Intervenção de José Soeiro na Assembleia de República

A luta dos mineiros da Somincor, em Neves Corvo

Declaração política manifestando apoio à luta que os mineiros da Somincor, em Neves Corvo, travam pelo cumprimento de condições instituídas por aquela empresa

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Há mais de um mês que os mineiros ao serviço da Somincor, em Neves Corvo, lutam com determinação pelo cumprimento, por parte da empresa, de condições que ela própria instituiu, ou seja, o pagamento especial do trabalho efectuado no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara, dia do mineiro, cujo valor agora pretende reduzir arbitrariamente em 50%, e para que o subsídio de fundo, que lhes é reconhecido pela dureza e exposição aos riscos permanentes resultantes do trabalho que desenvolvem para arrancar o minério à terra, tenha um aumento de cerca de 3 € diários.
Daqui saudamos os mineiros em luta, reafirmando-lhes toda a nossa solidariedade e os votos de que a sua luta seja bem sucedida.
Bem sucedida, em primeiro lugar, porque é uma luta justa, uma luta que visa uma melhor distribuição da riqueza por aqueles que efectivamente a produzem, a qual, no nosso País, é tão mal distribuída. É, por isso, uma luta por mais e melhor justiça social e, por essa razão, deve merecer o apoio e a solidariedade de todos os portugueses. De pouco valeriam os nossos recursos mineiros se não houvesse trabalhadores que os arrancam às profundezas da terra e os colocam à disposição da sociedade.
Bem sucedida, em segundo lugar, porque cada cêntimo que os mineiros arranquem aos escandalosos lucros que a Somincor tem obtido à custa da exploração do seu trabalho e da lavra gananciosa que tem implementado, com a cumplicidade de sucessivos governos, será sempre um ganho não só para os mineiros mas para toda a comunidade.
Serão sempre mais uns cêntimos que irão animar o comércio e a restauração, as pequenas empresas de construção civil e as pequenas oficinas sediadas no território envolvente; serão sempre mais uns cêntimos que ficarão no território de onde essa riqueza é originária, mais uns cêntimos ao serviço do desenvolvimento local, numa região tão empobrecida como o é o Alentejo.
Bem sucedida, em terceiro lugar, porque cada cêntimo que os mineiros arranquem à Somincor será sempre menos um cêntimo a beneficiar a multinacional Lundin Mining, hoje proprietária da Somincor através de uma compra sem concurso, em condições ocultas acordadas com os governos do PS, cujo contrato o ex-Ministro Manuel Pinho, o actual Ministro Vieira da Silva e o próprio Primeiro-Ministro José Sócrates tudo fazem para manter oculto dos portugueses, apesar das solenes mas falsas afirmações de que todos os contratos firmados entre o Estado e privados são públicos, isentos e transparentes, pautados pelo rigor que deve presidir à gestão da coisa pública e — pasme-se — até podem ser acedidos por todos através da Internet, como afirmou solenemente, nesta Câmara, o actual Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Deve ser também uma Internet especial, de acesso privilegiado e exclusivo a certos amigos, uma Internet também ela oculta, como ocultos são os contratos e, sobretudo, os respectivos anexos, cujas cópias, repetidamente solicitadas, continuamos a aguardar.
Não podemos deixar de lembrar que a Lundin Mining aqui referida é a mesma a quem o governo anterior do PS vendeu as Pirites Alentejanas de Aljustrel, em condições igualmente ocultas, se é que se pode considerar uma venda a entrega de uma empresa com milhões de euros de valor pelo valor simbólico de apenas 1 €. A tal empresa que o Sr. Primeiro-Ministro enalteceu como exemplo de um bom investimento, de um investimento estrangeiro modelar e de sucesso e que, seis meses depois de tão notável discurso, despediu de forma selvagem, com o conhecimento e cumplicidade do governo, mais de 700 trabalhadores que trabalhavam nas Pirites Alentejanas, mantendo, no entanto, na sua posse a super lucrativa Somincor, que, como sabemos, está neste processo numa atitude arrogante e prepotente, recusando a negociação com os mineiros.
Não admira esta postura arrogante e prepotente da multinacional Lundin Mining: ela sabe que conta com a postura cúmplice e subserviente do Governo; ela conhece as razões ocultas que levam o Governo do PS a ocultar os contratos e anexos que com ela assinou; ela sabe que pode contar com os bons ofícios dos mandantes do Governo no distrito (vejam-se as prestimosas tentativas do Sr. Governador Civil do distrito de Beja de tentar dividir os mineiros com o estafado discurso de que estarão a ser manipulados e instrumentalizados pelo PCP). Uma vergonha!
Como se os mineiros fossem manipuláveis, como se fossem parvinhos e não soubessem que o sucesso da luta que estão a travar reside, em primeiro lugar, na sua unidade e na sua capacidade de resistir às manobras divisionistas dos que, a qualquer preço, querem servir a multinacional Lundin Mining em detrimento dos interesses dos trabalhadores, do Alentejo e do País.
Apoiámos, apoiamos e iremos continuar a apoiar a luta dos mineiros da Somincor, como apoiámos, apoiamos e apoiaremos todas as lutas visando uma maior e mais justa partilha da riqueza nacional, porque não é com congelamento e degradação de salários e reformas, com agravamento de impostos sobre os rendimentos do trabalho, com mais desemprego e precariedade, com cortes de investimento e consequente degradação dos serviços públicos, com mais privatizações das empresas rentáveis onde o Estado tem posições, como nos propõe o PS no seu famigerado Programa de Estabilidade e Crescimento, com a cumplicidade, já assumida, do PSD, que Portugal irá vencer a crise de que tanto se fala.
