Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Medidas adicionais de consolidação orçamental

Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)
(proposta de lei n.º 26/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados,
Ao final da manhã de hoje, recebemos uma informação (nem toda é verdadeira!), proveniente do Ministério das Finanças, uma informação desagregada sobre os impactos das medidas propostas no plano de austeridade, que, aliás, o Governo deveria ter entregado na altura e só entregou hoje.
Também hoje de manhã recebemos um relevante parecer da Associação Nacional de Municípios (ANMP), que, entre outras coisas, diz o seguinte: «A tutela substitutiva e sancionatória que o Governo pretende impor é inconstitucional e ilegal e será combatida pela Associação Nacional de Municípios até às últimas consequências políticas, jurídicas e judiciais».
Sendo verdade que o presidente da ANMP é do PSD, mais um problema que o PSD tem de «descalçar».
De facto, como é que o PSD vai votar a favor de um plano que é inconstitucional e ilegal, segundo o Dr. Fernando Ruas?!
Mas, para além disso, gostava que o Sr. Ministro se pronunciasse sobre o parecer que acabo de ler, de uma forma integral, da ANMP.
Sr. Ministro, este plano de austeridade insiste, no fundamental, numa política de estagnação e de retrocesso social e de desinvestimento público.
São mais 100 milhões de euros de cortes nas autarquias, com reflexos no desinvestimento de proximidade, com reflexos na criação de emprego que esse investimento poderia gerar.
São mais cortes no apoio ao desemprego — hoje, são mais de 730 000 desempregados e os senhores vão cortar no apoio ao desemprego, como se eles fossem os responsáveis.
São mais cortes sociais, desde o abono de família ao complemento solidário para idosos, como se eles fossem os responsáveis pela crise.
Sr. Ministro, o seu plano, o plano do Dr. Passos Coelho e do Eng.º José Sócrates, é um plano sem justiça nem coragem. Em vez de tributar os mais ricos, o que faz este plano, Sr. Ministro? Aumenta os escalões mais baixos do IRS três vezes mais do que os escalões mais altos.
Aumenta em 20% a taxa de IVA dos bens de primeira necessidade, quatro
vezes mais do que a taxa normal do IVA.
Sr. Ministro, por que é que não tributa as mais-valias das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)? Por que é que não tributa as mais-valias dos fundos mobiliários de alto risco, mais voláteis, que estão no nosso sistema financeiro?
Por que é que não cria, como o PCP propõe, um novo imposto sobre as transacções financeiras? Por que não tem o Governo a coragem de tributar quem pode e deve ser tributado, em vez de penalizar novamente quem já, há muitos anos, é penalizado por estas políticas?
Uma última pergunta, Sr. Ministro. O senhor anunciou aqui uma proposta de aumento de garantias do Estado, mas isso não faz parte da proposta agora em discussão. Para que isso seja possível é preciso termos um Orçamento rectificativo. Gostava que o senhor comentasse aqui esta questão.
(…)
Sr. Presidente,
Terminada esta fase, gostava de fazer uma interpelação à Mesa.
Sr. Presidente,
A minha interpelação tem a ver com uma informação prestada na intervenção inicial do Sr. Ministro sobre a qual lhe coloquei uma questão a que o Sr. Ministro não respondeu.
Não vou falar das SGPS, das mais-valias ou dos fundos imobiliários que não são tributados, questões, aliás, sobre as quais também não obtive resposta, vou falar sobre uma questão que, não tendo uma importância substancial, tem ou pode ter uma importância formal muito relevante. Refiro-me à informação prestada pelo Sr. Ministro sobre o aumento do limite das garantias a prestar pelo Estado no âmbito do Orçamento em vigor.
Ora, isto representa, em nossa opinião, uma revisão orçamental. Esta proposta de lei que estamos a debater não constitui, no entendimento do Governo — e quanto a nós bem — uma alteração ao actual Orçamento e, por isso, pergunto-lhe, Sr. Presidente, se deu entrada na Mesa ou nos serviços da Presidência da Assembleia da República alguma proposta de lei de revisão orçamental que contemple o aumento do limite das garantias do Estado. É que eu não sei de que é que estamos a falar, no fundo.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Bem pode o PSD vir hoje representar a rábula das divergências com o PS e José Sócrates; bem pode o PSD vir aqui dizer que a austeridade que combinou com o PS não está muito bem explicada, que o plano peca por defeito, que quer um acompanhamento de medidas; bem pode o PSD dizer, num dia, que aprova o novo PEC, para, amanhã, Passos Coelho convocar os jornalistas e fazer uma declaração pomposa a fazer de conta que nada tem a ver com isso; bem pode o PSD votar a favor do aumento dos impostos e vir, depois, Passos Coelho disfarçar, dizendo que está a dar a mão ao País; bem pode o PSD vir aqui tentar «atirar a pedra e esconder a mão» que dificilmente conseguirá enganar o nosso povo.
