Intervenção de

Manuais escolares - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Regime de certificação e adopção dos manuais escolares, garantindo a sua gratuitidade

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Partido Comunista Português traz de novo a esta Assembleia o projecto de lei (nº  414/X) que propõe a adopção de um regime de gratuitidade e certificação de manuais escolares.

Voltamos, pouco mais de um ano volvido, a discutir os manuais escolares. E não é por acaso. Na votação final global do texto da Lei n.º 47/2006, o PCP afirmava claramente que não depositaria nessa Lei qualquer esperança no que toca ao cumprimento do comando constitucional da gratuitidade do ensino. Se, por um lado, a Lei dava um passo no sentido da certificação dos manuais escolares, por outro, colocava a questão da gratuitidade do ensino fora do seu alcance, exclusivamente na esfera da acção social escolar, contemplando, assim, apenas famílias que vivem em situações de pobreza extrema.

Portugal é o país da Europa em que as famílias mais gastam para garantir a frequência escolar de cada um dos seus filhos. Uma simples experiência mostrará que o início de um ano lectivo custa a uma família valores que ascendem a centenas de euros por cada um dos seus filhos que estude e atinge mais de 500 €, se for um ano do 3.º ciclo do ensino básico.

Entre os anos de 2001 e 2006, os preços ao consumidor de materiais e produtos relacionados com a educação subiram 44,6%, o que representa mais do dobro da inflação acumulada durante este período.

O estudo Pisa 2006 indica que, em Portugal, a influência dos factores sociais e económicos no sucesso escolar é maior do que nos outros países da OCDE. Existe, portanto, um processo de triagem social escondido nas malhas do sistema, do qual o Estado não pode, de forma alguma, alhear-se. É seu papel constitucional assegurar que todos têm direito ao ensino, como garantia do direito à igualdade de oportunidades e êxito escolar, e que a todos é garantido o ensino básico, universal, obrigatório e gratuito.

A escola pública é posta em causa não só pelas políticas de desmantelamento que este Governo lhes vai dirigindo mas também pela gradual elitização dos diversos graus de ensino, que tem reflexos óbvios no insucesso e no abandono escolares.

O Grupo Parlamentar do PCP apresenta, portanto, um projecto de lei que estabelece como primeira prioridade a garantia da gratuitidade dos manuais escolares como ferramenta não única mas essencial de aprendizagem.

Dirão que a gratuitidade é um apoio cego que oferece livros a quem pode pagar. A esses dizemos, desde já, que, se estão, de facto, empenhados em combater a injustiça social, esse combate se trava na fiscalidade, nos impostos. Quem mais ganha mais paga. Assim se cumpra a lei e os princípios orientadores do Estado português.

Outros dirão que a política de garrote orçamental não permite escolhas de carácter social - socialistas - e que garantir a gratuitidade dos manuais escolares representa um esforço a que o Estado não se pode permitir. A esses, desde já, dizemos que a implementação destas propostas do PCP não exigiria um esforço orçamental superior a 65 milhões de euros, o que representa apenas 1% do orçamento do Ministério da Educação.

Este impacto orçamental representa um custo insignificante perante os ganhos óbvios que advirão de uma política de gratuitidade como forma de combate às causas radicais do abandono escolar prematuro, aumentando o nível de escolaridade da nossa população, o que,

invariavelmente, mesmo para quem não quer ver, se traduzirá nos níveis de rendimento individual da população e no crescimento económico do País.

Estão em discussão três outros projectos de lei - do Bloco de Esquerda, do CDS-PP e do PSD -, que também insistem na necessidade de alteração do actual regime. Cada um propondo diferentes soluções, evidenciam as insuficiências da lei que o Partido Socialista aprovou isolado.

O Bloco de Esquerda propõe a criação de um sistema de empréstimos baseado na gratuitidade. Aliás, o Bloco de Esquerda apresenta mesmo soluções que partem da actual lei, introduzindo-lhe a direcção da gratuitidade e corrigindo lacunas de dimensão importante, garantindo, inclusivamente, a obrigatoriedade de existir um caderno de exercícios, que impede a utilização directa do manual, que o inutiliza. São soluções que, embora partindo do actual regime, certamente se afiguram como contributos válidos para soluções que urge tomar e implementar.

O CDS-PP retoma o seu projecto de lei de empréstimo de livros. Já afirmámos aqui que o PCP não partilha esta perspectiva caritativa. Com este projecto de lei, o CDS-PP acaba por desresponsabilizar o Estado perante a gratuitidade do ensino. A utilização e a reutilização de materiais passam a depender do grau de carência das famílias. Os meninos que podem comprar o livro têm o livro novo e os outros meninos usam o livro usado, criando mais uma clivagem de aparências entre os diferentes estratos sociais, desta feita na escola pública, onde essas clivagens devem, antes de tudo, ser combatidas, esbatidas e eliminadas.

O PSD constitui todo um novo regime de aceitação, certificação e adopção de manuais escolares, mas limita-se a propor um fundo de empréstimo opcional, não garantido pelo Estado.