Que vençam os mineiros, porque esse, sim, será um contributo para superar a crise.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
Muito obrigado pelas questões colocadas.
Sr.ª Deputada, gostaria de sublinhar dois aspectos: em primeiro lugar, e tal como disse, a importância de satisfazer as justas e legítimas reivindicações dos mineiros da Somincor, porque melhorar as condições daqueles trabalhadores é, na verdade, assegurar que uma parte da riqueza por eles produzida é fixada na região e irá contribuir não apenas para a melhoria das suas condições de vida mas também para animar o fraco tecido empresarial que caracteriza aquela região.
Nesse sentido, naturalmente, não é apenas do interesse dos mineiros mas, sim, de toda a sociedade que uma parte da riqueza que aqueles trabalhadores produzem possa traduzir-se em benefício directo na sua vida pessoal e, neste caso concreto, de uma forma mais ampla, em toda a sociedade envolvente.
Conhecendo-se que o Alentejo é uma região envelhecida e deprimida, naturalmente que é da maior importância que haja uma mais justa distribuição da riqueza ali existente. Esta seria, portanto, a satisfação de uma reivindicação de interesse geral.
Em segundo lugar, quero realçar que, na verdade, estamos perante uma empresa manifestamente protegida do Governo e não se compreende a natureza oculta dos negócios que têm sido feitos com ela, porque a Somincor foi entregue, sem concurso público, à Lundin Mining.
Na altura, a justificação do Sr. Ministro da Economia é a de que isso iria criar sinergias, porque permitiria o relançamento em força da exploração das Pirites Alentejanas em Aljustrel. Nada de mais falso! A primeira coisa que a Lundin Mining fez, à primeira dificuldade, foi atirar 700 trabalhadores de Aljustrel para o desemprego e ficar apenas com a Somincor, que dá chorudos lucros, sem que o Governo tenha tomado a mínima atitude no sentido de reivindicar, inclusivamente, o cumprimento das cláusulas secretas que persistem em estar ocultas e que era bom serem conhecidas dos portugueses.
Neste momento não se compreende uma postura do Governo que parece preferir os lucros obtidos pela Lundin Mining pela exploração brutal dos trabalhadores portugueses, pela forma como está a explorar riquezas daquele território e que estas sejam transferidas para o exterior através de mais-valias, em vez de assegurar melhor e de forma mais justa a distribuição da riqueza. É isso que os trabalhadores estão a reivindicar.
Daí a importância do sucesso da luta que travam, daí a importância da solidariedade de todos aqueles que querem vencer a crise, não à custa de mais sacrifício de quem trabalha, mas à custa de ir buscar a quem tem lucros escandalosos uma parte para distribuir pelo País.
(…)
Sr.ª Presidente,
Desta vez temos a vantagem do silêncio do Deputado Luís Pita Ameixa, que é quem costuma vir a terreiro... Até estava à espera que ele viesse explicar aquela venda, por 1 €, das Pirites Alentejanas. Era isso que gostávamos de ouvir, porque, na verdade, a isto chama-se delapidar o erário público. A isto chama-se entregar de bandeja a uma multinacional aquilo que é de todos os portugueses. E sobre isso eu ouvi zero de questões! Zero de questões!
Depois, pensei que iriam explicar aquele «coelho retirado do chapéu» do Sr. Ministro quando fez o negócio com a Martifer para percebermos como é que foi feito aquele negócio, o que é que houve ali envolvido, que interesses é que estão ali, de facto, em jogo. A verdade é que a Lundin Mining não cumpriu nada daquilo que o Sr. Ministro disse nesta Casa que estava no contrato, ou seja, os postos de trabalho e a associação das duas explorações para garantir sinergias. Disso cumpriu zero!
A Lundin Mining, simplesmente, apropriou-se dos filões mais ricos existentes em Neves Corvo. E essa riqueza está hoje a ser canalizada para o exterior e a deixar muito pouco — muito pouco! — daquilo que era necessário deixar em Portugal.
E não venha a Sr.ª Deputada dizer que as minas fechavam, porque, antes, no caso da Somincor, quando detinham 51% de capital nacional e, no caso das Pirites Alentejanas, 100%, funcionavam! Nós abandonámos uma estratégia de aproveitamento dos nossos recursos mineiros ao serviço do desenvolvimento e da independência nacionais.
Optámos por entregar os nossos recursos, de bandeja, às grandes multinacionais. O PS tem de explicar ao País porque o fez!
O que ganhámos com isso? O que ganhámos com isso, Sr.ª Deputada? Ganhámos zero! Ganhámos a prepotência e a arrogância do grande capital, que trata os mineiros como a Lundin Mining está a tratar no momento presente. Era isto que a Sr.ª Deputada devia explicar.
O Sr. Governador Civil, representante do governo português, está numa postura de subserviência face a uma multinacional, procurando levar os trabalhadores a ceder à chantagem e prepotência de uma empresa multinacional. E a Sr.ª Deputada, sobre essa matéria, disse zero!
Portanto, se alguém tem de dar explicações ao País, sobretudo aos trabalhadores mineiros, é o Partido Socialista, pelas más políticas que tem praticado ao longo destes anos.

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