Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, IX Assembleia do Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa

Não fiquemos à espera que nos batam à porta, há disponibilidade para nos ouvirem, tomemos a iniciativa

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Uma saudação fraterna a todos vós que fizeram desta Assembleia um importante momento de trabalho.

Gostaria de começar com três referências particulares.

A José Saramago, escritor universal, intelectual de Abril, militante comunista, que deu um contributo inestimável à defesa da Cultura enquanto factor de realização e emancipação humana, assinaladas nas comemorações do seu centenário.

Aos 60 anos da publicação do Luuanda, do Luandino Vieira, que, por ter ganho o prémio de melhor romance atribuído pela então Sociedade Portuguesa de Escritores, levou à prisão dos membros do júri, à invasão e destruição por parte da PIDE da sua sede e respectiva extinção.

E os 100 anos de Eugénio de Andrade, completados no passado dia 19 de Janeiro, poeta fundamental da expressão literária do Portugal contemporâneo, empenhado e atento à realidade do seu povo e do seu tempo, ao mundo e à paz, a Abril e à liberdade.

Três exemplos de muitos, que marcam a história, inspiram o presente e abrem as portas do futuro.

Três exemplos da possibilidade de criação e construção colectiva, elementos tão presentes e vivos, aqui hoje na Assembleia do Sector Intelectual de Lisboa.

Nesta Assembleia, onde tratámos os problemas dos intelectuais, analisámos  a sua evolução enquanto camada em progressivo assalariamento, tratámos das condições em que cada vez mais produzem o seu trabalho: baixos salários, precariedade quando não ausência total de vínculo, degradação das carreiras, horários desregulados e elevadas cargas horárias, baixos níveis de protecção social.

Aqui veio o desaproveitamento deste imenso património de saber e de conhecimento, com milhares de trabalhadores com qualificações superiores a fazerem tudo menos aquilo para que se especializaram, abandono das profissões ou impossibilidade de a elas aceder.

Conhecimentos e capacidades que podiam e deviam estar a ser aproveitados pelo nosso País para responder aos desafios com que estamos confrontados, mas que são desvalorizados cá e jogados para as mãos de outros, com milhares de trabalhadores intelectuais empurrados para a emigração.

A realidade em que se encontram colocam os trabalhadores intelectuais ao lado dos restantes trabalhadores, mesmo que no plano subjectivo – no plano da sua consciência, da sua disponibilidade para a luta, da sua organização – a evolução nem sempre se dê ao mesmo ritmo.

E é perante esta realidade que devemos continuar a tomar a iniciativa para o desenvolvimento da organização e da luta dos intelectuais e o seu contributo para a luta mais geral de todos os trabalhadores.

E não menos importante, tomar a iniciativa no sentido de criar as condições para que cada intelectual, a partir da sua especificidade e especialidade, assuma o compromisso pela criação plena, dando dessa forma um contributo decisivo para o alargamento da frente de luta por um Portugal soberano, independente, desenvolvido e de progresso.

Por um País em que se afirmem os valores de Abril e que é do interesse dos intelectuais, esse país do direito ao ensino, à escola pública, à criação e fruição culturais, à justiça, à ciência, ao futuro.

Mas também do direito à democracia, que não o é sem uma comunicação social isenta, plural e livre dos interesses dos grupos económicos e financeiros, à habitação e a um desenvolvimento urbano planificado fora das mãos da especulação, aos serviços públicos, às funções sociais do Estado, componentes fundamentais e consagradas na Constituição da República Portuguesa.

Direitos, projecto e objectivos de acção e luta. É isto tudo que nos está colocado. Uma acção que enfrenta os problemas concretos e que, ao fazê-lo, abre caminhos para a sociedade que queremos e vamos construir.

Quando os trabalhadores da cultura lutam pelos seus direitos, pelo tecido artístico e cultural, lutam por um Serviço Público de Cultura e pelo direito de todos à criação e fruição culturais.

Quando os investigadores, os bolseiros de investigação científica, lutam por contratos de trabalho e pela carreira científica, lutam por um Sistema Científico e Tecnológico ao serviço de todos e do desenvolvimento do País.

Quando os jornalistas enfrentam e agem contra a proliferação de estágios, a precariedade e os baixos salários, também denunciam a concentração em cinco grupos económicos de toda a informação produzida e reproduzida,  contribuindo para o acesso livre à informação de todos.

