora maioria dos agricultores.

Cegos face aos ditames da Política Agrícola Comum e dos interesses dos grandes produtores do Centro e Norte da Europa, aceitaram acriticamente todas as orientações, insistiram na teoria da competitividade, afastaram da actividade a maioria dos agricultores e agora arruínam o que resta. Só na última década desapareceram mais de 112 mil explorações e a superfície agrícola recuou mais de 450 mil hectares.

O número de efectivos animais recuou nos ovinos, nos caprinos e nos suínos. Só nesta região, na Beira Litoral, segundo os primeiros dados do Recenseamento Agrícola, que alguns consideram muito positivo, desapareceu uma em cada três explorações. A área de vinha diminuiu em um terço. O efectivo leiteiro reduziu em 20%.

E os responsáveis ainda aí estão para se verem – são os governos do PS, PSD e CDS que, ao longo dos anos, entregaram a agricultura portuguesa a troco de uns patacos. Que negociaram as sucessivas reformas da PAC cantando sempre vitória, mas aceitando o fim das quotas leiteiras, o desmantelamento das regras para a vinha, os apoios para o fim da plantação de beterraba açucareira, que negociaram a entrada da agricultura na Organização Mundial do Comércio, a ausência de obrigatoriedade de modular as ajudas...

É verdade que há novas realidades na agricultura portuguesa. Há grandes olivais e estufas de hidroponia. Sabemos bem os périplos do Ministro da Agricultura, que mais parece um Ministro da Propaganda, a anunciar milhões atrás de milhões, mesmo que a meio do Plano de Ordenamento e Desenvolvimento Regional o PRODER, apenas atinja uma execução de 30%. Mas mesmo essa é sempre para os mesmos, para um pequeno núcleo de grandes agrários ou da agro-indústria, acentuando a concentração agrária e a dependência do nosso país face a interesses particulares. E é incompreensível que, quando precisamos de dinamizar a nossa agricultura, o Governo decida suspender os apoios do PRODER para a instalação de jovens agricultores, como agora aconteceu.

Estamos no centro do debate sobre mais uma Reforma da PAC – Política Agrícola Comum. Em primeiro lugar importa avaliar de onde partimos. Por um lado Portugal parte para esta negociação na sequência das negociações anteriores em que perdemos sucessivamente apoios, regras, espaço e com a agricultura na situação que atrás se caracterizou. Por outro lado, apesar de não ter ainda visto a luz do dia, a Reforma da PAC já está condicionada.

Os documentos que lhe dão suporte apontam no sentido de manter as linhas essenciais da política errada que nos trouxe até aqui. Competitividade, liberalização dos mercados, desligamentos das ajudas.

Enquanto os agricultores e as suas associações procuram contribuir para a definição de novos caminhos para a PAC, a União Europeia vai negociando lateralmente acordos comerciais com países terceiros que condicionarão os destinos da Agricultura na União Europeia, qualquer que seja a reforma que se consiga. Pois se se facilita a entrada de produtos agrícolas, provenientes de países terceiros, com níveis de produtividade muito superiores aos nossos, depois bem podem dizer que apoiam a agricultura nacional. Vai ainda concretizando o fim de instrumentos de regulação dos mercados, como sejam as quotas e os direitos de plantio, o fim de mecanismos de intervenção.

Talvez se possa dizer que esta Reforma da PAC, é um pouco como a pescada, antes de ser, já o era. Se não, escutem-se as palavras do Governo que, através do Ministro da Tutela admitiu a derrota antecipada, afirmando que “já não era mau se Portugal não perdesse”.

Nós olhamos para este debate para intervir nele para marcar a posição de que é necessário inverter o rumo que a PAC e a política agrícola nacional têm sido seguido nos últimos anos. Para introduzir as rupturas que são indispensáveis e inadiáveis para defender a soberania alimentar nacional; para defender a produção nacional; para defender a pequena e média agricultura do nosso país, com as suas especificidades e exigências.

Partimos para este debate com a ideia de que vivemos num país com condições excepcionais para a produção agrícola e para a produção de alta qualidade. Mas partimos também para este debate com o peso do saldo das mais de 500 mil explorações encerradas no nosso país nos últimos 30 anos, dos campos forçados ao abandono ou subaproveitados.

Partimos para este debate com o peso da intensa quebra dos rendimentos dos pequenos e médios agricultores e da cada vez maior exiguidade dos apoios comunitários para os pequenos agricultores. Bastará referir que 30% dos direitos atribuídos aos agricultores que recebiam menos de 250 € por ano (os pequenos agricultores), já desapareceram.