Diversas comunidades autónomas de Espanha - número que tende a crescer - garantem já a gratuitidade dos manuais escolares durante toda a escolaridade obrigatória. Em Itália, o Estado assegura, desde 1999, a gratuitidade dos manuais a todo o ensino obrigatório para todos os estudantes. Na Suécia, durante toda a escolaridade obrigatória, os manuais e outros materiais escolares são totalmente gratuitos. Aí estão Estados que este Governo, muitas vezes, não hesita em categorizar como paradigmas. Resta exigir aqui o que lá é lei há muito!

Em discussão na Comissão de Educação e Ciência, o Partido Socialista anunciou a sua posição, contrária a posições que assumiu no passado. Contrária aos compromissos que veio assumindo com a gratuitidade do ensino obrigatório, o PS anunciou agora a defesa da manutenção do actual quadro legal, quadro que, mais de um ano após a sua aprovação, não alterou, de forma objectiva - o que é óbvio para todos! -, nenhuma das questões sobre as quais se debruça: certificação e gratuitidade.

Se o PS aprovou sozinho essa legislação em Junho de 2006, depois de um processo de imposição das suas condições no texto final, deve agora assumir a insuficiência das soluções que encontrou e acolher os contributos que estas propostas do PCP encerram.

O PCP rejeita deixar tudo como está, como defende o Partido Socialista. A gratuitidade do ensino depende da gratuitidade dos materiais necessários para a sua concretização. Caso contrário, gratuitidade do ensino fica apenas como um lema, que não passará disso mesmo, que fica sempre bem utilizar, até porque é constitucional, mas que este Governo não quer nem cumprirá.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Paula Barros,

A gratuitidade dos manuais escolares é a agenda política do PCP, como temos vindo a assumir ao longo dos tempos e como bem conhece - aliás, já discutimos estes projectos em comissão. No entanto, é pena que esta matéria, tendo sido já a agenda política do Partido Socialista, recorrentemente, quando chega ao governo, seja esquecida, ficando a gratuitidade do ensino obrigatório, tal como o socialismo, sempre na «gaveta».

Sr.ª Deputada, não tente distorcer o que referi na minha intervenção sobre os custos do início do ano lectivo para cada família. Essa é uma artimanha de argumentação que não traz nenhuma mais-valia para a nossa discussão. O que eu disse foi que uma família, no início do ano lectivo, gasta centenas de euros com os materiais escolares e com todos os custos inerentes ao início de um ano lectivo - não sei se sabe que não são só os manuais escores que as famílias têm de comprar!? Referi, inclusivamente, que os custos aumentam à medida que aumenta o grau de escolaridade de que estamos a falar. Portanto, eu não disse que esses custos eram apenas com manuais escolares.

Utilizou apenas isto como um artifício para fazer distrair as pessoas que estão a tentar perceber o que é que estamos a discutir. E o que estamos a discutir é se este Governo e este

Partido Socialista aceitam, ou não, a gratuitidade dos manuais escolares.

A respeito de qualidade, Sr.ª Deputada, há-de dizer a todos os que nos ouvem onde é que têm à disposição algum estudo que mostre a relação existente entre a gratuitidade e a qualidade dos manuais escolares. Tem alguma desconfiança em relação à qualidade do que é gratuito e assegurado pelo Estado?

É que parece que sim! É que parece que desconfia da qualidade daquilo que é garantido pelo Estado. Além de mais, o próprio projecto de lei do PCP estabelece um processo de certificação como garante da qualidade.

No que se refere à responsabilidade, Sr.ª Deputada, é bom que olhe para o seu grupo parlamentar que, há menos de meia hora, acabou de apresentar uma alteração a uma lei que é de 7 de Novembro, nem sequer tem um ano e meio como esta de que falamos. É essa a responsabilidade a que se refere? E, agora, acusa o PCP e o PSD de não terem responsabilidade porque querem alterar uma lei que já tem um ano e meio?!

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Aproveito para criticar alguns dos aspectos da última intervenção do Partido Socialista, porque nos trouxe a mensagem de que a lei lançou as bases para que agora o Governo faça. Mas já passou o tempo de o Governo fazer, o Governo não fez, e, ainda assim, o PS exige a esta Assembleia que não faça nada e que se sente à espera que o Governo regulamente. Ou seja, os empréstimos são muito bonitos, a gratuitidade do ensino é muito bonita conquanto não alcancemos nenhum dos dois.

Há, neste momento, dois projectos de lei a serem discutidos hoje que prevêem a gratuitidade dos manuais escolares, um com um sistema de empréstimo e outro sem sistema de empréstimos. Logo, a grande questão que se coloca, hoje, é a da gratuitidade dos manuais escolares. Se o Partido Socialista julga que não é responsável revogar uma lei, então, vamos fazer baixar estes projectos à Comissão, para serem discutidos na especialidade e introduzir as questões que eles trazem de novo, nomeadamente a gratuitidade, no quadro legal que existe hoje.

A grande questão que hoje se coloca é a de saber se o PS está ou não disponível para dar um passo no sentido da gratuitidade dos manuais escolares, independentemente de se decidir já hoje se é ou não com empréstimos. Mas o que hoje se releva é que o Partido Socialista não quer a gratuitidade dos manuais escolares.

 

 

 

 

 

 

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