Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"É necessário fazer investimento no Serviço Nacional de Saúde"

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Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Esta não é a primeira declaração política que o PCP faz nesta Legislatura sobre problemas na área da saúde. Infelizmente, a realidade obriga-nos a voltar a este tema.

Desde meados do mês de dezembro, foram vários os acontecimentos que levaram a que seja necessário denunciar e exigir soluções para os graves problemas do Serviço Nacional de Saúde. Assistimos em Portugal a doentes que morrem por falta de assistência. E não estamos a falar de doentes que nem conseguem aceder aos cuidados de saúde — que desses também os há —, mas estamos perante doentes que morrem dentro dos hospitais porque não são assistidos convenientemente ou em tempo útil.

Tomou especiais proporções mediáticas o caso do jovem que morreu no Hospital de S. José, porque teve o azar de ter um aneurisma num fim de semana e nesse período não havia equipa de neurocirurgia de serviço. Isto num dos hospitais mais diferenciados do país. E não havia profissionais porque o anterior Governo cortou no valor pago nas horas de qualidade e de prevenção.

Na sequência deste caso houve as demissões dos Conselhos de Administração não só do centro hospitalar em causa, mas também em Santa Maria — onde o problema da falta de equipas é semelhante —, bem como do Presidente da ARS Lisboa e Vale do Tejo. Soube-se que o problema não era de agora e que remonta a 2012/2013, mas nada foi feito para o debelar. Bem pelo contrário: quem tinha responsabilidades para o denunciar manteve-se calado e conivente com a política da tutela.
A falta de assistência na área da neurorradiologia não se cingiu ao caso acima referido. No final de dezembro, um doente com AVC foi transferido do Algarve, onde já tinha esperado seis horas na urgência, para Lisboa, onde a resposta não estava disponível. Foi posteriormente transferido para Coimbra, onde acabou por chegar tarde, como a sua morte veio a confirmar. Ficámos depois a saber que faleceram mais quatro pessoas em situação idêntica.

A estes casos mais mediatizados somam-se tantos outros como os que vão dando conta de urgências saturadas e em rutura. Isto num ano climatericamente atípico e em que os picos de baixas temperaturas ainda nem começaram. Contudo, os períodos de espera já chegam às 12 horas e há hospitais a solicitar que não lhes sejam encaminhados doentes urgentes. A rutura nos serviços de urgência dos hospitais é consequência da carência de profissionais, parte dela motivada pela reforma antecipada, porque esses profissionais já estão fartos de que lhe roubem os seus direitos. Mas também outros recursos foram reduzidos. Hoje, muitas unidades têm a sua capacidade de internamento esgotada, mas o anterior Governo retirou para cima de 900 camas do Serviço Nacional de Saúde, com o argumento de que eram supérfluas, ao mesmo tempo que aumentou o número de camas em hospitais privados.

A origem destes problemas funda-se numa só causa: durante quatro anos, o Governo PSD/CDS-PP entendeu que o Serviço Nacional de Saúde deveria ser emagrecido. Foram anos de subfinanciamento e de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, de desinvestimento e de desvalorização dos profissionais de saúde. É verdade que este caminho começou a ser trilhado antes, mas é também verdade que se intensificou drasticamente.

Enquanto isto acontece, em Portugal muitos profissionais de saúde são literalmente atirados para fora do País, onde procuram melhores salários e melhor acolhimento. O que também é lamentável é que, apesar de o problema não ser novo, se constata que pouco ou nada foi feito para evitar situações que se repetem e se agudizam.

O anterior Governo PSD/CDS-PP não só é responsável por medidas que deterioram a capacidade de resposta das unidades públicas de saúde, como, perante a constatação concreta das suas consequências, como foi o exemplo da situação dramática do passado inverno, em que nada fizeram para que situações-limite não se repetissem.

