Intervenção de João Ferreira no Parlamento Europeu

Marca do Património Europeu

Não é novidade, já o vimos na discussão de outros relatórios neste parlamento e mais uma vez se confirma: a concepção de cultura vigente na União Europeia é eminentemente instrumental, o que tem expressões diversas, seja no conceito de "diplomacia cultural" - encarando-a como um instrumento ao serviço da sua política externa - seja no âmbito que aqui é proposto, de criação de uma Marca do Património da UE, nas palavras da relatora, para "reforçar a crença dos cidadãos europeus na UE e nos seus dirigentes", e "reduzir a distância entre a UE e os seus cidadãos".

Em boa hora se deu conta a relatora de que "existem outros meios mais eficazes" para o conseguir... Muito haveria a dizer sobre isto. Fico-me pela constatação que nenhuma Marca poderá apagar as muitas marcas que estão a deixar nos trabalhadores e nos povos da Europa as políticas da UE, a sua "governação económica", os planos de autêntico terrorismo social que pôs em marcha, com a conivência dos governos nacionais.

Será conveniente, ainda, ter em conta o efeito de políticas como a PAC ou a Política Comum de Pescas, entre outras, na destruição de importantes marcas da cultura dos povos europeus e de elementos vivos do seu património histórico-cultural. Pensemos na desestruturação, no decurso de uma geração, de comunidades costeiras e de comunidades rurais seculares.

Esta iniciativa, com um significado predominantemente simbólico, assenta no desenvolvimento de uma falácia: a da existência de uma identidade e cultura europeias únicas, ainda por cima assentes em valores como a "liberdade", a "democracia", a "tolerância", a "solidariedade".

E fá-lo, entrando por um domínio particularmente sensível: o do património cultural e, por essa via, o da História; razão fundada de sérias preocupações quanto ao alimentar de inquietantes processos de reescrita da História, a que temos assistido nos últimos tempos.

A cultura, como todos os fenómenos históricos, não é feita de uma qualquer identidade homogénea e comum. Pelo contrário, é expressão de antagonismos, de conflitos e de contextos de dominação cultural.

Questionamo-nos ainda sobre o sentido da designação "Património da União Europeia", atribuída a partir de um critério de mera localização dos elementos de património em causa. Património "da" ou património "na"? Trata-se de uma velha questão, sabendo nós, como sabemos, que o património "europeu" é devedor de muitas culturas e que poderia ser igualmente reivindicado pelo mundo islâmico, pelas culturas mediterrânicas ou por culturas dos povos sujeitos ao colonialismo europeu.

Em geral, com poucas excepções, as alterações propostas pela relatora melhoram o texto inicial da Comissão. Mas, neste caso, os objectivos específicos do documento são muito menos relevantes do que as erradas concepções que tem por detrás.

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