Intervenção de

Lei das Finanças Locais - Intervenção de António Filipe na AR

Lei das Finanças Locais, revogando a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto

 

Sr. Presidente,

A intervenção do Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna obriga-me a fazer um breve comentário.

Em primeiro lugar, dir-se-ia que, para o Governo e para o Partido Socialista, podíamos passar de imediato à votação, porque a «sentença» está dada e a discussão na especialidade feita.

Em segundo lugar, já que o Sr. Ministro disse que ninguém apresentou propostas alternativas às do Governo, gostaria de esclarecer que o PCP apresentou propostas na especialidade e vai discuti-las.

Não sei se o Sr. Ministro está disponível para as discutir, mas esperemos que esteja, apesar da intervenção que proferiu.

Aliás, o Sr. Ministro sabe perfeitamente que o PCP apresentou um projecto de lei global sobre finanças locais que só não está a ser discutido porque a maioria o recusou! Portanto, as propostas não estão em discussão não porque não existam mas porque foram recusadas pelo espírito, a que o Sr. Ministro chama de construtivo, desta maioria.

(...)

Sr. Presidente,

Faço um breve comentário ao n.º 4 deste artigo 12.º da proposta de lei, que nos parece de todo inaceitável.

Estamos a falar de contrapartidas contratuais de grandes projectos de investimento e de interesse para a economia nacional. Ora bem, os projectos são de interesse para a economia nacional, o Governo decide a concessão de benefícios fiscais e os municípios pagam. Isto é, o Governo decide em nome da economia nacional, mas quem paga a economia nacional é o município em que aquele projecto vai ser instalado. Como tal, o Governo age como se não tivesse nada a ver com o interesse nacional, exceptuando a decisão. Decide com o dinheiro dos outros e os municípios que paguem o interesse nacional, porque o Governo já não tem nada a ver com isso...

Dir-me-ão que não é assim, porque, se o município discordar daquele projecto, recebe aquele dinheiro.

Mas isto, Srs. Membros do Governo, tem um nome: chantagem!

Isto é, para o município não ter de arcar sozinho com os custos do interesse, que é de todos, tem de discordar, permitindo ao Governo vir dizer que o município não quis perder dinheiro, que está contra o interesse nacional e contra os munícipes. Como tal, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, isto é uma chantagem inadmissível sobre os municípios que não pode passar em claro e que terá a nossa frontal discordância.

(...)

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

Relativamente aos diplomas que dizem respeito ao regime jurídico do sector empresarial local e ao regime geral das taxas das autarquias locais, faremos chegar à Mesa declarações de voto por escrito.

No que diz respeito à Lei das Finanças Locais, importa desde já adiantar algumas palavras acerca deste diploma.

Esta lei contém aspectos extremamente graves do ponto de vista da limitação da autonomia constitucional do poder local. Ela estabelece, para além disso, uma injustiça relativa entre cidadãos, em matéria fiscal, em função da residência. Permitir que um imposto de natureza nacional, como é o IRS, possa ser diferente em função do local de residência de cada cidadão é uma discriminação. Para além de ser inaceitável, suscita as mais sérias reservas do ponto de vista da sua constitucionalidade. Não somos só nós que o dizemos, vários reputados constitucionalistas têm referido este aspecto, que, do nosso ponto de vista, é susceptível de ser

fiscalizado em sede de fiscalização sucessiva da constitucionalidade.

Além disso, esta é uma lei que introduz injustiças relativamente a diversas autarquias, sendo que, em relação a algumas delas, coloca a prazo, pura a simplesmente, o problema da sua viabilização.

Não sabemos se esta lei não esconde uma agenda oculta da parte do Governo, que tem que ver, no futuro, com a extinção de municípios e de autarquias, ao criar as condições para que haja autarquias no nosso país que, dentro de alguns anos, pura e simplesmente, não tenham viabilidade financeira, se esta lei não vier a ser alterada.

O Governo apresentou esta proposta de lei das finanças locais animado de um espírito de desconfiança em relação ao poder local democrático, como se os autarcas deste país não passassem de um bando de esbanjadores de recursos públicos que é preciso «meter na ordem».

Ora, é preciso afirmar aqui, muito claramente, que o poder local democrático tem feito muito pelo desenvolvimento e pelo progresso do nosso país e deveria ser respeitado enquanto tal, devia ser respeitado como uma das conquistas mais significativas do nosso povo, com a democracia que conquistou em 25 de Abril de 1974.

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

Uma lei das finanças locais é uma lei orgânica do Parlamento e serve para que o Estado português decida como redistribui os seus recursos públicos em função dos vários níveis de administração, isto é, entre a administração central e a administração local.

Para o Governo, o espírito não é esse. Para o Governo, os recursos públicos são seus e é o Governo que os distribui como entende e que impõe regras e sanções ao poder local.

O Governo actua em matéria de finanças locais como um pai que dá uma mesada aos filhos e que depois lhes pede contas sobre como gastaram o dinheiro que ele lhes deu.

Ora, é preciso dizer que o poder local é eleito democraticamente e por isso tem legitimidade própria, sendo tão legítimo como a Assembleia da República ou o Governo.

Portanto, esta lei é um abuso do estatuto constitucional do Governo e é um desrespeito pelo estatuto constitucional das autarquias locais.

O Estado democrático tem mecanismos de fiscalização da legalidade da actuação das autarquias e da legalidade da actuação financeira das autarquias, que não têm e não devem passar pelo Governo. Existe um Tribunal de Contas e o Governo não pode substituir-se a esse mecanismo de fiscalização jurisdicional.

As autarquias locais têm autonomia administrativa e financeira, mas o Governo arroga-se a exercer uma tutela de mérito sobre as autarquias, e não apenas de mera legalidade. E há muitos exemplos disso mesmo nesta proposta de lei, desde a imposição da consignação de receitas às autarquias, que é uma limitação grave da sua autonomia financeira, à intervenção do Orçamento do Estado em matéria de endividamento municipal, porque os limites são estabelecidos pelo Governo em sede de Orçamento, à imposição de sanções às autarquias que não sigam os ditames que o Governo lhe pretende impor, às obrigações unilaterais de informação, que as autarquias têm de prestar ao Governo, ao estabelecimento de auditorias externas permanentes às autarquias e à exigência do assentimento governamental para que as autarquias contraiam empréstimos até à intromissão do Governo em actos de gestão autárquica, como é a contratação de pessoal.

Estes são exemplos que revelam claramente que estamos em presença de um atentado gravíssimo à autonomia do poder local, pelo que esta proposta lei não podia ter da nossa parte outra atitude que não fosse o voto contra.

 

 

 

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