A 22 de janeiro de 2015, perante o caos nas urgências hospitalares, o PCP fez aqui uma declaração política em que disse: «Os últimos dias têm sido férteis em anúncios, por parte do Governo, de medidas para resolver o caos das urgências. Medidas que, contrariamente ao que o Governo diz, não solucionam definitivamente o problema, apenas o poderão mitigar.» Pois aí está a realidade a confirmar o que o PCP disse então. Era previsível que tal desvalorização do Serviço Nacional de Saúde trouxesse estas consequências. O PCP cedo, e bem, alertou para estes problemas. Quando o PCP alertou para que a destruição do Serviço Nacional de Saúde contribuía para a morte precoce dos portugueses muitos ficaram indignados. Mas a realidade veio, infelizmente, mais uma vez, dar razão ao PCP.

O PCP tem acompanhado o problema. Apresentou um requerimento para ouvir, em sede de comissão parlamentar, os dirigentes que se demitiram e o Ministro. Este requerimento foi hoje aprovado na Comissão de Saúde e esperamos que a audição se realize tão rápido quanto possível.
O PCP apresentou, também, uma recomendação ao Governo para que se proceda à identificação, em todas as áreas, das consequências das políticas de desinvestimento público e de sucessivos cortes orçamentais no funcionamento dos estabelecimentos públicos de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde, nos profissionais de saúde e na prestação de cuidados de saúde.
O setor da saúde não pode continuar a ser visto como um custo. É, antes, um investimento numa população mais saudável e, por isso, num país mais sustentável, para além de que representa um investimento em bem-estar dos cidadãos, e esse é insubstituível num país desenvolvido.
Tal como dissemos há um ano atrás, «é preciso pôr fim à política que todos os dias impede milhares de portugueses de aceder aos cuidados de saúde e procura poupar à custa da vida dos portugueses; é necessário contratar profissionais e valorizá-los social e profissionalmente, integrando-os nas carreiras e promovendo a estabilidade laboral; é necessário reforçar os cuidados de saúde primários através da reabertura de centros e de extensões de saúde que foram encerradas; é necessário fazer investimento no Serviço Nacional de Saúde, dotando-o dos meios materiais e financeiros que possibilitem a prestação de cuidados de saúde de qualidade.» E dizíamos na altura que para isto era preciso mudar de políticas e mudar de Governo. O PCP está agora a contribuir para essa mudança de políticas.

(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Agradeço as questões colocadas pelo Srs. Deputados António Sales e José Luís Ferreira.

Na intervenção que fiz da tribuna efetivamente referi que foi o desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, o desinvestimento na área da saúde que é o responsável e a causa destes problemas, desinvestimento esse que levou a um subfinanciamento do Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Deputado António Sales também se referiu às taxas moderadoras e a nossa avaliação é de que as taxas moderadoras provocam, efetivamente, uma limitação ao acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde. Na nossa perspetiva — e isso não foi feito —, é preciso fazer-se uma aposta clara nos cuidados de saúde primários.

O Governo do PSD e do CDS havia prometido médico de família para todos os portugueses, mas não concretizou essa promessa, não só em relação aos médicos de família, mas em termos de um conjunto de técnicos. Por exemplo, o número de enfermeiros está abaixo dos rácios definidos, faltam técnicos de diagnóstico e de terapêutica, faltam assistentes operacionais. Trata-se de uma falta transversal de profissionais no Serviço Nacional de Saúde.

Mas o subfinanciamento e o desinvestimento nos cuidados de saúde primários também tem uma relação muito estreita com o que se está a passar, hoje, nas urgências dos hospitais e com o que se tem passado nos últimos anos. É que a avaliação feita aponta para que mais de 70% do recurso às urgências dos hospitais não são, efetivamente, urgências, mas falta de resposta nas consultas que os doentes deviam ter e, por isso, são obrigados, são forçados a dirigir-se às urgências dos hospitais, entupindo-as desta forma. É por isso que a existência de médico de família e o reforço dos cuidados de saúde primários são tão importantes para resolver este problema.

