Intervenção de

Medidas de prevenção e combate à discriminação no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência<br />Intervenção de Bernardino Soares

Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Quero começar, em primeiro lugar, por salientar a importância deste debate, sobretudo, porque vem finalmente, esperamos, dar andamento a uma necessidade há muito sentida pelas pessoas com deficiência e pelas suas associações, que é a da existência de uma lei antidiscriminatória, como existe noutros países. É preciso lembrar também que já tivemos iniciativas noutras legislaturas. Na verdade, o PCP apresentou uma iniciativa legislativa nesta matéria na VIII e na IX Legislaturas, e os mesmos partidos que hoje apresentam iniciativas legislativas também o fizeram. Simplesmente, essas iniciativas, depois de aprovadas na generalidade, estiveram durante dois anos na Comissão, num «veto de gaveta» da maioria de então, e nunca chegaram a ver a luz do dia, como tinha sido prometido e conforme a expectativa que tinha sido dada às pessoas com deficiência e às suas associações. Esta questão que estamos hoje a discutir é uma questão de direitos humanos, é uma questão que tem a ver com a dignidade de todas as pessoas. E é preciso também dizer que uma das formas pela qual podemos ver qual é a justiça que existe numa sociedade é ver como ela trata as suas pessoas portadoras de deficiência. Ora, se olharmos para a nossa sociedade, vemos que o tratamento das pessoas com deficiência está muito aquém daquilo que seria necessário e daquilo que seria justo. Ao saudar os representantes da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) e das outras associações aqui presentes, quero também louvar a indispensável participação destas associações. A APD teve o impulso inicial neste processo. Esperamos que continuem a ser dadas as hipóteses para que, mesmo na especialidade, a Associação Portuguesa de Deficientes e todas as outras associações possam ter uma intervenção e uma participação, sugerindo e apoiando com o seu contributo a busca das melhores soluções, no concreto, para a fusão dos vários projectos de lei. A participação das pessoas com deficiência na elaboração das políticas para a deficiência é indispensável e é, aliás, uma das questões centrais que as Nações Unidas colocam como traves-mestras de uma política justa, de uma política acertada para as pessoas com deficiência. Não basta, pois, fazer normas, fazer regras, para que se apliquem a estas pessoas com deficiência. É indispensável que elas próprias participem na elaboração dessas normas e dessas regras. Entre nós, a situação é muito grave. Temos a séria situação da dificuldade de acesso ao emprego, com o incumprimento da quota de emprego na Administração Pública, sobre a qual se legislou há vários anos; com a miragem que ainda é, e continuará a ser (sobretudo porque o próprio Estado não dá o exemplo), alguma quota de emprego nos sectores privados; com a questão da precariedade a que estão sujeitas as pessoas com deficiência, sempre as primeiras a serem dispensadas, quando algum problema surge; com a difícil compatibilização do acesso a um emprego, sobretudo se for com um contrato a prazo; com a perda da pensão de sobrevivência, porque muitas vezes os deficientes optam por não ir para um determinado emprego ou sujeitam-se a uma situação de clandestinidade porque sabem que quando o perderem, se o perderem, terão muita dificuldade em reaver rapidamente a sua pensão de invalidez, o que os coloca muitas vezes numa situação de ausência de recursos. Por outro lado, a questão da educação, onde nos últimos anos foram dados passos atrás de grande gravidade, no que diz respeito à escola inclusiva e à educação especial, com a falta de recursos com que os governos anteriores «brindaram» esta área tão sensível e tão necessitada, obrigando a uma crescente segregação, que não é o que precisamos; pelo contrário, é aquilo que queremos rejeitar. Em relação às barreiras arquitectónicas, a legislação de 1997 «ficou no papel». E se neste momento há já algum avanço, pelo menos nos novos edifícios públicos construídos desde então — embora alguns, mesmo os construídos de novo, ainda continuem a não respeitar as regras sobre as barreiras arquitectónicas —, no que diz respeito à reformulação e requalificação dos edifícios construídos antes da lei, o caminho é ainda longo e muito pouco foi feito até agora. O PCP tem vindo a propor nesta matéria, nos Orçamentos do Estado, normas que permitam aplicar um programa concreto dos investimentos da administração central para a recuperação de edifícios públicos, para que esses edifícios tenham condições de acessibilidade a todas as pessoas com mobilidade dificultada. Mantêm-se igualmente as dificuldades (embora, nalguns casos, já resolvidas) em várias instituições bancárias em permitir o acesso ao crédito à habitação por parte das pessoas com deficiência, procurando, através da impossibilidade ou da negação da contratação de um seguro de vida, impedir que as pessoas com deficiência tenham acesso à habitação, para além de que são ainda penalizadas pela falta de uma política de habitação que também os contemple. No que diz respeito às ajudas técnicas e à questão dos medicamentos indispensáveis para algumas das deficiências e para algumas das situações em causa, sabemos que, por exemplo, em relação às próteses, ortóteses e ajudas técnicas a tabela do regime geral não é actualizada vai para cerca de 20 anos e está a «séculos» de distância da tabela da ADSE, que em muitos casos também não será suficiente. Aliás, esta progressão entre a tabela do regime geral e não o nivelamento por baixo mas a sua aproximação da tabela da ADSE é uma necessidade imperiosa, que já constou até num dos Orçamentos do Estado, há uns anos atrás, mas nunca foi cumprida por governo algum e tem de ser rapidamente resolvida. Temos, pois, que o elenco que os vários projectos de lei (e também o do PCP) têm em relação às práticas discriminatórias é na realidade um libelo de acusação aos sucessivos governos, que ao longo destes anos, 30 anos depois do 25 de Abril, não conseguiram e não quiseram resolver os problemas fundamentais para a integração das pessoas com deficiência. Temos hoje, aqui, este debate. Brevemente teremos o debate do Orçamento do Estado, e nesse Orçamento veremos então quais são os compromissos concretos, com medidas para resolver os problemas que afectam as pessoas com deficiência. Não basta «pôr no papel» uma lei antidiscriminatória; é preciso que existam depois os meios para que ela tenha aplicação prática. E isso faz-se no Orçamento do Estado. Finalmente, algumas referências em relação ao conteúdo mais específico dos projectos de lei. Em primeiro lugar, gostaria de salientar a importância da questão da inversão do ónus da prova, permitindo que não sejam as pessoas com deficiência aquelas que têm de provar uma situação discriminatória que muitas vezes não têm condições de provar, mas que existe de facto. Depois, quero sublinhar a ideia de que podemos encontrar uma solução entre a comissão que propomos e o revigorar de um observatório, que há muito está na lei mas que não tem funcionado e que consta de outros projectos de lei. Em terceiro lugar, queremos demonstrar a nossa concordância com a abrangência destes projectos de lei às situações de risco agravado de saúde. Termino dizendo que esperamos que, desta vez, este processo legislativo tenha um rápido e positivo desfecho e que com esta lei antidiscriminatória se dê um passo fundamental para resolver alguns dos graves problemas que afectam as pessoas com deficiência. Não para que elas se adaptem à sociedade mas para que a sociedade reúna as condições para que todas as pessoas, incluindo as pessoas com deficiência, possam exercer, de pleno direito, a sua participação e integração na sociedade.

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