O aumento da intervenção e influência junto dos intelectuais é uma tarefa do Partido, mas é acima de tudo uma necessidade para a acção mais geral de todos os trabalhadores, não só mas também face ao aumento absoluto e relativo do seu peso numérico e o valor do seu trabalho social.

Há hoje uma massa significativa de trabalhadores de todas as áreas das profissões intelectuais que começou a exercer a sua actividade após o 25 de Abril, beneficiando do desenvolvimento e progresso do País e da democratização do acesso à cultura, à educação, ao ensino superior, às artes, que a Revolução de Abril proporcionou.

Gerações cujas expectativas foram abertas pelo processo revolucionário mas que viveram sobretudo o processo contra-revolucionário e de recuperação capitalista, com tudo o que isso implicou e implica.

Desde logo na frustração das suas aspirações, na progressiva compressão da autonomia relativa do trabalho intelectual e sua instrumentalização, na limitação à livre criação artística e da investigação, e na desvalorização do seu potencial de desenvolvimento social, humano e nacional.

Elementos que resultam deste processo e se reflectem em todas as áreas do pensamento, apostados em perpetuar a ideologia dominante e difundir as suas concepções, modos de viver e de pensar, o revisionismo histórico, o apagamento da luta de classes e a promoção da segmentação e fragmentação das lutas. É o famoso, gasto, mas actual, dividir para reinar.

Elementos com diferentes expressões mas que aí estão, na academia e no que nela se ensina e promove, no que é financiado na ciência e na investigação, nos critérios para a atribuição de apoios nas artes, na crítica cultural ou na omnipresença mediática de temáticas e concepções.

E falando de Abril, é justo que se diga que este País teve também em destacados intelectuais, entre os quais muitos comunistas, um abraçar dessa luta que era a luta do seu povo, pela conquista da liberdade e da democracia, que teve na revolução de Abril momento maior e cujos 50 anos estamos prestes a assinalar.

Perante a realidade vivida, e não aquela que nos procuram vender, é caso para perguntar, é do interesse dos intelectuais a política de direita, assente na alternância dos governos que a executam?
Na alternância mais que batida e cujos resultados, independentemente da justificação do governo de turno respectivo, estão bem à vista.

Empobrecimento, austeridade e que sucessivamente tem colocado de parte a cultura.

Que mais milhão, menos milhão, dá muito pouco do Orçamento do Estado à Cultura, à Ciência e ao Ensino Superior, em contraste com as necessidades reais para a criação e fruição culturais, a investigação, a Educação, aspectos estruturantes para a produção nacional, a soberania e a emancipação.

Que mais conversa, menos conversa, desinveste nas funções sociais do Estado, empurrando a maioria da população para o empobrecimento, ao mesmo tempo que alimenta o acumular de lucros escandalosos nas mãos de uns poucos.

Que mais contrato, menos contrato, tem condenado de forma crescente os  intelectuais, desde arquitectos a psicólogos, passando por juristas, à precariedade e aos baixos salários.

É isto que interessa aos intelectuais? Ou é a alternativa política, patriótica e de esquerda?
A alternativa que promove 1% para a Cultura, o Serviço Público de Cultura, e os apoios necessários à produção e divulgação das respectivas obras.

A alternativa da efectiva liberdade de criação intelectual, científica e artística e potenciadora do conhecimento, do saber, da formação, da experiência e apostada na resolução dos problemas do País.

A alternativa da democracia cultural, com a dimensão que Bento de Jesus Caraça sublinhou quando se referiu à cultura integral do indivíduo.

Dizemos mais, a alternativa que estamos a construir todos os dias, é do interesse dos intelectuais, de todos os trabalhadores, do povo e do País.

A alternativa patriótica e de esquerda a cada dia que passa é mais urgente e necessária, e é possível de concretizar.

Dizem-nos que não é possível aumentar salários e pensões. Mas são possíveis benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, sempre à espreita de novas oportunidades para pôr a mão em dinheiros públicos!

Dizem-nos que não é possível pôr fim à precariedade. Mas é possível compensar as grandes empresas pelo aumento do salário mínimo!

Dizem-nos que não é possível aumentar as verbas para a cultura. Mas é possível entregar às concessionárias das autoestradas 140 milhões de euros!

Dizem-nos que não é possível controlar e fixar preços de bens essenciais. Mas é possível dormir tranquilo com a especulação, que dá mais de mil milhões de lucros às maiores distribuidoras!

Dizem-nos que não é possível travar os brutais aumentos das prestações à habitação, mas é possível continuar a assistir aos milhares de milhões de lucros da banca.

