Lançamento do livro «Encontro do PCP sobre os direitos das mulheres» - Intervenção de Manuel Gusmão, Membro do CC do PCP

Este livro editado pelas edições Avante! é, como outros aliás que tem publicado, um livro de várias formas curioso e que merece que atentemos um pouco nas suas particularidades. Algumas obervações que correm o risco de parecerem excessivamente formais, mas que o são menos do que parecem.

Comcemos pela capa e pelos dizeres que nela se inscrevem. Em cima e centrado o logotipo da editora. Em baixo, igualmente centradas, e formando uma espécie de caixa, três linhas de texto de igual extensão, mas com um tamanho de letra diferente em cada linha

ENCONTRO DO PCP SOBRE OS DIREITOS DAS MULHERES Este texto, corrido, dá-nos nas letras maiores o tema do livro - OS DIREITOS DAS MULHERES - e indica-nos desde a sua primeira linha a sua autoria - o PCP, ou mais rigorosamente, um Encontro do PCP. Temos assim um texto que junta graficamente duas indicações correntes em livros: nome de autor e título. Se normalmente essas duas indicações ocorrem separadamente no espaço da página, há também aqueles casos, como os das Actas de um seminário ou Congresso, onde elas podem juntar-se como aqui, mesmo se nem sempre. De qualquer forma o que este grafismo nos mostra é que este livro é de autoria colectiva. O caracter partidário desse colectivo é sublinhado pelo facto do nome do partido PCP vir inscrito a preto e não aberto a branco no fundo vermelho da págima. Tal com acontece, aliás, com a maiúscula inicial da palavra "Mulheres", que tem a particularidade de vir num outro tipo de letra, que imita o recorte ou o contorno de um M manuscrito.

Só lendo o índice e o livro nos aperceberemos contudo da verdadeira dimensão e significado desta autoria colectiva. É sabido que nós no PCP, falamos e valorizamos muito o trabalho colectivo, o princípio da direcção colectiva, a ponto de nos referirmos ao Partido, como o grande colectivo partidário. Este colectivo não é uma entidade abstrata, nem uma espécie de corpo místico que dissolveria a singularidade concreta de cada indivíduo humano. É um colectivo concreto, formado por homens e mulheres que trazem consigo marcas da sua origem e situação de classe, portadores de experiências de vida e do mundo diferenciadas que se constituem em sujeitos livres, unidos por um ideal e uma ideologia emancipadora e crítica, herdeiros de uma história de resistência e de luta que abre o futuro à sua acção no presente.

Este Encontro é uma instância concreta do trabalho colectivo. Os materiais do encontro, que agora se editam, são a esse título elucidativos. Reúnem-se neste livro os documentos e intervenções apresentadas ao Encontro. O trabalho que condensam desenvolve-se em vários planos. Por um lado, há o trabalho da Comissão junto do CC para a Luta e o Movimento das mulheres e a intervenção individual de vários dos seus membros. Esse trabalho integra o de outros para a produção do Documento de Apoio, com Anexos Estatísticos, que expressamente não é encarado, afirma-o Fernanda Mateus, membro da comissão Política do CC do PCP, como "um ponto de chegada mas [como] um ponto de partida para uma reflexão que tem que neessariamente continuar e intensificar-se no âmbito do trabalho preparatório do XVIII Congresso do Partido [... Por isso, se pretende que esse documento que não será posto à votação, ] seja melhorado e harmonizado, em virtude dos contributos e inrtervenções que sejam feitas neste Encontro, aprofundando a identificação dos problemas nos diversos distritos e sectores". E aqui entra em cena uma outra instância colectiva que se exprime pela participação de cerca de 300 delegados, por um pouco mais de 30 intervenções e pela aprovação de um outro documento, o Apelo, "Com o PCP, dar mais força à luta das Mulheres".

Uma observação final neste preâmbulo que já vai longo.

Pelos nomes dos "autores" das várias intervenções percebemos que os participantes não são apenas mulheres, mas há também homens e homens que não têm como responsabilidade directa no trabalho partidário a protecção e a promoção dos direitos das mulheres.

As intervenções das cerca de três dezenas de participantes aprofundam temas tratados no documento de apoio; exemplificam experiências de discriminação e de luta (numa só empresa, como na Nordigal); informam sobre a situação e a luta das mulheres em difrentes regiões do país (do Alentejo à Madeira); em vários sectores de actividade ( cortiça, banca, comércio e grandes superfíces, media, desporto); sobre a participção em movimentos sociais (desde o movimento sindical, ao movimento associativo e popular, MDM); referem políticas do governo para várias áreas de interesse nacional e caracterizam os efeitos que a desresponsabilização social do Estado, que elas praticam, provoca no aumento das desigualdades sociais e na discriminação das mulheres (Educação e Ensino, Saúde, políticas salariais, o Código de trabalho de Sócrates), prestam conta do trabalho de entidades, como o Grupo parlamentar do PCP, em defesa dos direitos das mulheres; tratam de vários ângulos de abordagem a ligação entre os direitos das mulheres, a liberdade e a demoracia; analisam o combate ideológico que se trava em torno desses direitos, e discutem as maneiras de enfrentar a violência ou as violências sobre as mulheres.

