Intervenção de

Medidas tendentes a garantir a eficiência e a combater a fraude e a evasão fiscal<br />Intervenção do Deputado Lino de Carvalho

Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Eduardo Cabrita,A criação de condições, ao nível da organização da administração tributária, da modernização dos procedimentos administrativos e da cooperação entre os serviços, é evidentemente necessária, há muito, para dar mais eficiência a esses mesmos serviços, e para, por via disso, serem criadas melhores condições para a arrecadação de receitas e para o combate à fraude e evasão fiscais. Estamos de acordo com isso e o vosso projecto de lei vai nesse sentido.A minha única interrogação é para que é que é preciso uma medida legislativa para levar a cabo esta tarefa, uma vez que tal deriva da mera organização administrativa dos serviços, que os senhores poderiam ter feito quando lá estiveram. Entendemos que não é preciso diploma legal nenhum – a menos que continuemos, neste país, a fazer leis por fazer –, para concretizar este conjunto de matérias, sobre as quais não estamos em desacordo.A minha pergunta, Sr. Deputado, é por que é que optaram por uma medida legislativa e não optaram, enquanto estiveram no governo, por pôr em prática todas estas medidas, para as quais não é necessário – seguramente estaremos de acordo – um projecto de lei ou qualquer tipo de iniciativa legislativa.A segunda questão é a seguinte: há várias áreas através das quais temos de combater a fraude e a evasão fiscais. Aliás, é quase unânime, hoje (até o Prof. Cavaco Silva já aderiu a essa tese), o entendimento de que um dos meios de travar esse combate é através da criação de condições para o acesso da administração fiscal às informações protegidas pelo sigilo bancário.Estas medidas são hoje correntes na Europa, enquanto que em Portugal continuamos a fazer delas tabu, pelo que a minha questão é por que é que o Partido Socialista continua a fazer desta matéria tabu e não foi, por exemplo, pelo caminho das medidas legislativas na área dos impostos especiais de consumo ou da redução dos entrepostos, isto é, medidas na área das políticas fiscais, que, elas sim, têm de ser alteradas para se proceder a esse combate.Senhor Presidente, Senhores Deputados,Não há hoje, no País, seguramente ninguém, nenhum quadrante político que não fale na necessidade do combate à fraude e à evasão fiscais. Até o Senhor Primeiro-Ministro e a Ministra das Justiça juram a pés juntos que também estão nesse combate. Ainda bem. Já é um avanço.Contudo, não basta que se fale. É preciso que no terreno se concretizem as intenções multiplicadamente anunciadas. Para que não fique a legítima suspeita de que se fala muito para fazer esquecer o que não se pratica.É hoje também, aparentemente, objecto de consenso a ideia de que Portugal é um dos países da União Europeia com maior volume de fraude e evasão fiscal e com um dos menores graus de eficiência da sua Administração Tributária, malgrado o esforço dos seus profissionais. Nesse aspecto participar nas reuniões da Comissão de Inquérito à Aceitação de Acções da SAD-Benfica é, se mais não fosse, um instrutivo processo de aprendizagem da forma como funciona (ou não funciona) a nossa Administração Fiscal, de como se exercem as pressões quando se trata de contribuintes poderosos, de como é confrangedora a falta de meios humanos e técnicos.Os exemplos em matéria de fraude e evasão fiscal são múltiplos:No IRC, em que 2/3 das empresas, mais de 140.000, nada pagam sistematicamente de Imposto sobre os Lucros. No IRS, sobretudo nos rendimentos do trabalho independente e dos rendimentos comerciais e industriais. No IVA especialmente quanto às transacções intracomunitárias. Nos Impostos Especiais de Consumo, com a enorme proliferação de entrepostos fiscais. Nos benefícios fiscais sem função social ou reprodutiva e estou a lembrar-me, por exemplo, de muitos dos benefícios contratualizados.Relatórios, propostas, resoluções, medidas legislativas quase nada falta no universo de decisões adoptadas nesta matéria. O que falta é a real vontade política para atacar os fundamentos da fraude e da evasão fiscal.O projecto de lei do PS lista um conjunto de medidas no âmbito da organização dos serviços tributários. São, sem dúvida, medidas necessárias, óbvias em muitos casos, porquanto como sabemos, e como têm afirmado os próprios trabalhadores tributários é no âmbito dos meios-humanos informáticos, financeiros, da articulação entre serviços, do necessário cruzamento de informações, por exemplo entre a Segurança Social e a Administração Fiscal, que reside uma parte da falta de eficiência do combate à fraude e à evasão fiscal. Mas isto não é uma mera questão de organização administrativa dos serviços. É sobretudo uma questão de vontade política.E, nesse aspecto, convenhamos, não é pela ausência no nosso ordenamento jurídico de mais um diploma legal visando a organização da administração tributária. Nesta matéria o projecto de lei do Partido Socialista é claramente redundante. Melhor seria que estas medidas tivessem