Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Legislação eleitoral

Aprova medidas tendentes a assegurar a participação dos cidadãos nos atos eleitorais e o pluralismo do debate público;
Procede à vigésima alteração da Lei Eleitoral do Presidente da República, constante do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, à décima quinta alteração da Lei Eleitoral da Assembleia da República, constante da Lei n.º 14/79, de 16 de maio, à quinta alteração da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, constante da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, à terceira alteração do Regime Jurídico do Referendo Nacional, constante da Lei n.º 15-A/98, de 3 de abril, e à segunda alteração do Regime Jurídico do Referendo Local, constante da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, consagrando o regime do exercício do voto antecipado relativamente aos funcionários diplomáticos e seus familiares;
Lei que define os princípios que regem a cobertura jornalística das eleições e referendos nacionais .
(projetos de lei n.os 507/XII/3.ª, 519/XII/3.ª e 530/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A dois meses das eleições para o Parlamento Europeu, o PS, o PSD e o CDS vêm propor alterações à Lei Eleitoral. Consideramos isto inaceitável.
Ainda que as propostas apresentadas fossem boas — e adianto já que consideramos que não o são —, não é agora, a poucos dias da marcação oficial das eleições, com as candidaturas apresentadas e com ações de campanha no terreno, que se alteram as regras aplicáveis ao processo eleitoral ou ao tratamento mediático das candidaturas.
A poucas semanas de um ato eleitoral, introduzir alterações tão profundas como as que os partidos da maioria propõem, visando a desregulação de regras essenciais à proteção do princípio da igualdade no tratamento das diversas candidaturas por parte da comunicação social ou a instituição de novos mecanismos de votação sem garantia da sua fiabilidade e controlo democráticos, como os que constam do projeto do PS, merece uma total discordância da parte do PCP.
Hoje, ouvimos referências da imprensa a declarações do Sr. Deputado Luís Montenegro acerca deste processo, que nos deram a ideia de que estava a prevalecer uma réstia de bom senso, quando veio dizer à comunicação social «não há pressa nesta matéria», «podemos discutir isto depois, com calma», «não é preciso que seja agora, para estas eleições; podemos discutir para o futuro». Mas quando pensávamos que o bom senso estava a prevalecer, eis que, ainda há pouco, o Sr. Deputado José Magalhães veio aqui apelar a um sprint legislativo, apresentando um requerimento a solicitar que estas iniciativas legislativas baixem à Comissão, para que exatamente de hoje a uma semana estejamos aqui a fazer a votação na generalidade, na especialidade e final global e que cortemos a meta depois de um sprint que nos deixaria ofegantes.
E tanto assim parecia que ia ser — já não será — que verificámos que já estavam marcadas audições para a próxima terça-feira dos diretores de informação das televisões na 1.ª Comissão, dando por adquirido que o requerimento aqui apresentado seria aprovado. Já não o será, portanto presumimos que a tal réstia de bom senso leve a que, no mínimo, estas audições sejam feitas se alguma iniciativa baixar à Comissão, o que manifestamente ainda não foi o caso.
Mas, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados,
Relativamente ao conteúdo das iniciativas, o projeto do Partido Socialista que visa alargar as possibilidades de voto antecipado a quem se encontre fora do País no dia das eleições parte de um princípio generoso, que é o de alargar as possibilidades de exercício do direito de voto, mas adota uma solução que, como muito bem assinala o parecer da Comissão Nacional de Eleições (CNE), não se afigura idónea para o efeito. Desde logo, porque não garante em absoluto que não haja cidadãos a votar duas vezes na mesma eleição, votando de manhãzinha em Madrid e à tardinha em Lisboa. Por outro lado, porque dá o direito de votar no estrangeiro a cidadãos que se encontrem deslocados no estrangeiro, designadamente de férias, quando não se dá igual direito a cidadãos que também se encontrem de férias, mas que estejam deslocados não no estrangeiro mas no território nacional.
Quanto à questão dos debates e do tratamento mediático das campanhas, o mecanismo de mediação proposto pelo PS não resolve problema algum que não esteja já resolvido e o projeto da maioria não só não resolve problema algum como vem criar sérios problemas que atualmente não existem.
Na verdade, a pretexto da liberdade de imprensa e dos interesses de tratamento jornalístico, o projeto da maioria fere regras básicas de democraticidade eleitoral.
Desde logo, o projeto fere o núcleo essencial de competências da Comissão Nacional de Eleições, cria um verdadeiro conflito de competências, até agora inexistente, entre a CNE e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), e institui o caos no sistema próprio de recurso ao poder judicial, já que, diferentemente do que acontece com a ERC, o recurso das decisões da CNE é feito para o Tribunal Constitucional. Portanto, poderíamos ter decisões de entidades administrativas diferentes sobre a mesma matéria, com mecanismos de recurso judicial diferentes: o recurso da CNE para o Tribunal Constitucional e o recurso da ERC para outro tribunal, que não exatamente o Constitucional.
Mas o projeto da maioria vem também instituir, como direito fundamental único, e sobreposto a todos os outros, o direito da liberdade editorial, subordinando a este o direito a informar de que as candidaturas são titulares em período eleitoral e pretendendo subordinar o direito a ser informado, de que cada cidadão é titular, ao filtro dos interesses e perspetivas eleitorais determinados por cada órgão de comunicação social, podendo restringir drasticamente o princípio constitucional da igualdade de tratamento das candidaturas.
Importa que sejamos claros quanto a este último aspeto. A lei atual não pode ser invocada como um elemento de limitação da liberdade de imprensa. Foi uma lei amplamente consensualizada num momento fundador da democracia portuguesa e o seu princípio basilar de que, em períodos eleitorais, não deve haver um tratamento não discriminatório das candidaturas em confronto é um princípio democraticamente irrepreensível.
Em momento algum se diz na lei que o tratamento mediático das candidaturas exclui critérios jornalísticos ou que têm de merecer a mesma atenção mediática ações de campanha de dimensão incomparável.
O princípio que se estabelece é o da não discriminação. O que a lei pretende evitar é que, em nome de critérios jornalísticos discricionários e insindicáveis, possam ser os órgãos de comunicação social a decidir quais são as candidaturas que devem ser promovidas e quais são as candidaturas que devem ser silenciadas.
A liberdade de imprensa é, sem dúvida, um valor democrático essencial, mas, se não respeitar o direito dos cidadãos a informar e a ser informados sem impedimentos nem discriminações, facilmente se transforma num elemento de manipulação da liberdade de escolha dos cidadãos.
É isso que a lei vigente pretende evitar, e nós pensamos que esse princípio democrático deve ser salvaguardado.

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