Mas como entender esse facto? Por um lado, ele decorre da própria concepção estatutária de um Encontro ou de uma Conferência do PCP e da experiência prática de realização desse tipo de reuniões partidárias. Por exemplo, o Encontro Nacional do PCP sobre Cultura, realizado em Maio de 2007, não reuniu apenas escritores e artistas, nem mesmo apenas trabalhadores intelectuais, mas militantes que, independentemente das suas qualificações académicas, lidam com questões da cultura em autarquias, sindicatos ou colectividades. Duas razões: por um lado, o nosso entendimento de que a cultura não é a coisa exclusiva do seus criadores específicos ou dos intelectuais embora eles tenham sobre ela um olhar especialmente responsável; por outro o entendimento de que a importância da democratização cultural, para o exercício da liberdade, para a transformação da vida e a emancipação social, é de tal ordem que ela interessa ao conjunto dos trabalhadores, logo, tem de interessar ao seu partido.

Outro exemplo: a Conferência Nacional do PCP sobre questões económicas e sociais, realizada em Novembro de 2007, não reuniu apenas economistas, sociólogos e outros trabalhadores científicos dessas áreas, mas também militantes desde a base ao topo, passando pelos diferentes níveis de responsabilidade na organização partidária. Neste caso, a razão é se possível ainda mais óbvia : É que as questões aí tratadas são, para um partido como o nosso, grande parte do conteúdo político da nossa acção.

No caso deste Encontro sobre os direitos das mulheres este tipo de amplitude na participação é, por sua vez, a manifestação de uma tese fundamental que o próprio encontro reafirma. A tese de que a emancipação feminina é inseparável da luta de todos os trabalhadores pela sua emancipação, e é por isso do interesse não apenas das mulheres mas de todos os trabalhadores, sejam eles homens ou mulheres. Esta tese não é apenas uma dedução teórica do princípio da luta de classes como princípio de análise histórica das diferentes configurações concretas das sociedades humanas: ela radica numa apreciação da já longa experiência histórica das lutas dos diferentes movimentos de mulheres e da sua proximidade ou distância em relação ao movimento operário, em Portugal ou no mundo. Os trabalhadores não conseguirão emancipar-se plenamente enquanto não realizarem a emancipação das mulheres que, por seu turno, só conseguirão a sua emancipação pelo movimento de integração da sua luta no processo de emancipação social geral dos trabalhadores e de todos os oprimidos. Podemos por isso dizer que a emancipação feminina de todas as formas de exploração e opressão é, ao mesmo tempo, factor e função da emancipação de todos os trabalhadores.

Ora se esta tese é correcta, ela gera especiais responsabilidades para um partido como o PCP que se define como "o partido político do proletariado, o partido da classe operária e de todos os trabalhadores portugueses". Se ela é correcta, ela deve ser assumida não apenas pelas mulheres comunistas mas por todo o partido. É neste quadro, que adquire o seu pleno sentido a participação no encontro do Secretário-Geral do PCP e que ele diga "O nosso Encontro Nacional" e justamente afirme: É mais uma importante iniciativa de um partido que não só está atento aos problemas das mulheres portuguesas, como continua determinado em contribuir com a sua reflexão própria, a sua intervenção e o destacado papel das mulheres comunistas, para ampliar a luta organizada pela sua emancipação. Essa ampliação passa pela participação daqueles indivíduos que ali estão, não apenas representando-se si mesmos, mas à sua experiência de luta nos seus sectores, e cada um deles deve depois ser alguém que, nas organizações de onde provém, transmitirá o que no Encontro aprendeu. Por outro lado, a ampliação não é apenas quantitativa. Realizado num ano em que se realizará um Congresso, este encontro é encarado como um contributo para esse momento da reflexão do colectivo maior. Por isso, ele é um processo que é parte integrante de um processo maior e é, ainda de ampliação que essa integração nos permite falar.

Por outro lado, se este Encontro é um ponto de partida mais do que um ponto de chegada, não se pode dizer que ele parta do zero. De facto , enquanto momento de reflexão sobre a luta das mulheres pelos seus direitos ele é ambém um momento num processo de reflexão que vem detrás. Como o podemos, por exemplo, perceber ao ler o documento de apoio que cita momentos anteriores dessa reflezão. Momentos que hoje estão fixados em publicações também da editorial Avante!: A conferência do PCP. A emancipação da mulher no Portugal de Abril, de 1986; o Seminário A mulher na comunidade local: Raízes, Identidade, Aspirações. As estratégias necessárias, de 1991; As mulheres e o poder loal. Contribuições para a reflexão e a acção, de 2003; e ainda a Resolução política do XVII Congresso do PCP, realizado em 2004. Mas o património de reflexão a partir do qual aqui se trabalha é também um património de princípos e método de análise, um corpo de orientações gerado pelo movimento operário e comunista internacional. Um nome pode e deve aqui ser referido, o nome de Clara Zetkin, de quem as edições Avante!, em colaboração com a Organização das Mulheres Comunistas, publicaram uma antologia de textos, abundantemente comentados, em comemoração dos 150 anos do seu nascimento. De facto não é exagero afirmar que este documento, entre outros referenciais teóricos e metodológicos, que guiam as suas análises, é também inspirado por análises, orientações e formulações dessa dirigente revolucionária internacional que marcou a luta das mulheres e o pensamento e a acção do movimento operário e comunista na luta pela emancipação feminina.

