Lei de Finan?as Locais<br />

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados, O regime financeiro das autarquias foi sempre motivo de grandes lutas. Na verdade, as autarquias foram eleitas pela primeira vez em Dezembro de 1976 sem estar definido um regime de finan?as locais. Foram alvo de favores e desfavores consoante a cor pol?tica. S? atrav?s de muitas lutas e com o apoio de sempre do PCP conseguiram a aprova??o da Lei 1/79 de 2 de Janeiro. A aprova??o foi un?nime, mas s? depois de um combate constante. E, mostrando a hipocrisia de muitos, foram muitos os anos em que n?o foi cumprida. Nos anos do bloco central surgiu uma nova lei, que pretendia fazer pagar ?s autarquias, e atrav?s delas, ?s popula??es, o custo da austeridade. A Lei de Finan?as Locais actualmente em vigor foi positiva e desempenhou um papel importante. Para al?m disso, o m?todo da sua elabora??o foi exemplar. Assentou na participa??o e colabora??o estreita com as autarquias. O grande problema verificado foi mais uma vez o seu incumprimento, apesar da aprova??o por unanimidade. Ao mesmo tempo, regressaram figuras de financiamento discriminat?rio e sem crit?rios transparentes e objectivos. Mais uma vez, ?s autarquias restou lutar, e lutar constantemente, sempre com o apoio do PCP. O que se vai passar aqui hoje ? mais um epis?dio desta luta. Recordo que o PCP acompanhou o movimento para a sua revis?o surgidos dez anos depois, na base dos ensinamentos do passado. Apresentou um projecto s?rio, realista, tecnicamente apurado, mas firmemente descentralizador como contribui??o para o procedimento legislativo aqui desencadeado. O Governo e o PS, pelo contr?rio, adoptaram em 1997 uma postura fechada em v?rios aspectos. Aconteceu isso em especial no montante de verbas e na estreita liga??o que pretenderam estabelecer entre as verbas das autarquias e novos encargos com as atribui??es e compet?ncias. Hoje, ao discutirmos esta proposta de lei, temos presentes os mesmos objectivos fundamentais, que anunci?mos em 1997, e que ali?s continuam a coincidir estreitamente com as aspira??es dos munic?pios e freguesias. Podemos resumi-los em cinco pontos: 1. A afecta??o aos munic?pios de um montante que visa caminhar determinadamente para repor o n?vel de meios financeiros que correspondem ao que teria resultado da aplica??o da lei de finan?as locais em vigor. Continuamos a pensar que seria ileg?timo e conden?vel que o processo de elabora??o de um novo regime de finan?as locais viesse a construir-se sobre os escombros de sucessivos incumprimentos do regime em vigor. 2. A adop??o de um novo crit?rio de varia??o do FEF que garanta uma maior e melhor equidade na reparti??o das receitas p?blicas e que o defenda de factores que acentuem a sua vulnerabilidade face a determinadas conjunturas. 3. A op??o por crit?rios simplificados, consolidados, mais claros e transparentes para a distribui??o do FEF pelos munic?pios, por forma a assegurar uma mais correcta redistribui??o dos recursos. 4. O refor?o da capacidade financeira das freguesias, traduzida n?o apenas no aumento substancial dos recursos postos ? sua disposi??o mas tamb?m atrav?s da autonomiza??o plena dos mecanismos de transfer?ncia, que passam a ficar directamente dependentes do Or?amento do Estado. 5. A consagra??o de disposi??es que impedem a transfer?ncia for?ada e compulsiva de novos encargos para as autarquias, bem como a redu??o das suas receitas atrav?s do recurso ? multiplica??o de isen??es sobre receitas cuja arrecada??o ? perten?a das autarquias. Seria absurdo e pouco s?rio aproveitar o processo de cria??o de um novo regime de finan?as locais para, ainda que aumentando os recursos financeiros das autarquias, associar-lhe uma transfer?ncia de responsabilidades que se traduzisse n?o na eleva??o da sua capacidade real de realiza??o e investimento, mas num mecanismo de redu??o pr?tica da sua capacidade financeira. H? aspectos em que o Governo revela agora ter retido alguns pontos do debate travado. N?o temos nenhum problema em reconhec?-lo e assinal?-lo. Podemos sublinhar, por exemplo, a autonomiza??o deste problema em rela??o ? transfer?ncia de novas atribui??es e compet?ncias ou a adop??o de uma "arquitectura" do sistema de finan?as locais mais pr?ximo do projecto de lei do PCP j? aprovado oportunamente. Este sistema pode criar uma situa??o menos vulner?vel ?s flutua??es da conjuntura econ?mica. Assinalamos tamb?m a autonomiza??o do financiamento das freguesias em rela??o aos munic?pios. H?, no entanto, outros aspectos que s?o importantes e em que a proposta de lei se revela claramente insuficiente. Em primeiro lugar, embora do ponto de vista das verbas a transferir a nova proposta de lei seja um avan?o em rela??o ? proposta de 1997, continua longe de caminhar para a recupera??o da capacidade financeira do Poder Local, afectada pelo incumprimento da lei de Finan?as Locais. A reparti??o financeira entre a Administra??o Central e Local assente na m?dia aritm?tica do IRS, IRC e IVA merece a nossa concord?ncia. Mas a percentagem est? longe de garantir a recupera??o. Seria preciso aumentar a percentagem de 33,5% para valores superiores, mesmo admitindo situa??es de transi??o. A exig?ncia defendida ? realista, na medida em que n?o implica a necessidade de aumento da carga fiscal. E, se for essa a preocupa??o, nem sequer comprometer? os objectivos de converg?ncia