Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Na luta constrói-se a alternativa"

Ver vídeo

''

Declaração política de protesto contra as novas medidas de austeridade que se anunciam, exigindo uma política alternativa e apelando à participação na jornada de luta do próximo dia 29, em
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O clamoroso fracasso do pacto de agressão nacional acordado entre as troicas é, hoje, uma evidência para a esmagadora maioria dos portugueses.
A onda gigantesca de protesto que percorre todo o País e que envolve centenas de milhares de pessoas, nas ruas e nos locais de trabalho, que tem tido expressão na corajosa resistência dos trabalhadores à aplicação das normas mais desumanas do Código do Trabalho, nas lutas dos professores, nas lutas dos agentes culturais, nas lutas dos trabalhadores precários e desempregados, nas lutas dos utentes da saúde, nas lutas contra as portagens nas antigas SCUT, nos protestos dos agricultores, nos apupos que rodeiam todos os membros do Governo, é uma evidência de que o povo português já não está disposto a suportar mais esta política e o Governo que a executa.
O empréstimo usurário, alcunhado até à exaustão como «ajuda externa», acompanhado de exigências desastrosas para a economia nacional e para as condições de vida da grande maioria dos portugueses, conduziu o nosso País à situação de desastre em que já se encontra.
Em nome do combate ao défice das contas públicas e ao endividamento do País e de um suposto ajustamento estrutural, os trabalhadores foram roubados nos seus salários e os reformados nas suas pensões; aumentou de forma brutal a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e sobre o consumo de bens de primeira necessidade; aumentou a exploração dos trabalhadores com a imposição de trabalho gratuito, com menos férias, supressão de feriados, bancos de horas, redução drástica da remuneração das horas de trabalho extraordinário; foram liberalizados os despedimentos e drasticamente reduzidas as indemnizações por despedimento; vendem-se ao desbarato as mais lucrativas empresas públicas; o Serviço Nacional de Saúde é cruelmente atacado; são expulsos milhares de jovens do sistema de ensino por falta de recursos económicos; são reduzidos os apoios sociais, lançando milhares de portugueses na miséria e no desespero.
A realidade com que o País hoje está confrontado é a de uma profunda recessão; o desemprego aumenta para níveis nunca vistos; amplas camadas da população são lançadas para níveis de pobreza que nunca imaginaram que fosse possível; as pequenas e médias empresas, asfixiadas pela redução do consumo e pela falta de crédito, são arrastadas para a insolvência. E, no entanto, a receita fiscal cai a pique, aumenta a dívida externa e aumenta o défice das contas públicas.
Perante o fracasso clamoroso da austeridade receitada pela troica, a receita do Governo é mais e mais austeridade, à custa dos mesmos de sempre: os trabalhadores, os reformados, as camadas mais desfavorecidas da população.
A atrocidade anunciada pelo Primeiro-Ministro de manter o roubo de dois salários mensais aos funcionários públicos e aos reformados e de roubar um mês de salário aos trabalhadores do sector privado para permitir ao patronato embolsar um desconto de 5,75% na taxa social única, foi a gota de água que fez com que muitos portugueses perdessem a réstia de consideração que ainda pudessem ter pelo Governo e por quem o chefia.
A derrota sofrida pelo Governo, com a desistência das alterações à TSU, não significa que o Governo tenha desistido de fazer entrar pela «janela» o que não conseguiu fazer entrar pela «porta».
Novas medidas se anunciam para fazer pagar os mesmos de sempre: cortes de um mês, ou mais, de salário ou de pensão a todos os trabalhadores e reformados; alterações de escalões do IRS para aumentar a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho; e o que mais se verá, porque quando se trata de ir aos bolsos dos portugueses, a imaginação do Governo supera a dos mais hábeis carteiristas…!
O que está em curso não é um programa para conduzir à recuperação do País. O que está em curso é um programa de saque dos rendimentos do trabalho e do património nacional a favor do grande capital nacional e transnacional.
