Declaração de Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Mais do mesmo na abertura do ano lectivo!

A cerca de oito dias da abertura oficial do ano lectivo de 2008/2009 é com preocupação que verificamos que se mantêm muitos dos problemas que transformaram estes últimos três anos num dos períodos mais negros do ensino no Portugal de Abril. A entrada no sistema educativo e o regresso às aulas para mais de um milhão e quatrocentos mil crianças e jovens, estão indubitavelmente marcados por um conjunto de orientações e decisões anteriormente tomadas que foram causadoras de uma profunda instabilidade para os jovens e famílias, para as escolas e os professores, que se reflectem negativamente no aproveitamento escolar. A insistência em tais orientações visa pôr em causa a existência de uma Escola Pública capaz de garantir o acesso de todos os portugueses ao «ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar».

Ao contrário do que possa ter transparecido das medidas «inovadoras» de Acção Social Escolar (ASE) apresentadas em Julho pelo Primeiro–Ministro com pompa e circunstância na AR, o seu alcance é limitado, ficando longe das necessidades da maioria das famílias que têm crianças e jovens a estudar até ao Ensino Secundário.

Aquando daquele anúncio, o Governo já tinha assinado em Março uma Convenção com as Editoras para que, em 2008/2009 e 2009/2010, os preços de venda ao público dos manuais escolares do 1º ciclo pudessem sofrer um aumento, em cada um dos anos, de forma a que não seja excedido, por cada título, o limite resultante da aplicação aos preços de venda ao público do agravamento médio acrescido de 3% e nos 2º e 3º ciclos do básico acrescido de 2%, ou seja , um aumento de 5 a 6 % ! Esta Convenção teve como consequência imediata o maior aumento dos preços dos manuais escolares nos últimos anos.

A grande maioria das famílias portuguesas vai ter ainda mais dificuldades quando confrontada com os custos do regresso às aulas. Na actual legislatura a educação foi o produto que mais subiu na variação do Índice de Preços ao Consumidor, com um aumento superior a 16%. Um agregado familiar com crianças ou jovens dependentes, de acordo com o Inquérito às Despesas das Famílias 2005/2006 (INE), gastou em média 571 euros por ano com educação. Considerando os aumentos de preços desde então, e principalmente em 2008, incluindo os dos manuais escolares que continuam a ser vendidos sem certificação, concluiremos facilmente que aquele valor aumentará significativamente e que para muitas famílias, nomeadamente as que têm mais do que um filho na escola, o início do ano lectivo é já uma tormenta.

As famílias que não beneficiam de qualquer apoio da ASE são responsáveis por mais de 50% das crianças e jovens que frequentam os ensinos básico e secundário. Apenas 23,9% dos alunos do Ensino Básico e Secundário vão ter acesso ao apoio do 1º escalão da ASE. Do universo dos alunos, 21,9 % terão acesso ao apoio a 50%. As actualizações dos valores da ASE para livros e material escolar variam entre os 50 cêntimos e os 6 euros.

Para termos uma ideia de quão restrito é o acesso ao escalão máximo da ASE, basta dizer que o agregado familiar das crianças que não tinham qualquer apoio anteriormente ou que entrem agora no sistema, não poderá ter um rendimento superior a 407,41 euros por mês, no caso de ter um filho, isto é, um rendimento per capita de 135 euros por mês. Mas se esse agregado tiver um rendimento bruto igual a dois salários mínimos mensais (852 euros), isto é 284 euros per capita, cai já no 3º escalão e não beneficia de qualquer apoio para refeições, livros e material escolar.

Mais uma vez chamamos a atenção para o facto da Constituição da República Portuguesa ter inscrito no seu Artigo 74º, nº2 que «Na realização da política de ensino incumbe ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito e estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino».

Esta opção do Governo do PS de não cumprimento da Constituição da República à qual associamos o sub-financiamento crónico a que tem sujeitado o ensino – mesmo que o OE atribua à educação mais 3,5% para 2009, na prática mais 0,5% tendo em conta a inflação; isto significa colocar o orçamento abaixo do nível de 2006 – não se desliga de uma estratégia mais vasta que tem como objectivos centrais elitizar o acesso ao conhecimento, nomeadamente aos níveis superiores de conhecimento e pôr em causa a Escola Pública, num processo cada vez mais evidente de privatização do ensino.

Um segundo condicionamento ao sucesso do próximo ano lectivo é o facto de transitarem do anterior, um conjunto de problemas e de o Governo insistir nos mesmos erros que foram causa de instabilidade nas escolas e factor decisivo para as lutas realizadas pelos docentes e estudantes.

Na passada sexta-feira ficámos a saber que cerca de mais de 5 000 professores ficaram fora do sistema num total de mais de 40 000, 25 000 dos quais não têm direito ao subsídio de desemprego. Este é o resultado de uma política que insiste no encerramento de escolas obrigando milhares de alunos a deslocações que nalguns casos atingem mais de 50 Km, de se recorrer a pessoas em muitos casos sem a qualificação necessária para as chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular, de se manterem turmas com um elevado número de alunos, mas também porque nos últimos dois anos mais de 3 000 professores do ensino especial ficaram no desemprego devido ao facto de mais de 40 000 alunos terem deixado de ser sinalizados. Desta forma o Estado reduz o investimento público, os colégios privados vêem crescer a sua população escolar mas, como é visível, perde a qualidade do ensino, perdem as nossas crianças e os nossos jovens, em última análise perde o país.

Com a manutenção de um Estatuto da Carreira Docente que divide os professores, que os desmotiva para um trabalho que é muito exigente, mas acima de tudo que constitui uma desvalorização social, material e profissional dos educadores e professores, não há nenhuma possibilidade de garantir o sucesso do ano lectivo. Qualquer estratégia que não tenha em conta que os docentes são o elo principal do sistema educativo só pode ter como destino o fracasso.

A instabilidade nas escolas vai ser agravada com a implementação de um modelo de avaliação dos docentes que está provado não ser exequível, que não vai contribuir para melhorar a qualidade da prestação dos docentes e apenas serve para criar barreiras administrativas à progressão na carreira a dezenas de milhar de professores e educadores, particularmente os mais jovens. Apesar dos docentes com a sua luta terem obrigado o Governo a marcar negociações em Junho e Julho próximos, com o objectivo de introduzir alterações no modelo de avaliação, até lá, estamos certos, o que vamos ter é mais instabilidade nas escolas.

Instabilidade que se intensificará à medida que for sendo implementado o modelo de gestão imposto pelo governo e pela maioria parlamentar que o apoia, particularmente o facto de este modelo ter na sua génese o objectivo de acabar com o que resta da participação democrática de todos os corpos da escola: docentes, não docentes, alunos e pais. As dificuldades que hoje existem na direcção das escolas e agrupamentos, muitas delas fruto de alterações que o PS já tinha introduzido anteriormente na legislação, não se resolvem concentrando poderes numa pessoa e retirando autonomia à escola. Sem autonomia e gestão democrática, mais uma vez o que está em causa é a existência da própria Escola Pública.

Por tudo isto é nossa convicção que se vão criar níveis de instabilidade nas escolas incomparavelmente mais graves do que aqueles que marcaram o ano lectivo anterior.

Para a resolução dos problemas da educação em Portugal é fundamental o desenvolvimento de uma política educativa que assuma a educação como um valor estratégico para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, como prioridade para um efectivo combate ao abandono precoce da escola, ao insucesso escolar e educativo, à exclusão escolar e social. Política que deve assentar numa escola pública de qualidade, para todos e gratuita em todos os níveis de ensino.

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