E se este documento de apoio ao encontro cita e incorpora todo esse património de reflexão e acção, deve ainda reconhecer-se que ele cita e trabalha também estudos e trabalhos feitos por outros autores e autoras sobre aspectos e problemas sectoriais dos direitos das mulheres.

O documento parte de um primeiro momento em que recapitula os avanços conseguidos com o 25 de Abril e que depois nos confronta com as consequências de trinta anos de política de direita. Aqui é de sublinhar a ainda hoje impressionante listagem de conquistas e avanços no plano da legislação ordinária e da CRP conseguidos na fase de fluxo revolucionário. A profundidade das transforrmações que então se processam é tal que se projectam mesmo na fase política em que a característica dominante é a da resistência e boicote ao caracter avançado do regime democrático-constitucional. Contudo nas últimas três décadas, a evolução da situação das mulheres no trabalho e na sociedade evidencia o agravamento das injustiças sociais e a continuada perpetuação do "tradicional" ciclo de discriminação em função do sexo, o que pesa sobre a sua situação no trabalho - seja das jovens, seja das que têm um percurso profissional consolidado - e se repercute na vida familiar e na sociedade em geral (29). É a partir da observação rigorosa da realidade que se confirma o laço existente entre a efectivação dos direitos das mulheres e os direitos dos trabalhadores. E o documento tira uma ilação ideológica necessária : A tentativa dos governos de justificar o malogro das suas políticas de igualdade pela persistência das representações sociais de mulheres e de homens, atribuindo à divisão assimétrica do trabalho no seio da família ( esfera privada) as desigualdades das mulheres no trabalho (esfera pública), procura iludir o impacto das políticas económicas e sociais na perpetuação da divisão sexual de papéis na família, no trabalho e na sociedade (31). É à luz da exposição desta mistificação que o documento inventaria alguns dos temas da ofensiva ideológica do discurso dominante que visam mistificar as razões da situação das mulheres, constitui-las num conjunto socialmente homogéneo, que de facto não são, isolá-las da luta dos trabalhadores e conduzi-las para falsas soluções e becos sem saída.

Em seguida, o documento analisa a situação actual em resultado da política do governo de José Sócrates no campo da saúde, da segurança social e da educação, assim como as consequências da privatização dos serviços sociais e das falsas promessas de apoio à maternidade e à família. O documento denuncia o conjunto de propostas de alteração para pior do Código de Trabalho, que constitui um inaceítável retrocesso júrídico-político e se for aprovado e aplicado um enorme retrocesso social de natureza civilizacional, um instrumento de guerra de classe contra o conjunto dos trabalhadores e em particular as mulheres trabalhadoras. De forma igualmente pertinente, o documento denuncia o projecto de tratado da União Europeia, o chamado Tratado de Lisboa, pelo modo como empobrece a democracia e fragiliza direitos, não acolhendo direitos fundamentais, consagrados na CRP, como o direito ao trabalho, a proibição de depedimentos sem justa causa, assim como os direitos sexuais e reprodutivos, consagrados na legislação portuguesa.

Os três capítulos finais têm por objecto a análise da acção e da luta das mulheres e das suas organizações, a consideração dessa luta no quadro da luta de classes e o papel insubstituível desempenhado e a deseempenhar pelo PCP.

O apelo do Encontro, "Com o PCP dar mais força à luta da mulheres", tem significativamente a forma de um compromisso de todas as mulheres e homens comunistas em torno de objectivos imediatos de luta. Um compromisso que, no quadro da luta de classes, liga esses objectivos imediatos à esperança longa e activa na emancipação, que o PCP protagoniza e, assim, projecta Abril em direcção ao futuro, em direcção ao socialismo, em direcção à conquista do direito das mulheres à igualdade real.

Terminarei, citando 2 parágrafos da secção final do documento de apoio:

O ideal comunista, considerando que "o grau de emancipação da mulher é a medida natural do grau de emancipação geral" e que o desenvolvimento de cada um é a condição do desenvolvimento de todos", liga de forma indissolúvel a emancipação da mulher à luta por profundas transformações sociais, à luta pela liquidação da sociedade capitalista, em que a riqueza de uns se acumula à custa da exploração e opressão de outros seres humanos (72).

Para o PCP, a emancipação efectiva da mulher é, portanto, inseparável do combate ao capitalismo e da luta pelo socialismo. Na fase actual da vida no nosso país, a luta emancipadora das mulheres é ineparável do combate às políticas de direita, à defesa das conquistas de Abril, ao aprofundamento do regime democrático como parte integrante da luta pelo socialismo. (id.ibid.)

E, do mesmo modo que a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores, a emancipação das mulheres deve ser obra das próprias mulheres (id.ibid.).

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