Os portugueses não têm, pois, outra alternativa que não seja continuar a luta até à derrota definitiva deste Governo e da sua política. Porque não foram os trabalhadores, os desempregados e os reformados deste País que viveram acima das suas possibilidades ou que foram responsáveis pelo regabofe do BPN, das parcerias público-privadas ou da compra de submarinos. Os portugueses estão fartos desta política e dos governos que impõem sacrifícios aos mesmos de sempre, para isentar e aumentar os lucros dos mesmos de sempre: dos banqueiros, dos grupos económicos, das clientelas, dos especuladores, daqueles que ganham milhões e «gorduras» à custa do erário público, da exploração dos trabalhadores e do empobrecimento da maioria da população.
A alternativa que se coloca perante os portuguese não é a de escolher entre os que tiveram a culpa no passado e os que têm a culpa no presente, entre os que cumprem melhor ou pior o Memorando da troica, ou entre os que o cumprem com ar arrogante e os que gostariam de o cumprir, mas com ar pesaroso. A opção que os portugueses estão hoje obrigados a tomar é entre aceitar o jugo da troica ou lutar por uma vida digna. E vai sendo cada vez mais claro que a escolha dos portugueses é pela dignidade.
No próximo sábado, a manifestação convocada pela CGTP, em Lisboa, será mais uma magnífica expressão da vontade do povo português de lutar contra esta política e este Governo e de exigir uma política alternativa, que assuma a exigência nacional de uma renegociação justa da dívida externa, que respeite os direitos de quem trabalha, que valorize os recursos nacionais e que assuma de vez a rutura com a política que conduziu o País à situação desastrosa em que se encontra.
É nossa convicção de que o povo português, mais cedo que tarde, saberá encontrar esse caminho.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
Peço-lhe desculpa por ter de falar virado de costas para si, mas a geografia deste Plenário assim o obriga e, aliás, ninguém que está à minha frente fez perguntas.
Sr. Deputado, também considero significativo o silêncio das bancadas da maioria, mas, honra lhe seja feita, desta vez, aparecem coordenadas neste ruidoso silêncio — penso que é, de facto, muito ruidoso e muito significativo! — relativamente à defesa do seu Governo.
Sr. Deputado, creio que é hoje manifesto para todas as pessoas — e o Governo, obviamente, não pode ignorar esse facto — o enorme clamor popular que existe contra a política do Governo, a enorme insatisfação, o enorme repúdio relativamente à política que tem vindo a ser posta em prática, em obediência aos ditames do Memorando da troica, que constitui, como temos dito, e não nos cansamos de repetir, um verdadeiro pacto de agressão contra Portugal, contra os interesses nacionais e contra o povo português.
O Governo tem consciência disso. Aliás, não há nenhum membro do Governo que apareça em público que não sinta o enorme repúdio que os portugueses sentem relativamente às suas políticas e não sinta a necessidade de entrar pela porta das traseiras e sair pela porta de serviço.
Agora, enfrentar a população é que este Governo manifestamente já não é capaz, porque sente o enorme repúdio que é dirigido às suas políticas.
Sr. Deputado, é óbvia a grande resposta que o povo português deu, perante as atrocidades que foram anunciadas pelo Sr. Primeiro-Ministro pelas alterações que o Governo tencionava impor na taxa social única e que forçaram o Governo a recuar. Porém, não podemos ficar descansados, porque não temos qualquer dúvida de que o Governo vai procurar, como eu disse da tribuna, fazer entrar pela janela o que não conseguiu fazer entrar pela porta.
Portanto, impõe-se que os portugueses continuem a manifestar o seu repúdio a estas políticas, impedindo, assim, que o Governo venha a pôr em prática medidas dessa natureza mais ou menos camufladas.
Daí a grande importância que consideramos que tem a manifestação do próximo dia 29 em Lisboa, sábado, que terá de ser mais uma grande expressão da vontade do povo português de romper com esta política e com este Governo.

  • Administração Pública
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Cultura
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Educação e Ciência
  • Saúde
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções