Primeira alteração à Lei das Uniões de Facto
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça,
Sem prejuízo das considerações que terei oportunidade de fazer na intervenção que se segue, gostaria de colocar-lhe duas questões concretas relativamente ao projecto de lei que o Partido Socialista apresenta (projecto de lei n.º 665/X).
A primeira tem que ver com a proposta de alteração que o Partido Socialista propõe para o artigo 6.º, que diz respeito precisamente à questão do acesso às prestações por morte por parte do membro sobrevivo da união de facto.
A redacção do artigo 6.º da Lei n.º 7/2001 não era clara e levantou dificuldades de interpretação, sendo que acabou por ser interpretada pelos tribunais no sentido de se exigir uma situação de carência de alimentos para que o membro sobrevivo da união de facto pudesse aceder a estas prestações por morte.
Ora, a verdade é que há uma situação de manifesta injustiça face ao regime do casamento e às condições que são garantidas ao cônjuge sobrevivo no acesso a estas prestações por morte, uma vez que não há esta exigência de se encontrar numa situação de necessitar de alimentos para aceder às prestações por morte. Sr.ª Deputada, o que está em causa é estabelecer para os membros sobrevivos de uma união de facto as mesmas condições que estão previstas para os cônjuges sobrevivos, uma vez que a referida prestação tem como base os descontos que ao longo da sua vida de trabalho o membro falecido da união de facto fez para a segurança social ou para outro regime de protecção social.
Portanto, justifica-se que, por força da relação que se estabelece no âmbito da união de facto, também o membro sobrevivo tenha acesso a este tipo de prestações, sob pena de, com o regime que o Partido Socialista agora propõe, se introduzir um factor que potencia a renúncia a uma opção livre de constituição da família sem casamento, condicionando as pessoas a casarem com o objectivo de obterem benefícios de carácter patrimonial.
A segunda questão é muito mais rápida e tem que ver com o n.º 4 do artigo 3.º, que prevê a equiparação da união de facto ao casamento para efeitos de perda ou diminuição de direitos ou benefícios, cujo alcance não conseguimos, sinceramente, descortinar nos seus exactos termos. Não conseguimos perceber qual é exactamente o objectivo do Partido Socialista, sobretudo quando recusa a equiparação entre a união de facto e o casamento noutros âmbitos, nomeadamente para efeitos patrimoniais.
Portanto, gostaríamos de perceber o porquê desta equiparação de sentido negativo.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O quadro jurídico de protecção das uniões de facto tem registado, ao longo dos anos, significativos avanços, fruto da evolução verificada na sociedade e de sucessivas iniciativas legislativas, que têm rasgado caminhos de progresso contra concepções conservadoras ultrapassadas e retrógradas que apenas reconhecem o casamento como forma legítima de organização familiar - aliás, a intervenção agora feita pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo é disso exemplo.
Devo confessar-lhe, Sr. Deputado, que ainda esperei que viesse aqui citar Napoleão Bonaparte, quando disse que os concubinos vivem à margem da lei e, por isso, a lei desinteressa-se deles. Felizmente, não fez essa citação, se bem que a sua intervenção não tenha ficado longe desta percepção retrógrada e profundamente reaccionária daquilo que deve ser a liberdade de organização familiar, que às pessoas deve ser reconhecida.
E, neste já longo caminho, desde 1985 que o PCP tem apresentado propostas nesta Assembleia relativas à união de facto, onde se contam cinco projectos de lei, que procuram dar resposta a uma questão fundamental, que é responder à obrigação que impende sobre o Estado de direito democrático de garantir igual protecção aos cidadãos, seja qual for a sua opção sobre a forma como decidem livremente constituir família.
O Sr. Deputado António Montalvão Machado questionava esta regulamentação do regime da união de facto como forma de condicionar essa liberdade. É exactamente o contrário, Sr. Deputado! É, precisamente, não protegendo quem decide constituir uma união de facto que se obrigam as pessoas a contrair casamento para obterem daí benefícios patrimoniais.
É a protecção da união de facto que garante às pessoas a decisão livre sobre a forma como decidem constituir família.
Portanto, é com este objectivo de aperfeiçoar o regime de protecção legal das uniões de facto que encaramos este projecto de lei do Partido Socialista, que nos merece, de facto, uma apreciação genérica positiva, sem prejuízo de algumas dúvidas que se nos levantam relativamente a alguns aspectos concretos.
Antes de mais, quero dizer que do que se deve tratar aqui em relação às uniões de facto, sobretudo em face do regime que temos actualmente em vigor - a Lei n.º 7/2001 -, são de corrigir certos aspectos, permitindo que se apliquem às uniões de facto os mesmos princípios do casamento sempre que o sistema jurídico parta do pressuposto de que há uma vida comum, como é o caso, por exemplo, das questões fiscais, das indemnizações e das questões da segurança social.
Por isso, levantámos aqui a questão relativamente ao artigo 6.º, que julgamos ser importante aperfeiçoar em sede de especialidade. Por outro lado, trata-se também de melhorar o regime jurídico de protecção àqueles que não adoptaram, para desgosto do CDS, o padrão de vida da maioria, nas situações em que, por força dessa opção, são vítimas de alguma injustiça. Ora, este projecto de lei recupera algumas propostas que o PCP já apresentou anteriormente em alguns projectos de lei que entregámos nesta Assembleia da República, nomeadamente o direito a indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte de um membro da união de facto; a criação de uma presunção de compropriedade dos bens móveis; o alargamento dos meios legalmente admissíveis de prova da união de facto; a responsabilidade solidária dos membros da união de facto pelas dívidas contraídas para ocorrer aos encargos normais familiares; e o direito a uma compensação por prejuízos económicos graves resultantes de decisões de natureza pessoal ou profissional tomadas pelos membros da união de facto em favor da vida em comum.
Estas são propostas que já integraram os projectos de lei que apresentámos nesta Assembleia da República e que, por isso, merecem a nossa concordância.
Resta referir uma dúvida que se nos levanta relativamente à alteração que o Partido Socialista propõe para o artigo 2020.º do Código Civil, que julgamos deve ser melhor ponderada, uma vez que a proposta que apresenta acaba por eliminar do nosso ordenamento jurídico a única densificação do conceito de união de facto. Se perguntarem a alguém o que é uma união de facto, a resposta é a de que se trata de uma relação análoga à dos cônjuges, em que os dois membros vivem há mais de dois anos juntos.
Esta é a densificação do conceito que consta do artigo 2020.º do Código Civil, que o Partido Socialista propõe que seja eliminado. Portanto, julgamos que esta deve ser uma questão que deve ser devidamente ponderada em sede de especialidade, para que esta densificação deste conceito não seja, assim, afastada.