Intervenção de

Lei-quadro das contraordenações ambientais<br />Intervenção de Miguel Tiago

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado:A matéria do ambiente merece, sem dúvida, uma preocupação política e legislativa crescente, principalmente no que toca à criação de condições sociais, económicas e culturais que permitam contornar os problemas ambientais pela via essencial da diminuição das agressões ao meio, pela elevação da consciência ambiental de todos, pessoas singulares ou colectivas. Nesse sentido, uma evolução legislativa no sentido de sistematizar e diferenciar um regime de contraordenações aplicáveis aos ilícitos cometidos contra o meio ambiente pode constituir um passo positivo e até significativo. No que toca à proposta de lei aqui apresentada pelo Governo, pode dizer-se que, se cumpre um objectivo assinalável, a forma como o faz é, no mínimo, difusa, pouco clara e de alguma forma vaga. Registamos positivamente o facto de o Governo se mostrar empenhado em apresentar, pelo menos em intenção, uma proposta que, para além de destacar as contra-ordenações ambientais, vem hierarquizar dentre elas graus diversos de penalização, incidindo especialmente sobre as contra-ordenações graves e muito graves. Além desse destaque, assinalamos também positivamente o facto de o Governo diferenciar significativamente o valor de coimas aplicáveis a pessoas singulares e aquele aplicável a pessoas colectivas. O regime de sanções acessórias aplicável, complementando o regime de coimas, representa também, no essencial uma inovação positiva, tendo até em conta que a grande parte das sanções acessórias é determinada com base numa análise concreta do problema, prevendo assim a possibilidade e a obrigatoriedade de cumprimento de uma exigência por parte do agente, estabelecida pela autoridade administrativa competente. Salientamos também a criação do cadastro de infractores, prevista na proposta, que poderá constituir um importante momento no combate à degradação ambiental, enunciando os infractores e facilitando a detecção de reincidências. Salientamos ainda o nosso acordo com a desburocratização dos processos de intervenção e de embargo que possibilitam às autoridades administrativas agir de forma mais célere e descomplicada. Porque é sabido que o valor das coimas actual, quando aplicado a pessoas colectivas, não funciona muitas vezes como verdadeira penalização e não provoca, por isso mesmo, a dissuasão necessária e desejada, o actual regime de contra-ordenações pode não representar o instrumento que o Estado precisa para fomentar os comportamentos ambientalmente responsáveis. No entanto, também é sabida a manifesta incapacidade de efectiva e consequente fiscalização ao longo do território nacional. É ainda conhecida a total incapacidade de as actuais forças e autoridades executarem uma fiscalização minimamente suficiente e satisfatória — suficiente para fazer face às necessidades ambientais do País e satisfatória para cobrir toda a vasta gama de contra-ordenações nesta área praticadas. Levanta-se aqui uma primeira incongruência, uma contradição óbvia entre aquilo que é proposto no texto que hoje apreciamos e aquilo que são as conhecidas condições e capacidades do Estado para a intervenção nesta área, como já vimos, especialmente no que toca às questões da fiscalização. Ora, se existisse uma verdadeira vontade de atacar os problemas ambientais por parte do Governo, esta contradição deveria ter sido a primeira etapa da sua actuação. Verifica-se, todavia, exactamente o oposto. O Governo, ao invés de investir no reforço das capacidades de intervenção e fiscalização das autoridades, vem, na sua primeira oportunidade, desferir golpes orçamentais contra os organismos a quem compete essa fiscalização e o acompanhamento do ambiente. A juntar a isto, as afrontas que têm sido dirigidas aos trabalhadores desses organismos e a anunciada reestruturação do ICN (Instituto da Conservação da Natureza), muito provavelmente para o modelo de entidade pública empresarial, acentuam incontornavelmente as insuficiências de acção do Estado na preservação do ambiente e diminuem a sua autoridade real perante os cidadãos e as entidades prevaricadores. E são estas contradições, tão óbvias como preocupantes, que constituem os aspectos mais negativos desta proposta. Mas muitas outras questões terão de ser também levantadas. Desde já, pretende o Governo autorização para a criação de um fundo de intervenção ambiental, mas não explicita os modos, nem tampouco os principais desígnios, nem em que moldes e situações decidirá efectivamente utilizar esse fundo para custear obras de recuperação. Que garantias pode o Governo dar, que não as actuais e necessariamente subjecti vas, de que a avocação pelo Ministro da tutela de eventuais processos ambientais não transportará arbitrariedades nem critérios difusos? E mesmo que o possa fazer este Governo, como pode comprometer-se pelos seguintes? No conjunto das questões, não poderia deixar de colocar mais uma que, embora formal, encerra dúvidas processuais. Que nos coloca o Governo com uma proposta de lei que aprova um regime de contraordenações para uma classificação das mesmas que não existe ainda? É como aceitar atribuir determinado valor a algo que ainda desconhecemos. Mas no conjunto das indefinições que esta proposta aqui nos traz levantam-se, posteriormente, as suas consequências. A lei deve ser o mais específica possível neste caso, estabelecendo, para lá das dúvidas, os critérios que presidem à sua aplicação, eliminando todas as possíveis arbitrariedades. É no contexto que identificámos que o PCP, quer alertando para os aspectos negativos quer salientando e reconhecendo os positivos, não votará contra a proposta de lei aqui em discussão. Daremos o nosso contributo para que se desfaçam e concretizem as imprecisões e indefinições que consideramos contidas na proposta, no quadro de posterior discussão na especialidade.

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