Sr.ª Presidente, Srs. Deputados,
O direito à habitação, consagrado na Constituição da República Portuguesa, ocupa um lugar central nas preocupações do PCP quando analisamos a questão do arrendamento urbano. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Este é um direito fundamental que deve ser garantido através de políticas adequadas promovidas pelo Estado, em particular, através do lançamento de vastos programas de habitação para os cidadãos de menores recursos, do incentivo à promoção de habitação com custos controlados, da descentralização de competências e atribuição de meios aos municípios, e da promoção de um mercado de arrendamento e de construção de habitação de rendas sociais.
Com o novo regime de arrendamento urbano – a que o PCP, muito justamente, chama Lei dos Despejos – o Governo tem um objetivo declarado: liberalizar completamente o mercado de arrendamento, eliminando, a prazo, todos os mecanismos de controlo das rendas. Esta é uma lei que afeta principalmente os inquilinos mais idosos com contratos de arrendamento anteriores a 1990 e os pequenos estabelecimentos comerciais com contratos anteriores a 1995, visando expulsá-los dos centros urbanos e dos bairros históricos, tão cobiçados pelos grandes interesses imobiliários e financeiros.
Determinado em atingir o seu objetivo, completamente obcecado pelas suas opções neoliberais, o Governo ignora – ou finge ignorar – as dramáticas consequências sociais da sua lei das rendas. Perante a denúncia de brutais aumentos das rendas e a iminência de milhares de despejos sumários, o Governo limita-se a criar uma comissão de monitorização e a assinar protocolos para a divulgação da lei dos despejos. Quanto à resposta social, o Governo promete muito, mas nada faz. A única resposta social prevista no anterior regime de arrendamento urbano – um subsídio de renda para os inquilinos mais carenciados – foi simplesmente eliminada e substituída por uma vaga intenção, a ser concretizada num futuro mais ou menos indeterminado.
Para o PCP não há qualquer dúvida: a Lei dos Despejos do governo PSD/CDS põe em causa o direito à habitação, fragiliza de forma inaceitável os direitos dos inquilinos, promove os despejos sumários e o encerramento de inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais, constituindo mais um fator de instabilidade social, que se traduzirá no avolumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias e no aumento significativo de casos de exclusão extrema. Esta é, pois, uma lei que urge revogar!
Há exatamente um mês, no dia 27 de fevereiro, a maioria PSD/CDS, completamente insensível à realidade social do país, rejeitou a proposta do PCP de revogação da Lei dos Despejos. Hoje, voltamos a debater este assunto, desta vez para analisar uma proposta do PS. Não é uma proposta de revogação, como seria necessário para uma lei com tão graves consequências sociais, mas somente uma proposta de alteração, que deixa intocados muitos aspetos da lei, entre os quais o mais gravoso: o procedimento especial de despejo. Esta omissão do PS é bem reveladora do seu profundo comprometimento com a política da tróica e com a exigência, constante no Pacto de Agressão, da introdução de mecanismos de despejo extrajudiciais, com o objetivo de encurtar o prazo de despejo para três meses. Um dos aspetos mais odiosos da lei – a possibilidade de despejar sumariamente inquilinos que, por força do agravamento das suas condições de vida, se atrasem uns meros oito dias no pagamento da renda – não merece por parte do PS qualquer reparo.
Quanto ao processo dito negocial, entre senhorios e inquilinos, o PS propõe o alargamento do prazo de resposta do inquilino de 30 para 90 dias. Esta é uma alteração positiva, mas não vai ao cerne da questão: a existência de um profundo desequilíbrio entre os direitos das partes no processo dito negocial, completamente desfavorável ao inquilino. Acresce ainda que a recente atualização do valor fiscal dos imóveis permite aos senhorios fixar, de início, valores de renda muito elevados – correspondentes a 1/15 do valor patrimonial tributário –, sem que o inquilino disponha de qualquer instrumento para contrariar estes aumentos de renda.
Propõe ainda o PS que o Balcão Nacional do Arrendamento, além de assegurar a tramitação do procedimento especial de despejo, possa também disponibilizar informação aos arrendatários sobre o processo de transição para o novo regime do arrendamento urbano. Esta nova competência seria bem-vinda, mas que não sirva para tentar esconder que a verdadeira função do Balcão é despejar os inquilinos, de forma rápida e eficaz, num processo extrajudicial em que os direitos e garantias da parte mais frágil num processo de despejo – o inquilino – não estão salvaguardados.
A proposta mais interessante do PS é aquela que alarga o período de transição para o novo regime de arrendamento urbano de 5 para 15 anos, no caso dos contratos de arrendamento para fins habitacionais anteriores a 1990, e de 5 para 10 anos, no caso dos contratos de arrendamento para fins comerciais anteriores a 1995. Esta proposta, se fosse aprovada, adiaria o problema da completa liberalização das rendas para um futuro mais longínquo. Mas não resolveria o problema dos aumentos abruptos dos valores das rendas, no início do período de transição, aumentos a que muitos inquilinos não conseguem fazer face, colocando-os, perante a ausência de qualquer resposta social, em risco de serem despejados de suas casas.
Por fim, é proposto que o estado de conservação do imóvel seja tido em conta no cálculo do valor da renda, algo que parece ser do mais elementar bom senso, mas que escapou ao Governo e à maioria que o suporta.
Em suma, as propostas de alteração apresentadas pelo PS apontam no sentido positivo, limando algumas arestas da Lei dos Despejos, pelo que merecerão o nosso voto favorável. Contudo, não queremos deixar de reafirmar aqui que a Lei dos Despejos, pela sua natureza e pelas suas consequências, é uma lei que só pode ter um destino: a revogação.
Disse!