Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo

Aprova a , que foi aprovada
(proposta de lei n.º 183/XII/3.ª)
Regime de uso e transformação do solo
(projeto de lei n.º 469/XII/3.ª)
Segunda alteração à lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto)
(projeto de lei n.º 470/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Uma verdadeira política de solos, de ordenamento do território e urbanismo, ao serviço dos interesses das populações e do desenvolvimento do País, só é possível na esfera pública.
O solo, como recurso comum finito, deve estar sujeito a normas muito claras, rigorosas e transparentes quanto à sua utilização e exploração, que potenciem o progresso no plano económico, social, cultural e ambiental e, simultaneamente, acautelem e salvaguardem o futuro das novas gerações.
Quisemos participar neste debate de uma forma construtiva, com propostas concretas. É neste contexto que apresentamos um projeto de lei que estabelece o regime de uso e transformação do solo e um projeto de lei que altera a lei de bases de ordenamento do território e urbanismo. Propomos a atualização da legislação, ao nível da transformação de solo rústico em solo urbano, a transformação de uso do solo já classificado como urbano e a melhoria da lei de bases de ordenamento do território e urbanismo.
Contudo, reconhecemos a necessidade de se desenvolver legislação sobre o solo rústico, na vertente agrícola, florestal, silvícola, pastoril ou exploração de inertes.
O princípio que norteia as nossas propostas é o da salvaguarda do interesse público, nas opções estratégicas do ordenamento do território.
Destacamos as seguintes propostas: limitação da expansão urbana, através da determinação de índices de ponderação a definir pela Assembleia da República, atendendo às necessidades de solo para as diversas atividades; estabelecimento de normas que definam as formas de organização coletiva de uso e exploração de áreas determinadas de solo; obrigação de reposição do solo no estado anterior, quando se verificar o seu uso ilegal; utilização do processo excecional de expropriação, para a satisfação do interesse público, quando se verificar o absentismo do proprietário e, caso o proprietário se oponha à expropriação, a possibilidade do pagamento de uma renda; permissão de expropriação para edificabilidade de habitação para satisfação de necessidades, sempre para construção de habitação a custos controlados; reforço da eficiência do sistema de gestão territorial, aprofundando a autonomia responsável dos diversos protagonistas; articulação da avaliação ambiental com o sistema de gestão territorial, privilegiando o seu exercício aos níveis territoriais mais abrangentes, evitando a repetição de procedimentos; reforço do programa nacional das políticas de ordenamento do território, através da definição das várias políticas com incidência territorial, e a compatibilização da estratégia enunciada e as políticas governamentais; reforço dos planos de urbanização e dos planos de pormenor; aprofundamento da conceção de planos especiais, definindo-os como instrumentos adequados para a gestão de áreas excecionais do território, considerando os recursos aí existentes; determinação da classificação de solo rústico para uso industrial isolado, devido à imposição da natureza e ao impacto do tipo de atividade.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para nós, o debate sobre as opções para uma política de solos, ordenamento do território e urbanismo reveste-se da maior importância para o nosso futuro coletivo. Participámos e participamos ativamente neste debate, com respeito pelas diferentes opiniões e com total disponibilidade para um sério e aprofundado debate de especialidade, que esperemos seja o mais amplo possível e com a recolha de contributos dos diferentes intervenientes.
Esperamos que os partidos com assento parlamentar tenham também a mesma abertura.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP tomou atenção à discussão e aos argumentos que foram utilizados, nomeadamente pelos partidos que suportam o Governo na defesa desta proposta que nos traz. No entanto, coloca-se a seguinte questão: todos os princípios que devem ser elementares e estratégicos, que devem definir uma política de solos e de ordenamento do território e urbanismo, ou seja, a defesa e salvaguarda dos princípios dos interesses públicos, a preservação do nosso património natural e ambiental, a garantia da atividade do setor primário e secundário e o assegurar das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços públicos sob gestão pública, não estão assegurados nesta proposta, o que quer dizer que eles não são protegidos na proposta que o Governo nos apresentou, apesar de a nossa Constituição privilegiar nestas áreas a salvaguarda dos interesses públicos.
O que constatamos nesta proposta é o sistemático e insistente caminho deste Governo em prosseguir e em criar as condições para que os interesses privados prevaleçam sempre em todas as opções políticas deste Governo. Assinalamos isto nesta área concreta, como em todas as opções noutras áreas da política deste Governo.
Este Governo cria novos mecanismos para tornar a política de solos de ordenamento do território e urbanismo uma área de negócio com vista à acumulação de lucros pelos fundos imobiliários e dos grupos económicos.
O exemplo da venda forçada que é aqui dado é exatamente um exemplo bem claro dessa situação pois possibilita a concentração da propriedade nestes fundos e nos grupos económicos, porque são eles que irão ter a possibilidade de beneficiar e de poder comprar aquelas que são as propriedades que, principalmente os pequenos proprietários, não terão condições para cumprir as normas que forem estabelecidas. Isto leva à elitização dos centros urbanos das nossas cidades e das localidades, Srs. Deputados: somente quem tiver poder económico é que pode residir nos centos urbanos, empurrando para as periferias os trabalhadores, os reformados e todos aqueles que estão mais vulneráveis. Isto é ou não é uma opção de classe deste Governo? Fica aqui bem claro para que interesses é que ele governa.
E, mais: a proposta do Governo desvaloriza os instrumentos de gestão territorial. Ao contrário do que foi aqui anunciado, o Governo não reforça os planos nacionais, regionais e especiais; muito pelo contrário, desvaloriza-os ao transformá-los em programas, porque ao transformá-los em programas está claramente a assumir o abandono do planeamento.
Falou-se aqui em flexibilização — é exatamente isto —, porque se abandona o planeamento rigoroso, o planeamento em que se define claramente o uso de determinadas áreas do solo e a sua respetiva regulamentação, para a substituir por meras orientações programáticas, proporcionando, assim, as condições para a concretização das pretensões dos privados.
Além disso, estes programas nacionais, regionais e especiais são suscetíveis de diversas interpretações, dificultando a transposição para os planos intermunicipais e municipais.
Para terminar, esta proposta de lei prevê ainda um aspeto que consideramos perfeitamente inaceitável: sanciona os municípios que não vertam para os respetivos planos intermunicipais e municipais as orientações destes programas nacionais, regionais e especiais no prazo que estabelecerem.
Rejeitamos qualquer tipo de sanção que se queira aplicar aos municípios nesta matéria, porque o próprio Governo esquece que ele próprio é incumpridor também nesta área.
Por isso, fica aqui bem claro que o caminho que está a ser prosseguido não é o caminho correto, não é o caminho que salvaguarda o interesse público e não é o caminho que salvaguarda as futuras gerações.

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