Dizem-nos, portanto, que não é possível fazer nada pela maioria. Mas é possível que essa minoria dos 5% mais ricos tenham nas suas mãos 42% de toda a riqueza nacional!

Enquanto aos trabalhadores e ao povo são impostos sacrifícios, os lucros continuam a ser engordados pela especulação e pelo aprofundamento da exploração.

Enquanto para o concurso das artes vão 148 milhões de euros, que deixam sem apoio mais de 100 estruturas, há 1500 milhões de euros para as empresas da energia. Dez vezes mais para um sector onde as grandes empresas têm aumentado os seus lucros à conta da especulação.

Enquanto para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior vão pouco mais de 3 mil milhões de euros, o Orçamento da saúde transfere directamente o dobro, mais de 6 mil milhões, para os grupos privados da saúde.

Enquanto para a Cultura, se retirarmos a RTP, vão pouco mais de 500  milhões de euros, em benefícios fiscais perde-se 10% do total da receita de IRC, num valor que já vai em 3400 milhões de euros. Ou seja, cinco vezes mais.

Mas que não se julgue que a culpa é só da maioria do PS. PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal têm as mãos muito sujas nestas opções de fundo.

Quando foi e é preciso, juntos ou à vez, PS, PSD, Chega e IL contribuem para o chumbo sistemático das nossas propostas, ora votando contra, ora abstendo-se, mas sempre empenhados no actual rumo e no aprofundamento da política de direita.

Mas o chumbo das nossas propostas não lhes retira a justeza, a actualidade e a necessidade. Com a intervenção, a nossa acção e a luta, vamos mesmo, mais cedo ou mais tarde, pô-las em prática.

Uma alternativa que queremos construir com os trabalhadores e as massas populares, com a participação de tantos democratas e patriotas que connosco partilham preocupações e aspirações.

Uma alternativa que assume o projecto de uma democracia avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal, parte integrante da luta pelo socialismo e o comunismo, a sociedade nova que a natureza e as contradições do capitalismo colocam com acrescida actualidade.

Sim, o tempo que vivemos, com perigos e potencialidade, não aponta para a aceitação do sistema de exploração, desafia para trilhar o caminho do ideal e projecto comunista.

Esse caminho que percorremos com a luta de todos os dias e que exige o reforço do Partido em todas as frentes

E há tanto espaço para reforçar o Partido, tal como aqui também hoje foi dito, com os muitos novos militantes desde a última Assembleia, que tantas linhas de trabalho permitiram concretizar.

Há espaço desde logo para continuar a recrutar, chegar a mais gente, assumir o contacto, ir à conversa. Não fiquemos à espera que nos batam à porta, há disponibilidade para nos ouvirem, tomemos então a iniciativa de ir mais longe neste trabalho.

Há espaço e vontade de quem se inscreve para ter tarefas, para ser responsabilizado, para se tornar também construtor do seu partido. Se assim é, vamos então, formar, esclarecer, responsabilizar e dar tarefas que é coisa que não falta.

Há espaço e há necessidade de alargar o nosso trabalho a outros, abrir novas linhas de intervenção também no campo unitário e acima de tudo reforçar as frentes fundamentais, se assim é, vamos para a frente.

Há espaço para alargar ainda mais o prestígio que o nosso Partido tem junto de amplas camadas. Um prestígio que não caiu do céu, mas que foi alcançado com trabalho, paciência, persistência, contacto, diálogo, luta, solidariedade, proposta e projecto.

É assim na frente da cultura e em amplos sectores intelectuais.

E mesmo nesta ou naquela frente em que por esta ou aquela razão afrouxámos o nosso trabalho, estamos em condições de o retomar com a qualidade que nos é reconhecida.

Mantêm actualidade as palavras de Álvaro Cunhal, proferidas em 1998: «Os intelectuais portugueses têm representado ao longo dos anos e continuam a representar uma força social de que Portugal se orgulha, não apenas uma força da cultura, da ciência, das artes, do pensamento, mas uma força social de combate pela liberdade, a democracia, o progresso social, a independência nacional, e a superação do capitalismo por uma sociedade nova, libertada da exploração e opressão.

Grande força social em movimento, com a classe operária e as massas trabalhadoras, cujo património de luta, experiência de classe, organização, luta e pensamento constituem um valor insubstituível para assegurar o futuro.»
Os intelectuais podem, tal como no passado, contar com o PCP.

Também o PCP conta com os intelectuais, o seu saber, a sua dedicação, o seu pensamento e reflexão, a sua arte e intervenção.

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