Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,
Esta proposta de lei do Governo constitui mais uma etapa desse caminho de mercantilização dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, e da sua entrega aos interesses privados dos grupos económicos e financeiros, que ao longo de décadas tem vindo a ser levado a cabo por sucessivos governos.
Vão desmantelando estruturas do Estado e colocando-as às ordens do poder económico. De direções gerais fizeram institutos, de institutos fizeram autoridades. E das autoridades fica tantas vezes só o nome…
Numa economia cada vez mais devastada por estas políticas, cada vez mais dominada por sectores de bens e serviços não transacionáveis – nascidos e criados à pala das privatizações de empresas e recursos públicos, inapelavelmente capturados pelo poder económico nacional e transnacional – neste quadro, e com estas opções, não há regulação que nos valha!
Já o afirmámos, e continuaremos a afirmá-lo quantas vezes for preciso: não aceitamos que estas entidades reguladoras sirvam como “segundo governo”, não responsabilizado perante os eleitores, com decisões pelas quais o Governo nada responde, numa suposta “neutralidade técnica”.
Não aceitamos que estas entidades funcionem como alibi, como “bode expiatório” das políticas e opções dos governos, dos seus resultados e consequências. Aumentam os preços da energia a níveis insuportáveis? Os preços dos combustíveis são fotocópias uns dos outros? A economia está nas mãos dos monopólios? Então a culpa é do regulador, que o Governo certamente não tem nada a ver com isso…
Mas alguém, algum dos senhores deputados do PSD, do PS ou do CDS, nos explica como é possível que estando uma entidade reguladora a funcionar há anos, se tenha deixado passar esse “pequeno pormenor” de quatro mil milhões de euros nas ditas rendas excessivas para a EDP entre 2007 e 2020 – à custa dos consumidores e das empresas?!
Atualmente, a situação que temos – e que esta proposta de lei vem consagrar – é que o Governo designa as administrações destas entidades, coloca-as numa espécie de “comando à distância”, e depois afasta-se formalmente da fiscalização e do controlo dos sectores em causa. Senão vejamos:
Cada entidade reguladora está adstrita a um ministério responsável, em cuja lei orgânica deve ser referida (artigo 9.º). A dissolução do conselho de administração e a destituição de qualquer dos seus membros só pode ocorrer mediante Resolução do Conselho de Ministros (artigo 20.º). A incidência, o montante, a periodicidade e as isenções de cada taxa ou tarifa cobrada são fixados pelo Governo em portaria (artigo 34.º).
E ouçam isto: carecem de aprovação prévia por parte do Governo os orçamentos, planos plurianuais, balanço e contas, outros atos de incidência financeira. E carecem de autorização prévia por parte do Governo as aquisições ou alienações de bens imóveis, aceitação de doações, heranças ou legados, etc. E onde é que isto está escrito? No artigo 45.º, sob a epígrafe “Independência”!
Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo, isto só vem dar razão ao que nós dizemos: o que se impõe e deve ser assumido com transparência é que as opções políticas implicam responsabilidade política e têm que ser assumidas pelo poder político de forma séria e transparente – e isso significa que sejam os governos a assumir essa responsabilidade, pois são eles que são julgados pelo povo em eleições!
Entretanto, subsiste a agravante do caráter profundamente injusto desta proposta.
O que o articulado desta proposta de lei permite, tal como está escrito, é que um administrador de uma entidade destas pode ganhar o dobro do que ganha o Presidente da República, com mais 40 por cento em despesas de representação e, depois de cessar funções, ficar em casa sem fazer nada durante dois anos, a ganhar tanto como o Presidente da República.
E enquanto tudo isto acontece, aos trabalhadores destas entidades, é negado o vínculo ao Estado, com a imposição do contrato individual de trabalho! Estas entidades reguladoras – e os seus trabalhadores – exercem funções de autoridade de Estado. Estes trabalhadores não podem ter funções públicas e contratação privada. Isso é inaceitável!
Assim como é inaceitável que o envolvimento e a representatividade em estruturas de participação junto destas entidades sejam um aspeto meramente facultativo. Os estatutos de cada entidade podem prever outros órgãos (artigo 15.º). Ou seja, é uma questão do Governo alterar os estatutos de uma entidade e pode pôr e dispor da própria possibilidade de participação nestas entidades.
Senhor Presidente,
senhores deputados,
senhores membros do Governo,
Este diploma e este debate vêm demonstrar que não há flor na lapela que salve um fato tão velho e tão gasto como este.
Disse.