Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"No tempo da escravatura não faltava trabalho, não havia era salários nem direitos"

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O PCP confrontou hoje o Primeiro-Ministro com o profundo ataque aos direitos dos trabalhadores, que hoje será votado na Assembleia da República. O Secretário-Geral do PCP afirmou que o governo vai aprovar estas medidas, mas que não pense que os trabalhadores vão ficar quietos ao serem expropriados dos seus direitos: vão lutar e derrotar este governo.

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Debate com o Primeiro-Ministro que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Daqui a cerca de uma hora, vamos votar as alterações ao Código do Trabalho, alterações que, do nosso ponto de vista, são um brutal ataque aos direitos laborais dos trabalhadores. Ao contrário de outros processos, o Governo não se limita «a dar com uma mão e a tirar com a outra»; neste caso concreto, «tira com as duas» direitos aos trabalhadores!
Trata-se de um conjunto de regras penalizadoras para quem trabalha: cortes de feriados; eliminação de feriados; despedir mais fácil e mais barato; procurar diminuir o preço das horas extraordinárias, cortar no período de descanso e em dias de férias… Enfim, um conjunto medidas sempre contra um alvo concreto, que são os trabalhadores e os seus direitos.
Desse acordo, as medidas mais gravosas aí estão, mas quanto às generosas e empoladas promessas de crescimento e de emprego, é caso para perguntar onde é que elas estão. Houve quem tivesse, perante o logro, feito ameaças de rutura social e de rutura democrática, mas decidiram continuar a esperar, uns violentamente sentados na sua retórica inócua, outros na sua violenta abstenção.
Sr. Primeiro-Ministro, conhecemos os últimos dados da Comissão Europeia e vemos que o desemprego vai continuar a aumentar, segundo as perspetivas aí colocadas. Explique, então, a contradição, Sr. Primeiro-Ministro: como é que atacar brutalmente os direitos de quem trabalha, visando aumentar a exploração, pô-los a trabalhar mais e a receber menos com menos direitos, contribui para o aumento do emprego em Portugal?
Como é que despedindo se cria empregos? Como é que consegue fazer este milagre? Com uma recessão económica clara, com uma economia em dificuldade, como é que cria de facto mais emprego? Não é capaz de o explicar, a não ser recorrendo a uma imagem de um ministro do governo anterior, que dizia: «bom, confiemos nos astros…»! É também isso que vai fazer: confiar nos astros?
Sr. Primeiro-Ministro, o seu Governo vai aprovar estas medidas, mas não pense que os trabalhadores vão ficar quietos ao serem expropriados, ao verem serem-lhes extorquidos direitos que custaram muito a conquistar — muito! —, ainda o senhor não tinha nascido. Por isso, prepare-se, porque a luta vem aí!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Pois é, no tempo da escravatura não faltava trabalho, o que não havia era salários nem direitos!… Esse é o problema!
O que o senhor aqui disse colide claramente com a Constituição da República Portuguesa. Depois da Revolução de Abril, depois da aprovação da Lei Fundamental, quando o legislador foi confrontado com o antagonismo dos interesses de quem trabalha e de quem é detentor do poder económico, sabe qual foi a opção de fundo dos Constituintes, Sr. Primeiro-Ministro? Foi ficar do lado da parte mais fraca, foi ficar do lado dos trabalhadores.
Este Governo põe-se do lado do capital, do poder económico, contra os trabalhadores. Este é o problema!
Há uma segunda questão que também marca bem este Governo e esta política. De acordo com as contas do Ministério da Economia, que mandou fazer uns estudos e que, creio, os pagou, os portugueses estão a pagar cerca de 370 milhões de euros por ano a mais, garantindo às empresas do setor elétrico — à EDP, à Iberdrola, à Endesa — rendas, lucros ditos excessivos do mesmo valor. Contas fáceis de fazer mostram que, entre 2005 e 2011, cada português pagou indevidamente à EDP e às outras empresas cerca de 260 €, isto é, o consumo anual da energia elétrica de muitas famílias.
Sr. Primeiro-Ministro, o seu Governo foi muito célere em mandar recuperar verbas de apoios sociais a trabalhadores e reformados que teriam recebido por erro da segurança social algumas dezenas de euros. Pergunto-lhe, por isso, quando é que o Governo vai mandar a EDP e outras empresas do setor elétrico devolverem o que cobraram a mais — e falo até 2004, para não ir mais atrás. E olhe que a EDP pode pagar, Sr. Primeiro-Ministro, pois teve, nestes mesmos anos, mais de 8000 milhões de euros de lucros. Se devolver 2600 milhões de euros ainda fica com 5400 milhões de euros de lucro! Portanto, diga qual é a sua opção, Sr. Primeiro-Ministro.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Em termos de garantias, de promessas feitas, perdoe-me que o diga, mas este Governo não é de fiar.
Aproveito para, sob este ângulo, colocar aqui uma questão.
Antes das eleições, o Sr. Primeiro-Ministro dizia que acabar com o 13.º mês era um disparate; depois o Governo cortou os subsídios de Natal e de férias aos trabalhadores da Administração Pública, aos militares, às forças de segurança, aos reformados justificando-o com o pacto de agressão. Veio dizer a seguir, enredado em trocadilhos e muito lapsos, que os subsídios seriam repostos a partir de 2015 a um ritmo de 25% por ano, mas — pasme-se, Sr. Primeiro-Ministro —, duas semanas depois, veio o Sr. Ministro das Finanças afirmar que isso não é um compromisso, é uma hipótese de trabalho, uma questão técnica, não uma decisão política. Mas, afinal, o que é isto, Sr. Primeiro-Ministro?! Com que direito andou a brincar com a vida dos portugueses?!
As pessoas precisam de organizar a sua vida, de saber com o que contam. Esta indefinição, este manobrismo e malabarismo político são inaceitáveis tendo em conta a razão que assiste às pessoas, que deveriam ver repostos esses subsídios, não é andar aqui a ouvir o Ministro das Finanças dizer uma coisa e o Primeiro-Ministro dizer outra!

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