Intervimos neste debate sob o peso dos quase 4 mil milhões de euros de saldo negativo na balança externa alimentar. E se a responsabilidade da situação a que chegámos é, em larga medida, dos constrangimentos que a Política Agrícola Comum colocou à agricultura Portuguesa e da posição de submissão acrítica por parte dos sucessivos Governos, do PS e do PSD, com a ajuda do CDS, partimos para este debate com a firme convicção de que este modelo e estas políticas falharam.

Por isso desde já assumimos o compromisso de defender uma política agrícola que respeite e considere estratégica a agricultura familiar e os pequenos e médios agricultores, que respeite os agricultores, garantindo-lhes rendimentos dignos, em troca da produção realizada, que promova o desenvolvimento integrado da agricultura nas suas dimensões agro-produtiva, agro-ambiental e agro-rural, tendo em conta a inter-relação das situações de pluriactividade e pluri-rendimento, que assegure a soberania alimentar dos povos e a segurança da qualidade alimentar do país, que contribua para a atenuação das assimetrias regionais, estabelecimento de equilíbrios territoriais, nomeadamente demográficos e etários, do espaço rural. em suma, e novamente se sublinha para defender o desenvolvimento da agricultura e a produção nacional.

E nesse quadro defenderemos quatro eixos fundamentais para o debate da Reforma da PAC.

Primeiro, orientar a PAC para a garantia da soberania alimentar de cada povo, condição essencial para garantir a segurança alimentar, apoiando as potencialidades agrícolas de cada país e todos os que sabem produzir e têm amor à terra.

Segundo, é preciso garantir preços justos à produção. Se houver preços justos, os agricultores produzirão! É preciso abandonar a lógica do mercado e da competitividade que tem presidido à política agrícola das últimas décadas. A agricultura não é uma actividade produtiva qualquer. Ela cumpre uma função social indispensável e insubstituível à sobrevivência da humanidade.

Terceiro, a Reforma da PAC deve assentar numa justa distribuição das ajudas entre países, produções e produtores, garantindo os apoios à pequena e média agricultura e às especificidades de cada país e de cada povo e ligando as ajudas à produção;
Quarto, a PAC deve manter-se como política comum. Depois de anos a destruírem a nossa capacidade produtiva, recusamos as teorias dos que querem agora renacionalizar os custos da política agrícola, mas mantendo os constrangimentos do mercado comum, que atingem particularmente os países mais débeis."

Registámos com preocupação os avisos que aqui nos foram trazidos sobre os perigos que pairam sobre os Baldios. Os Baldios são uma realidade constitucionalmente consagrada. Os Baldios são propriedade comunitária, ou seja, não são de ninguém e são de toda a comunidade local. Nem são propriedade pública, porque não são do Estado, nem são propriedade privada. Os Baldios são dos povos, são administrados pelos povos e assim deve continuar a ser.

Desde o 25 de Abril os Baldios possibilitaram a realização de obras notáveis a favor das populações. Caminhos, espaços comunitários, lavadouros, muros, foram construídos com o seu rendimento. Compreende-se que existam fortes apetites para lhes deitar a mão. É necessário defende-los com unhas e dentes.

Daqui queremos afirmar que confiamos nos agricultores e na agricultura nacional. Num tempo marcado pela incerteza e pela ameaça de novas crises alimentares, conforta-nos saber que a pequena e média agricultura sempre demonstrou combatividade e determinação para enfrentar os graves problemas do sector.

Queremos, aliás, saudar a movimentação dos agricultores portugueses em defesa dos seus direitos e manifestar a mais firme solidariedade do PCP para com a vossa luta. Saudamos os produtores de leite que lutam pela melhoria dos preços e pela manutenção das quotas leiteiras. Saudamos os produtores de Vinho na luta pela garantia de preços justos pelas suas produções. Saudamos a luta dos produtores de carne para garantia de escoamento dos seus animais a preços compensadores. Saudamos os povos dos Baldios na sua luta em defesa da propriedade comunitária. Saudamos as populações do mundo rural na sua luta em defesa da manutenção dos serviços públicos. Saudamos particularmente a luta marcada pela Confederação Nacional da Agricultura para dia 20 de Maio, em defesa da Agricultura familiar e do Mundo Rural.

Cada um de vós sabe bem que só com a luta, só com a persistência se conseguem vitórias.

Podeis contar com o PCP na vossa luta.

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