No Encontro-debate “A importância da refinação de petróleos e da Refinaria do Porto para a região e o país” - Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Camaradas e amigos, Estimados Convidados:

 

Com a realização
deste nosso Encontro-Debate sobre a defesa da capacidade de refinação
nacional de petróleo e da Refinaria de Matosinhos iniciamos a acção
nacional do PCP sob o lema “Basta de sacrifícios e desemprego. Nova
política, mais produção nacional”.

Acção que enquadra bem os
propósitos que nos trouxeram aqui e que são os da defesa da produção e
do aparelho produtivo nacional, o crescimento e desenvolvimento
económico do país e das regiões e a defesa do emprego.

Iniciativa
nacional que se desenvolverá até ao próximo dia 1 de Julho e que
justamente quer dar resposta à mistificadora campanha que faz do défice
público o problema central dos portugueses e do país e dele quer fazer
pretexto para uma nova escalada na ofensiva contra os direitos dos
trabalhadores e para um novo agravamento das injustiças sociais.

Nas
próximas duas semanas iremos, por isso, ao encontro dos portugueses com
um vasto conjunto de iniciativas declarando a nossa firme oposição às
medidas tomadas pelo novo governo do PS que, tal como os governos da
direita do PSD/CDS, sacrifica os mesmos de sempre, os trabalhadores, os
reformados, os pequenos e médios empresários.

Em cem dias de
governação, se descontarmos as promessas que têm tanto valor e
credibilidade como as que foram feitas durante a campanha eleitoral,
para depois serem esquecidas e adulteradas, o que é concreto, aprovado
e calendarizado é no essencial o mesmo caminho desastroso iniciado nos
cem dias do Governo Barroso.

Não há resultados diferentes com
políticas iguais! O Banco de Portugal descobre a pólvora, quando
anuncia a possibilidade de recessão económica.

Medidas
socialmente injustas e economicamente desastrosas, como são o aumento
dos impostos indirectos, o congelamento das carreiras dos trabalhadores
da administração pública, a contenção salarial ou a alteração da idade
da reforma, que vão juntar crise à crise, acentuam o pendor recessivo
da economia portuguesa com a redução do mercado interno através do
ataque ao poder de compra da população, agravam os custos das empresas,
e vão acrescentar dramaticamente o número de cerca de meio milhão de
desempregados.

Uma acção nacional que reafirmará não só a
possibilidade, mas também a necessidade de se encetar outro caminho,
com uma nova política que aposte no crescimento e no desenvolvimento
económico e na criação de emprego, no combate às deslocalizações, na
valorização dos salários e das pensões, não só por um imperativo de
justiça social, mas como factor dinamizador da actividade económica.

Outro
caminho e nova política que promova um sério combate aos crónicos
défices estruturais da economia portuguesa, o agro-alimentar, o
energético e o tecnológico, esses sim, os mais preocupantes défices que
o país tem que enfrentar com determinação e são a fonte das
dificuldades das finanças públicas.

Uma acção nacional também
de esclarecimento e mobilização dos trabalhadores e do povo português
que apela à necessidade da luta e do protesto contra uma política
injusta no plano social e que é incapaz de dar resposta aos grandes
problemas e necessidades dos portugueses. (...).

Caros camaradas, Caros convidados:

Realizamos
este Encontro-Debate sobre a importância da refinação do petróleo e da
Refinaria de Matosinhos para o país e para esta região num momento em
que também as questões energéticas, especialmente aquelas que se
prendem com a tendencial escassez de petróleo, reassumem uma particular
centralidade nas preocupações da acção política, dos agentes económicos
e sociais e na vida dos povos.

Preocupações que, com especial
agudeza, se manifestam num país, como o nosso, que, embora possuindo
significativos recursos energéticos próprios, hídricos, solar, éolicos,
biomassa, geotérmicos, bastante mal aproveitados, apresenta
simultaneamente uma forte dependência do exterior dominantemente em
combustíveis fósseis e que se traduz num enorme défice estrutural e,
por conseguinte, numa volumosa factura energética que teima em não
diminuir.

Défice, aliás, subestimado e esquecido, em comparação
com outro, o das finanças públicas, cuja gravidade comparativa se
empola com propósitos pouco inocentes.

Enorme défice energético
que se vem agravando sobre a pressão de múltiplos factores nacionais e
internacionais, o menor dos quais não será, no plano nacional e
europeu, a concretização nos últimos anos, de uma deliberada política
neoliberal de privatizações e de desregulamentação não só na área da
energia, mas também noutros domínios onde a irracionalidade e a
anarquia se instalou, como é o caso da política de transportes com
nefastas consequências na evolução da situação energética do nosso
país.

Este preocupante e descontrolado crescimento tem no
fundamental, a ver com a política de transportes ou a falta dela em que
se constata uma clara dominância do transporte rodoviário,
particularmente privado, sobre o transporte público, de preferência
sobre carris e de tracção eléctrica. Portugal não tem há anos uma
política energética digna desse nome e o que existe como alternativa é
uma política do capital financeiro e monopolista que no essencial se
traduz na aquisição de activos e na obtenção de elevados dividendos e
cujas decisões determinam no essencial a condução e evolução das opções
dessa política.