Entendemos que a derrota do Governo do PSD e do CDS foi um passo importante para inverter estas políticas, para inverter o ciclo de subfinanciamento a que o Serviço Nacional de Saúde estava votado. Conhecemos, também, a posição do atual Ministro da Saúde, ainda antes de o ser, quando dizia que o padrão de qualidade e de eficiência deve estar no Serviço Nacional de Saúde e, por isso, entendemos que estão criadas as condições para resolver estes problemas.
Sr. Deputado José Luís Ferreira, relativamente ao hospital do Seixal, também valorizamos a questão e assinalamos que a luta das populações e dos autarcas foi determinante para que o assunto não fosse esquecido e para que hoje fosse possível estar aprovada uma resolução da Assembleia da República que determina a sua construção.

O que entendemos fundamental, e que já propusemos, é, por um lado, fazer-se uma avaliação daquilo que foram as implicações dos cortes e do subfinanciamento, bem como das suas implicações nos portugueses, nas unidades de saúde e no Serviço Nacional de Saúde e, por outro lado, quebrar este ciclo de subfinanciamento, de desinvestimento e de desvalorização quer dos serviços, quer dos profissionais de saúde. É isso que precisa de ser feito e é esse contributo que o PCP está disponível para dar.

(…)
Sr. Presidente,

Começo por agradecer aos Srs. Deputados Miguel Santos e Moisés Ferreira.

O Sr. Deputado Miguel Santos colocou, com muito ênfase, o respeito pelas famílias e pela morte do cidadão. Para já, gostaria de informar que não se tratou apenas de um cidadão; infelizmente, têm sido vários os cidadãos que têm vindo a falecer por falta de resposta do Serviço Nacional de Saúde e a verdade é que também não é esta a primeira vez que o Sr. Deputado faz esta acusação, de instrumentalização da situação dos doentes. Já quando foi o caso, que se discutiu aqui, dos doentes com hepatite, o Sr. Deputado veio com a mesma conversa e a verdade é que, se não tivesse havido a possibilidade de se ter discutido aqui esta questão, o problema não estava resolvido.

Por isso, ainda bem que os problemas são discutidos aqui para poderem ser resolvidos.

Mas, Sr. Deputado, respeitar as famílias não é silenciar o que aconteceu. Respeitar as famílias é apurar as responsabilidades, é apurar as responsabilidades políticas por aquilo que aconteceu. Isso é que é respeitar as famílias.

Nós sabemos que ao PSD e ao CDS não lhes interessa que haja apuramento de responsabilidades relativamente a esta matéria, mas isso é o que interessa ao bom funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. O que interessaria ao PSD e ao CDS seria silenciar estes problemas, mas para isso não contam com o PCP.

Queria dizer-vos, Srs. Deputados, que, infelizmente, são vários os locais onde têm vindo a ocorrer problemas: em Abrantes, em Évora, em Faro, no Hospital Garcia de Orta, no Hospital Amadora-Sintra, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, no Centro Hospitalar do Médio Tejo, em Viseu, no Barreiro, unidades onde os tempos de espera, em algumas delas, são superiores a 12 horas; onde os tempos de espera para triagem, em algumas delas, são superiores a 1 hora; unidades em que é pedido para não serem transferidos doentes urgentes porque não há capacidade de resposta; unidades onde há falta de camas depois de elas terem sido encerradas… Isto tudo é fruto das opções do PSD e do CDS, que quiseram criar um Serviço Nacional de Saúde a duas velocidades: um serviço que fosse público mas descaracterizado e com poucos recursos para os mais pobres e um serviço privado para onde são transferidos milhões de euros para aqueles que podem pagar.

O que a realidade tem demonstrado é que este vosso sistema, como lhe chamavam, o Sistema Nacional de Saúde, não dá respostas e a prova é que um doente vai do Algarve até Coimbra, porque, a meio, há um conjunto de unidades hospitalares que não conseguem dar resposta. Por isso, não há nenhuma complementaridade entre serviços privados e serviços públicos.

A realidade está à vista e o PSD e o CDS, que tiveram quatro anos de responsabilidade governativa, poderiam ter resolvido muitos destes problemas, mas o certo é que passados estes quatro anos estes problemas continuam a existir e até se intensificaram. Felizmente, há, hoje, outra realidade que pode alterar esta situação.

Termino como terminei na intervenção anterior: cá está o PCP para dar o seu contributo para esta solução.

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