Intervenção de

Lei da Água e Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos<br />Intervenção de Miguel Tiago

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista Português, no seguimento coerente das posições assumidas ao longo do processo de discussão em torno da lei da água e da lei da titularidade dos recursos hídricos, votou, naturalmente, contra os textos que aqui hoje foram tratados. Considera o PCP que a lei da água que foi hoje votada e aprovada na Assembleia da República manifesta a total submissão dos interesses nacionais e das populações ao interesse do lucro das grandes empresas, à lógica neoliberal. Sustentamos que a Lei-Quadro da Água não vai satisfazer as necessidades de qualidade e abastecimento das populações, da pequena agricultura e da indústria; antes trará exclusivos benefícios às empresas que deterão concessões sobre a gestão de um recurso que é essencial à vida. Para o PCP, a água nunca poderá ser vista como uma mercadoria. O carácter público da água e a sua gestão é o garante a um acesso democrático e independente das condições económicas. A mercantilização da água, como provam diversas experiências, levará à triagem económica no seu acesso. O PCP não poderia deixar de se opor firmemente à retirada de mais direitos às populações. Ao longo do processo de discussão, o PCP fez propostas de alteração a ambos os diplomas, não tendo sido qualquer uma aceite pelo Partido Socialista. Assim, sem a intervenção do PCP nos textos finais, estaremos perante leis que possibilitam, de futuro, a privatização e concessão das infra-estruturas hidráulicas, dos portos, dos cais, das margens fluviais e das praias. Como se não bastasse o próprio conteúdo dos textos, todo o processo de discussão foi deveras insuficiente. Uma lei desta envergadura exigiria o envolvimento consequente de toda a sociedade, mereceria uma ampla divulgação e discussão pública. No entanto, o Governo e o Partido Socialista, contra todos os outros partidos com assento parlamentar e, principalmente, contra todas as opiniões que recolheu junto de associações de agricultores, utentes de serviços públicos, ambientalistas, sindicatos e mesmo ignorando uma petição com mais de 14 000 assinaturas que deu entrada na Assembleia da República, decidiu avançar a um ritmo injustificado para a aprovação da lei. Estamos convictos de que esta pressa se prende com a clara tentativa de fazer aprovar uma lei nas costas dos cidadãos. Se o conteúdo desta lei fosse do conhecimento da população portuguesa, o Governo não teria coragem para aprová-la. O PCP, votando contra a Lei-Quadro da Água e apresentando um projecto de lei próprio de Lei de Bases da Água, que foi hoje aqui rejeitado, reafirma a defesa do carácter público da gestão da água e a universalidade nos seus acesso e utilização. Apresentámos um projecto de lei matricialmente diferente que pudesse responder às condições legislativas necessárias para a transposição da Directiva-Quadro da Água, que garantisse o direito à água e a sua utilização pública, que salvaguardasse os recursos hídricos da mão dos grupos económicos, que garantisse uma participação e um controlo públicos na gestão das águas e que priorizasse as componentes vitais e sociais da água. Assim não entenderam os partidos que votaram favoravelmente as leis que discutimos, e Portugal, em breve, sobre isso lhes pedirá contas. Para terminar, e quanto ao consenso a que o Governo se refere, o amplo consenso partidário, não deixa de ser útil e curioso caracterizá-lo. O Governo e o Partido Socialista receberam dezenas de propostas de lteração e contributos vindos dos partidos à sua esquerda, no entanto, mais uma vez e confirmando o que há muito afirmámos, o PS acaba por aceitar exclusivamente as propostas vindas dos partidos da direita. Não terá sido por acaso que a direita votou hoje favoravelmente estes diplomas!... Ambos são textos que encerram a visão e as concepções da direita e que tanto a satisfazem. O Governo e o PS aliam-se, assim, uma vez mais, em matéria importantíssima e estrutural, aos grandes desígnios da direita. A aprovação destas leis é o tiro de partida para a corrida à privatização e concessão da água e dos serviços, colocando seriamente em causa os direitos das populações. O PCP continuará a denúncia e o empenhado combate, lado a lado com aqueles que defendem uma água pública, contra a transformação da água numa mercadoria.

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