Intervenção de

Lei de Bases do Sistema Educativo-Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Presidente
senhores Deputados
Senhor Ministro da educação

A Assembleia da República debruça-se hoje sobre um conjunto de textos que pretendem
alterar a Lei de Bases do Sistema Educativo.

Este processo iniciou-se com a proposta de lei nº 47/VII, originária do Governo
do PS, apresentada a esta Assembleia em finais de Junho de 1996 e antecedida
de uma outra iniciativa governamental, a proposta de Lei Quadro nº 44/VII da
Educação Pré-Escolar.

Apesar de constituírem grandes e graves alterações à legislação vigente, estas
propostas fizeram-se acompanhar de uma inadiável urgência que implicava o seu
rápido agendamento e consequente votação.

Concretamente, o texto hoje em discussão chegou a estar agendado para os primeiros
dias de Julho, por proposta do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que,
pretendia assim, responder às pressões governamentais.

Este primeiro esclarecimento deixa suficientemente claro quão verdadeiras são
agora as declarações do Partido Socialista, quer o governamental quer o parlamentar
de que constituindo esta matéria competência exclusiva da Assembleia da República,
estava o Governo impedido de antecipar o debate público.

Ou seja, não só estava disposto a impedir o debate público antes, como o pretendia
impedir depois, inviabilizado a Assembleia da República de exercer as suas competências.

Mas o que PS não imaginava, porque havia escolhido supostamente o mês ideal,
era a resposta atempada dos estudantes e dos professores de Norte a Sul do País.

Afinal, tinha aprendido que questões polémicas e medidas desastrosas em matéria
educativa têm sempre um tempo, o período dos exames, das frequências e mesmo
das férias.

E a celeridade legislativa foi substituída pelo esquecimento da proposta. O
PS correu a desagendar o agendado e passou a declarar que era preciso dar tempo
ao tempo, ouvir, dialogar, fazer seminários, ... etc.

E a urgência, agora também ela relativa, limitou-se à matéria da educação pré-escolar.

Mas os professores e os estudantes não perderam tempo e à Comissão de Educação,
Ciência e Cultura e aos Grupos Parlamentares chegavam, diariamente, pareceres
e pedidos de audição sobre as duas propostas. De todos os pareceres recebidos
e de todas as audições concedidas, não há nenhum, nem nenhuma ausente de preocupações
perante as alterações propostas.

Motivadas as preocupações e mesmo alguns conflitos, que só não foram graves,
dado o elevado sentido das responsabilidades evidenciado por muitos dos dirigentes
do Movimento Associativo Estudantil, o PS aguardou, mais uma vez, a maré baixa
do 3º período para retomar a proposta de lei agendada e desagendada.

Passemos agora ao conteúdo da iniciativa governamental que pretende alterar
a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada em 1986, por um alargado consenso
nesta Assembleia.

Decorridos 10 anos, o quadro actual determinaria que em primeira instância
se avaliasse a aplicação da lei antes de a rever, para que a fazer-se, a sua
revisão fosse global e eficaz para o funcionamento do sistema.

Mas não foi assim que o entendeu o Governo do PS, que sugere exactamente alterações
em áreas fundamentais e já suficientemente debilitadas pelos objectivos economicistas
que têm determinado e continuam a determinar a sua política educativa.

A primeira matéria visada é o Acesso ao Ensino Superior.

Hoje, os jovens que terminam a frequência do 12º ano deparam-se com um conjunto
de mecanismos de selectividade que já não pretendem disfarçar o seu objectivo
último -- restringir a frequência do ensino superior público e inviabilizar
as legítimas expectativas de formação dos jovens estudantes.

Primeiro, foram as provas globais para o 10 º e 11º anos, depois vieram os
exames para o 12º Ano e agora afirma-se que o 11º ano também já pode contar
com exames.

Como se tudo isto não fosse suficiente, os candidatos que superam estas barreiras,
enfrentam ainda o "numerus clausus" e, ou integram o pequeno número
dos felizes contemplados, ou são empurrados para o ensino superior privado.
Ou então, desistem das suas aspirações pessoais e optam por cursos para onde
ninguém quer ir e onde por isso há vagas, e tiram assim, antecipadamente, um
passaporte para o desemprego.

Conhecendo esta realidade, o que faz o Governo do PS? Retira da LBSE a garantia
de que a prova ou provas de capacidade para a frequência do Ensino Superior
sejam nacionais e remete todo "o processo de avaliação (...), bem como
o de selecção e seriação dos candidatos ao ingresso" para os respectivos
estabelecimentos de Ensino Superior.

A propósito destas alterações o Conselho Nacional de Educação solicita aos
Senhores Deputados que tenham "em conta dois factos presentes, que condicionam
bastante a sua concretização prática". Por um lado, "as reais condições
de preparação dos candidatos e não qualquer situação ideal imaginada",
por outro "a persistência do regime de "numerus clausus" que
compagina-se mal com a responsabilidade principal pela escolha dos alunos por
parte dos estabelecimentos de ensino superior".