Uma política marcada pelo abandono do
planeamento energético – o organismo que concebia, actualizava e
monitorizava o Plano Energético Nacional foi extinto, mas também pelo
desmembramento do sector público e pela abdicação pelo Estado do
controlo sobre as empresas do sector e dos objectivos de
racionalização, mínimo custo, satisfação dos consumidores,
desenvolvimento regional, ambiente e aproveitamento dos recursos
nacionais que deviam presidir a uma política ao serviço dos interesses
do país.

Uma política que anunciava com a desregulamentação e a
liberalização do sector energético mais eficiência e preços mais
baixos, objectivos que estão muito longe de se confirmarem e, que,
afinal, apenas, tornou o país mais exposto ao capital monopolista
estrangeiro sem qualquer vantagem para os consumidores e para o alívio
da nossa factura energética.

Situação que nem o facto positivo do
aumento da diversificação do aprovisionamento energético com a
introdução no país, nestes últimos anos, do carvão e do gás natural vem
alterar.

Contraditória evolução num país em crescente processo de
desindustrialização em resultado de uma política que, pela mão de
sucessivos governos, abdicou da defesa do aparelho produtivo e da
produção nacional e que tem na evolução do sector petrolífero com o
processo de privatização da Petrogal, uma outra preocupante expressão,
nomeadamente com a intenção, umas vezes explicita, outras vezes
vagamente afirmada, de liquidação da Refinaria de Matosinhos.

Escorada
nos empolados argumentos das baixa produtividade, fiabilidade e
segurança das instalações, para esconder os verdadeiros motivos que são
os terrenos que a saída da Refinaria libertaria. Todos os estudos
sérios apontam para o facto de que tais debilidades são perfeitamente
superáveis com adequados investimentos, perfeitamente insignificantes,
face à importância estratégica da Refinaria para o país.

Está hoje cada vez mais claro que todo o processo de privatização da Petrogal é totalmente contrário aos interesses do país.

A
constituição da Galp Energia daí resultante com a malfadada fusão da
Petrogal com a Transgás, cometida durante o governo de Guterres e
quando era Ministro da Economia , Pina Moura, foi pensada e realizada
para dar inicio a um processo de subalternização dos interesses
nacionais.

Processo ainda em curso e no seio do qual emergem as
contradições próprias de uma luta entre facções do grande capital pela
posse dos vários segmentos do sector energético.

Operação que
permitiu a entrada, muito pouco esclarecida, do Grupo ENI com a junção
do negócio do petróleo e do gás natural e que tinha como objectivo
abrir espaço à penetração dos interesses daquela empresa nas áreas do
gás natural e à colocação dos seus produtos petrolíferos,
particularmente em Espanha, em total concorrência com a empresa
portuguesa.

Foi neste quadro de afirmação dos interesses da
multinacional italiana ENI, que tem na área dos petróleos uma
capacidade excedentária, que se passou incompreensivelmente, e no
âmbito desta reestruturação privatizadora a defender o fecho da
Refinaria de Matosinhos. ´ Pretensão tanto mais incompreensível quanto
é sabido que a Refinaria de Matosinhos é a única que produz
especialidades – aromáticos e lubrificantes – em articulação e estreita
ligação com a Refinaria de Sines e cuja actividade permite a
potenciação da produção de ambas através da troca de produtos
intermédios.

Duas refinarias cuja capacidade instalada não é
excedentária para o abastecimento do país, sendo ainda hoje necessário
importar alguns produtos, nomeadamente o GPL e o gasóleo.

Num
momento em que tanto se afirma a necessidade de elevar a produção e
criar mais riqueza a diminuição da nossa capacidade de refinação, o
fecho de qualquer destas unidades de produção, para além das
consequências sociais, traduzir-se-ia num aumento das importações com o
consequente aumento do défice da balança comercial e o aprofundamento
do estrutural défice das finanças públicas.

Para além da
actividade ligada claramente ao sector energético, a Refinaria de
Matosinhos é também um importante produtor de matérias-primas para a
indústria química orgânica nacional e para a exportação, constituindo
assim uma actividade que contribui muito positivamente para o já tão
desvalorizado perfil de especialização da nossa indústria
transformadora.

Depois de várias “reestruturações” realizadas
pelos governos do PSD e do PS, que se traduziram em novas oportunidades
de investimento/especulação do capital monopolista nacional e
internacional e numa desestruturação geral das empresas do sector,
assistimos neste momento ao anúncio de mais uma nova “ reestruturação”
a segunda da iniciativa de um governo do PS, ao mesmo tempo que são
tornadas públicas notícias de novas movimentações do grande capital
nacional e internacional com a espanhola Iberdrola à cabeça, agora
também pela mão de Pina Moura, num novo processo de assalto à Galp e às
outras empresas do sector.

Nova reestruturação que o governo PS
anuncia como “um novo impulso” à liberalização do mercado de energia,
nos seus diversos segmentos e que se perspectiva como uma nova etapa na
entrega de mais fatias de poder ao grande capital privado nas empresas
do sector.