já há muito sido postas em prática. E para isso não é necessária nenhuma medida legislativa.Mas há uma questão central para a eficácia do combate à fraude e à evasão fiscal. E essa tem a ver com a possibilidade de acesso da administração fiscal às informações protegidas pelo sigilo bancário. Esta sim, necessita de um novo quadro legal que, surpreendentemente, o Partido Socialista ignora no seu projecto de lei.Ignorou-o e opôs-se a tal enquanto foi Governo. Continua a ignorá-lo agora tal como o Governo do PSD-CDS. E contudo esta é uma medida há muito assumida por todos quantos se têm empenhado seriamente no combate à fraude e à evasão fiscal. Lembramo-nos por exemplo, da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal.O argumento de que a abertura do sigilo bancário provocaria a desconfiança e a fuga de capitais não colhe. Basta perguntar porque razão esse fenómeno não sucede na generalidade dos países da União Europeia onde há muito está assumida essa possibilidade?A verdade é que nem o PS nem o PSD-CDS mostraram ou mostram qualquer simpatia por esta opção e, desta forma, muitos dos resultados necessários do combate à fraude e à evasão ficam-se pelas palavras e pelas intenções. É por isso que continuamos a ser o País dos “bibis”, das “Modernas” e das “Amostras”.Porque é que: - Não se avança na revisão dos benefícios fiscais não justificados, designadamente os que são concedidos em sede de operações financeiras e cambiais, em processos de privatização de empresas, em planos de poupança –acções ou em operações contratualizadas que não obedeçam a estritos critérios de apoio ao investimento produtivo ou orientador para regiões carenciadas? - Não se revêem as mais significativas componentes negativas da base tributável em IRC? - Não se altera o regime de tributação das empresas financeiras e seguradoras? - Não se inverte o ónus da prova para as empresas que sistematicamente apresentam prejuízos (o PS aqui não vai além, na sua proposta, de uma necessária mas limitada, “intensificação da fiscalização)? - Não se ampliam substancialmente – como referimos atrás – as possibilidades de acesso da administração fiscal às informações encerradas por detrás do sigilo bancário? - Ou porque é que se hesita e não se avança na criação do imposto sobre o património que tribute as grandes fortunas ? Estas sim seriam medidas efectivas que permitiriam combater, com eficácia, a fraude e a evasão fiscais e alargar a base tributável.Neste quadro o projecto do PS sabe a pouco.Em todo o caso vale a pena levá-lo para a frente mesmo se as acções propostas não precisem, para ser concretizadas, de nenhuma medida legislativa. (…)Sr.ª Presidente,Afirmou o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que uma das medidas decididas pelo Governo é a de suspender, ou de não conceder, benefícios fiscais aos contribuintes que não tenham a sua situação fiscal regularizada. Muito bem. Mas é preciso ir mais além, Sr. Secretário de Estado.Neste sentido, pergunto: estamos numa fase em que é necessário — o próprio Governo o afirma — aumentar a base tributável, está o Governo disponível para rever o conjunto de benefícios fiscais não justificáveis, nem económica nem socialmente, como, por exemplo, grandes benefícios fiscais contratualizados, benefícios fiscais atribuídos em processos de privatização de empresas, em planos de poupança/acções?Seguramente que aí estão muitos milhões de contos, que fogem à administração tributária sem qualquer interesse económico ou social.Segunda questão: o Sr. Secretário de Estado referiu também o empenhamento do Governo em várias formas de combate à evasão fiscal e no conhecimento do património dos contribuintes pela centralização da informação. Mas, mais uma vez, o Governo não aborda uma questão sensível, a do acesso da administração fiscal às informações protegidas pelo sigilo bancário.O Sr. Secretário de Estado sabe, tão bem ou melhor do que eu, que esta é uma questão nuclear para se poder combater a fraude e a evasão fiscais. Por que é que o Governo continua a fazer disto tabu, quando esta é já uma prática generalizada em todos os países da União Europeia?Por fim, como o Sr. Secretário de Estado também sublinhou a necessidade de se conhecer a situação fiscal dos contribuintes, pergunto: quando é que o Governo responde aos requerimentos que recentemente temos feito para conhecermos a situação fiscal de contribuintes sobre os quais tem havido uma larga polémica quanto à sua situação de dívida ao fisco, relativamente a impostos que deveriam pagar?Sr.ª Presidente, Seguramente por manifesta falta de tempo (mas como ainda vai intervir pode ter essa oportunidade), o Sr. Secretário de Estado não respondeu à minha terceira questão, que é a de saber, no quadro do conhecimento e da transparência fiscal, quando é que o Governo responde ao requerimento que temos formulado insistentemente para conhecer a situação fiscal de contribuintes sobre os quais se têm vindo a desenvolver polémicas quanto à sua relação com o fisco.

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