E conclui, sugerindo que o Ministério da Educação considere que os jovens candidatos
têm aspirações individuais e que esse direito deve ser referido.

Será lícito concluir que esta iniciativa não traz qualquer melhoria em matéria
de acesso e ingresso, antes pelo contrário, põe em causa a igualdade de oportunidades,
facilita as discriminações, acentua as desigualdades e ignora as realizações
pessoais dos jovens.

A segunda matéria visada são os graus académicos e diplomas do ensino superior
universitário e politécnico.

A LBSE consagrou no seu articulado um sistema binário de Ensino Superior que
aproxima em termos de objectivos a vertente universitária e a politécnica. Já
há dez anos, não se justificou um estrutura binária claramente vincada.

Que trazem de novo as alterações
propostas pelo Governo do PS?

Nenhuma intervenção no sentido de reconhecer a validade de formas diferenciadas
de aprendizagem e de permitir a flexibilidade de percursos escolares. Nenhuma
medida no sentido de viabilizar a articulação entre estabelecimentos de ensino
politécnico e universidades.

Nenhuma medida no sentido de aproximar e equiparar as condições de trabalho
e a qualidade de ensino nos referidos subsistemas.

O Governo do PS preferiu ignorar mais uma vez a realidade e vincar administrativamente
a distância entre as duas vertentes e por isso propõe que a atribuição de graus
académicos por qualquer escola de ensino superior seja determinada não pelos
currículos, não pela duração dos cursos, não pela qualidade do corpo docente,
mas tão só pelo simples facto de a escola ser politécnica ou universitária.

E daí, a proposta governamental considerar que o politécnico passa a conferir
exclusivamente os graus de bacharel e licenciado, sem fazer qualquer referência
a um período de transição que permita a aproximação dos dois subsistemas.

A terceira matéria visada é a Formação Inicial de Educadores e Professores
dos Ensinos Básico e Secundário e, mais uma vez, o que faz o Governo do PS?

Altera pontualmente o artigo 31º da LBSE que não pode, no entanto, ser objecto
de discussão sem que equacionem as alterações previstas para o artigo 13º, relativo
à aquisição de graus e diplomas.

A leitura comparada indicia a pretensão -- o objectivo é embaratecer a formação
de professores para todo o ensino básico.

Caminha o Governo do PS ao contrário do que é necessário e contradiz algumas
das suas próprias propostas sobre as habilitações para a docência.

E isto acontece porque se discutem avulso e de forma desarticulada matérias
que implicavam discussões alargadas e conjuntas.

O Governo quer definir sistemas de formação inicial e esquece-se que é fundamental
articulá-los com a reforma curricular que, por sua vez, terá que se adequar
à sequência e às características dos diversos ciclos de ensino previstos na
LBSE.

Porquê esta discussão casuística? Talvez porque a discussão conjunta das diversas
matérias pudesse clarificar exactamente quais as consequências que estas alterações
trarão em termos de qualidade de ensino.

O que o Governo do PS pretende é degradar a qualidade de ensino, é aumentar
a desigualdade de oportunidades de sucesso e distanciar, cada vez mais, a escolaridade
obrigatória do ensino secundário.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro da Educação:

É este contexto, são estas condições e as graves alterações propostas que determinaram
a apresentação do projecto de lei do PCP.

O facto deste debate parlamentar decorrer numa situação em que esteve praticamente
ausente a discussão pública da LBSE e consequentemente um processo de avaliação
aprofundado de todas as matérias, não torna razoável alargar o âmbito da nossa
própria iniciativa.

Daí que ela se configure à educação pré-escolar, tendo em conta o debate recente
e a posterior aprovação nesta Assembleia, por unanimidade, da Lei Quadro; ao
ensino superior no sentido de retomar os pressupostos que sempre defendemos
do sistema único, que compreenda diferenciadas soluções organizativas; ao acesso
ao ensino superior, no respeito exclusivo pelos princípios constitucionais que
estabelecem que "todos têm direito ao ensino com garantia do direito à
igualdade de oportunidades, de acesso e êxito escolar"; à atribuição dos
graus e dos diplomas, garantindo que o ensino superior confere um único grau
de formação inicial de nível superior, a licenciatura e, finalmente, à formação
inicial dos educadores e dos professores dos ensinos básico e secundário, cuja
qualificação profissional será adquirida em cursos superiores que conferem o
grau de licenciatura.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro da Educação:

A política educativa não pode ser ditada pelas regras da mercantilização, mas
pelas exigências e necessidades do desenvolvimento nacional, pela defesa e pelo
aperfeiçoamento do ensino público e pela democratização da sua frequência.

Na defesa destes princípios, o PCP votará contra a proposta de lei apresentada
pelo Governo do Partido Socialista.

Senhor Ministro da Educação:

Em política educativa também é preciso saber ouvir, dialogar com todas as instituições,
conhecer a realidade, procurar seriamente consensos para governar e não dividir
para reinar.

 

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