Orientação que persiste no mesmo e incoerente
caminho para onde tem sido conduzido, nos últimos anos, o sector
energético português, que se traduz nesse inadmissível desequilíbrio
que se expressa no aumento dos consumos de energia a taxas superiores
ao aumento do PIB pela demissão e desresponsabilização do Estado na
concretização de uma política energética e pela completa ausência de um
plano energético nacional.

Uma evolução contrária às
necessidades de desenvolvimento do país quando se sabe que o sector
energético é um sector que assume uma importância estratégica, tão mais
importante quanto as economias e as sociedades se complexificam e
incorporam cada vez mais energia nas suas diversas áreas de actividade
e no quotidiano de qualquer cidadão.

Tal facto, torna a
disponibilização de energias, a sua transformação e distribuição numa
actividade muito sensível do ponto de vista da soberania e
independência nacional.

É essa posição estratégica que o sector
energético assume, como actividade sensível e crítica, que impõe,
quanto a nós PCP, a exigência de uma inequívoca e muito forte
intervenção do Estado, não apenas enquanto legislador, ou agente
regulador e fiscalizador, mas também enquanto actor importante na
esfera económica do aprovisionamento, da transformação e da
distribuição.

É nesta última vertente, a relativa ao papel do
Estado na esfera económica e empresarial que a situação actual no
sentido da defesa do interesse nacional deverá sofrer uma completa
mudança que permita viabilizar a existência de uma economia mista, onde
coexista um sector público forte juntamente com um sector de iniciativa
privada e de economia social.

Mudança que exige não só parar
com os processos de alienação, em cascata, do capital público, mas
também a reversão de parte ou da totalidade dos processos de
privatização.

Não é a consigna do pensamento neoliberal do menos
Estado que a defesa dos interesses nacionais e do desenvolvimento do
país exigem e impõem, mas antes de mais Estado que assuma uma nova e
mais forte influência na condução das políticas energéticas, nas
funções reguladoras e fiscalizadoras da Administração, nomeadamente no
planeamento, no controlo de qualidade e fiabilidade de instalações e
sistemas, no controlo dos preços, na segurança estratégica do
aprovisionamento de energias e na gestão dos “stocks” estratégicos e na
vertente económico-produtiva, onde deve prevalecer o interesse
colectivo ou público e não o privado dos accionistas e do seu máximo
lucro.

Mas se para garantir um mínimo de racionalidade neste
sector estratégico se exige, sem dúvida, esse maior controlo do Estado
das empresas do sector exige-se, também, que se repense e reflicta no
imediato numa nova arquitectura empresarial que permita, também, dar um
outro contributo para assegurar com alguma eficácia essa possibilidade
de controlo e planeamento e atenuar os efeitos nefastos em termos de
qualidade de serviços e preços que resultaram dos processos de
desestruturação geral das empresas do sector energético, antes
fortemente verticalizadas e hoje retalhadas num deliberado processo de
dissociação que separou, em nome da “concorrência” os vários
componentes antes verticalizados (produção, transporte, distribuição,
etc.).

Medida que mais se impõe reflectir num alterado quadro
de alta de preços do petróleo e de previsíveis mudanças que levarão
inevitavelmente à substituição de umas formas de energia por outras, e
cuja solução não pode apenas ficar entregue às forças de mercado que
mostraram já a sua total incapacidade para travar e inverter o curso
que, nesta matéria, tem levado ao desenvolvimento de enormes
irracionalidades macroeconómicas.

O PCP desde há longo tempo vem
manifestando uma grande preocupação sobre o estado e as linhas de
desenvolvimento deste importante sector, fazendo diagnósticos,
apresentando propostas e colocando também muitas vezes dúvidas e
interrogações e que ainda recentemente foram objecto de debate no
Seminário que apresentou “ As propostas de política energética do PCP
para o século XXI”.

Temos consciência que não respondemos a
todas as questões que uma política energética ao serviço do
desenvolvimento sustentável exige, mas é para nós evidente e para
concluir que, não haverá uma efectiva mudança à caótica situação em que
se encontra o sector energético sem uma paragem imediata de todos os
processos de privatização das empresas, sem o reassumir pelo Estado, em
plenitude, do papel de Produtor e Autoridade nas diversas esferas de
actividade do sector e sem uma reorganização empresarial das diversas
fileiras energéticas.

Do que estivemos a tratar não pode ser considerado como um ponto de chegada, mas das ideias mais fortes relevo:


É possível e necessário manter a Refinaria de Matosinhos, numa
perspectiva de defesa do interesse regional, nacional e económico e
social.

2º Há forças, conhecimento e capacidades por parte dos
trabalhadores, das suas organizações, de quadros técnicos, de homens e
mulheres de saber que estão em condições de garantir a sua manutenção e
desenvolvimento.

Por nós, PCP, no quadro da nossa luta por uma
política alternativa (também no plano energético) assumimos esse
compromisso tendo como eixo o interesse nacional!. Tudo faremos para a
sua concretização.

 

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