europeia. De facto, uma participa??o de 35% para os munic?pios e 3,5% para as freguesias, no per?odo de transi??o 1999-2000 representa um acr?scimo de 60 milh?es de contos, valor que ascender? a 110 milh?es de contos numa participa??o de 40% (munic?pios) e 3,5% (freguesias), ou de 83 milh?es de contos numa participa??o de 37,5% e 3,5%. Tais aumentos representam menos de 2% do total da receita fiscal (IVA + Impostos sobre o Rendimento). H? de resto um aspecto a destacar. Desconhecemos, em concreto, o Plano de Desenvolvimento Econ?mico e Social. Mas s?o conhecidas as orienta??es estrat?gicas da chamada Agenda 2000 (Desemprego, Competitividade, Rede de Cidades). Este facto leva-nos a considerar que, de uma forma geral, as autarquias n?o ver?o refor?ada a sua capacidade de cofinanciamento atrav?s dos instrumentos comunit?rios. Por isso, h? uma luta a travar em torno dos fundos comunit?rios. Mas a elabora??o de uma nova lei de finan?as locais deve ter em conta a substitui??o de financiamentos comunit?rios por recursos nacionais. Em segundo lugar, a proposta n?o garante o aprofundamento do car?cter redistributivo do volume de transfer?ncias. Este factor ser? corrigido se a participa??o do Fundo de Coes?o for superior. Actualmente os 183 concelhos com menos de 20 mil habitantes cada, com um peso de 18% da popula??o, recebem 36,89% do FEF. Passariam para 31,89%. Os 92 concelhos com 20 a 70 mil habitantes cada, com um peso de 34% da popula??o, recebem 35,35% do FEF. Passariam para 38,11%. Finalmente, os 30 concelhos com mais de 70 mil habitantes, com um peso de 48% da popula??o, recebem 27,76% do FEF. Passariam para 29,99%. Estes valores apenas s?o corrigidos para 35,57%, 36,09% e 28,33% por for?a do n?3 do art. 33? (que define que, em 1999, nenhum munic?pio pode receber menos do que teria naquele ano por aplica??o da actual Lei). Esta reparti??o tender? a manter-se nos anos seguintes sensivelmente igual por for?a do n?5 do art. 13?, que prev? para cada ano um acr?scimo equivalente ou superior ? taxa de infla??o. S? que a dimens?o desta correc??o retira objectividade aos crit?rios definidos do n?2 do art. 13? independentemente da an?lise que se venha a fazer sobre estes. Em terceiro lugar, a proposta de distribui??o de verbas entre receitas correntes e receitas de capital merece igualmente uma an?lise cr?tica. A concretizar-se esta proposta existiriam 154 concelhos cuja receita corrente diminuiria, num montante total de 9,2 m.c.. Existem mesmo concelhos onde essa redu??o nas transfer?ncias correntes ultrapassaria os 20%. Em Penafiel ? mesmo de 45,6%. Esta dr?stica redu??o, a concretizar-se, teria efeitos profundamente destabilizadores, particularmente em mat?ria de trabalhadores das autarquias. Pelo que j? foi referido conclui-se que o conjunto de crit?rios n?o ? o mais adequado. O crit?rio do n?mero de lugares em detrimento do n?mero de freguesias, por exemplo, prejudica claramente as regi?es em que o povoamento ? mais concentrado. Por outro lado, n?o se compreende a varia??o do numero de lugares operada em apenas um ano, em dados que foram fornecidos pelo Governo. H? outros crit?rios que s?o question?veis. Por exemplo, a popula??o residente com menos de 15 anos prejudica seriamente os munic?pios com menos dinamismo populacional. O crit?rio do conforto e saneamento, tal como est?, prejudica os munic?pios que mais trabalharam nesta ?rea. A popula??o residente com menos de 15 anos constitui um crit?rio que favorece os concelhos com menor desertifica??o. Por outro lado, s?o tamb?m importantes as preocupa??es dos concelhos com um excessivo peso de popula??o idosa. Por outro lado, julgamos que sempre que o Governo decida conceder benef?cios fiscais os munic?pios devem ser compensados, e n?o s? quando o seu parecer ? desfavor?vel. Julgamos tamb?m que a reten??o de transfer?ncias para pagamento de d?vidas (Caixa Geral de Aposenta??es, ADSE, Servi?os Sociais, Administra??o Fiscal) n?o deve ultrapassar os 10% e deve pressupor o reconhecimento da sua exist?ncia por ambas as partes. A exist?ncia desta possibilidade deve afastar a admiss?o da administra??o central lan?ar juros de mora sobre estas d?vidas. Tamb?m o regime de cr?dito deve adequada pondera??o, tendo em conta as suas largas incid?ncias na gest?o das autarquias. Finalmente, a regulamenta??o dos contratos-programa deve assegurar que estes s? existam para o Poder Central comparticipar em obras do Poder Local. N?o pode servir para, por mecanismos de chantagem, o Poder Local financiar o Poder Central. Nem deve haver, por car?ncias de regulamenta??o, a possibilidade de favores e desfavores. Estas s?o algumas das quest?es que a proposta de lei nos suscita. A nossa postura cr?tica ser? tamb?m uma postura construtiva. Mas depende de o Governo e o PS darem sinais positivos claros de que ter?o abertura para, nos trabalhos na especialidade, assegurar uma lei que se aproxime das preocupa??es, objectivos e princ?pios que nos norteiam. Se assim for, trabalharemos intensamente para, nas pr?ximas semanas, dotar as autarquias, as popula??es e o Pa?s de uma nova lei de finan?as locais. Uma lei que contribua para fortalecer o Poder Local. Uma lei que seja instrumento de justi?a e de desenvolvimento. Uma lei que contribua para a qualidade de vida e para realizar os direitos das popula??es.

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