Os trabalhadores vão ficar a saber que os seus salários serão congelados e os reformados que as suas pensões não subirão porque o PSD e Passos Coelho vão votar ao lado do PS e de José Sócrates.
Os desempregados e os excluídos vão perceber que José Sócrates e Passos Coelho combinaram fazer deles os responsáveis da crise, vão perceber que o subsídio de desemprego, o abono de família ou o complemento solidário para idosos vão ser cortados ou eliminados porque o PSD vai votar ao lado do PS.
O que o PS e o PSD estão a fazer não é dar a mão ao País. O que o PS e o PSD estão a fazer é dar a mão aos grandes grupos económicos e ao sistema bancário, impedindo que sejam eles, os principais responsáveis da crise, a pagar desta vez a factura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o acordo entre Sócrates e Passos Coelho aumenta os impostos, mas o peso principal deste aumento vai recair em quem menos ganha.
Como pode dizer-se que há progressividade se os dois escalões até rendimentos colectáveis de 7300 € vão subir entre 7% e 9,5% e os dois escalões para rendimentos colectáveis superiores a 64 600 € vão subir pouco mais de 3%?! Afinal, Sócrates e Passos Coelho combinaram que quem menos ganha tenha um aumento de impostos três vezes maior do que os que mais ganham.
Como pode o Governo aumentar o IVA, que vai, sobretudo, penalizar as condições de vida dos
portugueses com menos recursos e agravar as já precárias condições de funcionamento das micro e pequenas empresas?!
Ainda pior: Sócrates e Passos Coelho combinaram aumentar em 20% a taxa de IVA que incide sobre os produtos de primeira necessidade, isto é, quatro vezes mais do que a taxa normal.
O novo PEC do PS e do PSD quer impor também o congelamento total da contratação de funcionários públicos, invadir a autonomia do poder local, insistir na degradação dos serviços públicos e voltar a cortar nas transferências para o sector empresarial do Estado, para melhor justificar privatizações ou para melhor
sustentar aumentos de preços, designadamente nos transportes públicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem não é sequer beliscado é o sistema bancário e financeiro, afinal os principais responsáveis pela crise.
É por isso que o PCP diz que estas medidas de austeridade têm alternativa, que há um outro caminho que não compromete o desenvolvimento do País, que valoriza e defende o
investimento e a capacidade produtiva, que dignifica quem trabalha e assegura uma vida tranquila a quem já trabalhou, um caminho que introduza justiça e equidade fiscal.
Pela nossa parte, temos alternativas: um caminho de justiça e de efectiva distribuição do esforço e propostas que aumentam receitas e que, inclusivamente, até podem prescindir dos aumentos do IVA e do IRS, que hoje estão aqui a ser debatidos e que foram combinados entre Sócrates e Passos Coelho.
Na próxima quarta-feira, em agendamento potestativo, vamos aqui debater soluções para criar um novo imposto sobre transacções em bolsa e sobre transferências para os offshore, para tributar mais a banca e os grandes grupos económicos, para tributar mais os patrimónios elevados e os bens de luxo e para eliminar benefícios fiscais indevidos e injustos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes que se iniciasse este debate, já o plano de austeridade, isto é, o novo PEC acordado entre Sócrates e Passos Coelho, havia sido condenado nas ruas de Lisboa por 300 000 portugueses.
A impressionante manifestação de sábado, a forte mobilização nacional dos trabalhadores e do povo contra as medidas de austeridade que o bloco central PS/PSD pretendem impor, mostrou claramente que, independentemente da aprovação formal que aqui hoje possa ocorrer, há um grande caminho até à sua eventual aplicação e que há condições, disponibilidade e vontades crescentes para travar esta ofensiva contra os direitos dos portugueses e impedir que sejam os trabalhadores, os reformados, os desempregados e os que menos ganham e menos podem, aqueles que quase nada já têm, a pagar a factura de uma crise que não criaram e de que não são responsáveis.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções