Artigo de António Abreu na «Capital»

«A mão da morte e o ridículo doméstico...»

Os ponteiros da contagem decrescente, dos dias que faltam, cada vez ecoam com mais força nas nossas consciências : 21, 20, 19 ,18, ..

Colin Powell apresentou “ provas” ao Conselho de Segurança. Ninguém o levou a sério. Tudo está preparado e há muito decidido. As despesas já feitas com a deslocação de muitos milhares de homens e meios para a região não parecem comover-se com as manifestações. Mas vamos continuar. Dia 15 encontramo-nos no Largo de Camões.

O complexo militar-industrial dos que têm o poder nos States tem que estoirar o material já testado e testar novos meios. O império hoje com tropas mais espalhadas pelo mundo que os anteriores impérios precisa de ocupar a região e controlar o seu petróleo. Os EUA ,o império, já hoje vivem com investimentos de todo o mundo e os seus dirigentes entendem que precisam absolutamente de controlar a produção, os preços e a distribuição à medida dos seus “interesses vitais”.

A demência da administração do império vai lançar-nos numa nova guerra. Não fazemos parte dos que a vão “ganhar” mas vamos estar entre os muitos que lhe vão sofrer as consequências. Não vão ser só as crianças de Bagdad a sofrê-las.

A depressão em que a direita meteu a nossa economia vai agravar-se. A nível doméstico, os movimentos ridículos de Durão Barroso talvez lhe dêem algumas migalhas. Quantos barris? Que parte nos lucros das operações de reconstrução? Quantos aviões e armas para o Ministro Paulo Portas?

Com a cedência das Lages, o Governo permite que os portugueses, que são contra esta guerra na sua grande maioria, fiquem associados em cumplicidade aos milhares de mortes que vão ocorrer.

A lealdade aos aliados que “o são prioritariamente” é uma grande hipocrisia , uma genuflexão que não esqueceremos mesmo que o Sr. Bush tenha declarado a Barroso e Berlusconi que não lhes exigirá a participação de militares e Barroso, agradecido, tenha dito que lhe irá propor uma segunda resolução do Conselho de Segurança, mas se tenha esquecido de reclamar o prolongamento do trabalho dos peritos da ONU.

Durão Barroso deve identificar-se com a “Nova Europa”, para que Ramsfeld fez o favor de o convidar. Respondeu-lhe célere e assinou o papel, seguindo a correr para os EUA fazer a cena atrás referida. Com orgulho e sorriso parolo, aceitou a contraposição com a “Velha Europa” da Alemanha e da França.

E depois disto, o que se vai seguir? A guerra contra a China? E a América Latina que se não conforma? E quando atingirão os europeus os interesses vitais dos EUA?

O império cresceu à custa da entrada em duas guerras na Europa na altura em que lhe deu mais jeito, para que a neutralidade durante algum tempo permitisse o enfraquecimento de inimigos mais ” perigosos”, lhe permitisse entrar quando muito já estava a dar a volta à custa de outros.

Que lhe desse segurança para, gratuitamente, arrasar cidades da Alemanha e ensaiar as bombas atómicas no Japão, ambos já praticamente derrotados. Que, depois, lhe permitisse uma intervenção na reconstrução de uma Europa que em parte se endividou assim e também no plano das alianças político- militares. O seu território foi atingido, de forma longinqua em Pearl Harbor. Invadiu ai longo de todo o século passado vários países, planeou golpes e assassinatos.

Na Europa e no resto do mundo o “anti-americanismo” que alguns incondicionais tanto criticam, é a expressão da rejeição do império, não do povo, das culturas , de tanta inovação positiva que nasceu no seu território, de uma massa crítica progressista que existe em muitas universidades, nas lutas sociais e contra o conservadorismo dos Bush, do Ku Klux Klan ou das mafias de Miami.

Sabemos hoje, melhor do que nunca, que não foram os direitos humanos que guiou tal gente. Mas não vamos reabrir velhas feridas cuja cicatrização a própria vida realizou. Apenas devemos exigir de todos nós a lucidez que nos exigem estes tempos.

Nesta hora de ansiedade estamos com os povos do Iraque, mas também com tantos norte-americanos que recusam diluir-se no império, que não acreditam que esta aventura lhes melhore a economia, que não querem elevar padrões médios de vida, já hoje muito mais elevados que no resto do mundo , onde tantos continuam a morrer de fome ou que de tantos norte-americanos a que o império condena à exclusão e à miséria.

Já é muito difícil parar esta guerra. Mas a besta não tem força para nos matar o sonho.

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