Artigo de V.I. Lénine

Karl Marx

(Breve nota biográfica com uma exposição do marxismo) 1

Prefácio

O artigo sobre Karl Marx, que agora aparece impresso em separado, foi por mim escrito em 1913 (se bem me lembro) para o dicionário Granat. No final do artigo, inseria-se uma bibliografia bastante pormenorizada acerca de Marx, sobretudo de publicações estrangeiras. Não foi incluída na presente edição. Além disso, a redacção do dicionário, por seu lado, devido à censura, suprimiu o final do artigo sobre Marx, onde se expunha a sua táctica revolucionária. Infelizmente, é-me impossível reproduzir aqui esse final, pois o rascunho ficou entre os meus papéis, em Cracóvia ou na Suíça. Lembro-me apenas que aí citava, entre outras coisas, a passagem da carta de Marx a Engels datada de 16.IV.1856 em que Marx escrevia: «Tudo na Alemanha dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária por uma espécie de segunda edição da guerra dos camponeses. Então a coisa será óptima.»2 É isto que não compreenderam, em 1905, os nossos mencheviques3, que desceram agora até à traição completa ao socialismo, até à passagem para o lado da burguesia.

Moscovo, 14.V.1918.

N. Lénine

Karl Marx nasceu em 5 de Maio de 1818 em Trier (Prússia renana). O pai, advogado, israelita, converteu-se em 1824 ao protestantismo. A família, abastada e culta, não era revolucionária. Depois de ter terminado os seus estudos no liceu de Trier, Marx entrou na Universidade de Bona e depois na de Berlim; aí estudou direito e sobretudo história e filosofia. Em 1841 terminava o curso defendendo uma tese de doutoramento sobre a filosofia de Epicuro. Eram, então, as concepções de Marx as de um idealista hegeliano. Em Berlim, aderiu ao círculo dos «hegelianos de esquerda»4(Bruno Bauer e outros5) que procuravam tirar da filosofia de Hegel6 conclusões ateias e revolucionárias.

Ao sair da Universidade, Marx fixou-se em Bona, onde contava tornar-se professor. Mas a política reaccionária de um governo que, em 1832, tinha tirado a Ludwig Feuerbach a sua cadeira de professor, recusando-lhe novamente o acesso à Universidade em 1836, e que em 1841 proibira o jovem professor Bruno Bauer de fazer conferências em Bona, obrigou Marx a renunciar a uma carreira universitária. Nessa época, o desenvolvimento das ideias do hegelianismo de esquerda fazia, na Alemanha, rápidos progressos. A partir sobretudo de 1836, Ludwig Feuerbach começa a criticar a teologia e a orientar-se para o materialismo, a que, em 1841, adere completamente (A Essência do Cristianismo); em 1843 aparecem os seus Princípios da Filosofia do Futuro. «É preciso [...] ter vivido a influência libertadora» desses livros, escreveu mais tarde Engels, a propósito destas obras de Feuerbach7. «Nós» (isto é, os hegelianos de esquerda, entre eles Marx) «fomos todos momentaneamente feuerbachianos.»8 Nessa altura os burgueses radicais da Renânia, que tinham certos pontos de contacto com os hegelianos de esquerda, fundaram em Colónia um jornal de oposição, a Gazeta Renana9 (que apareceu a partir de 1 de Janeiro de 1842). Marx e Bruno Bauer foram os seus principais colaboradores e, em Outubro de 1842, Marx tornou-se o redactor-chefe, mudando-se então de Bona para Colónia. Sob a direcção de Marx, a tendência democrática revolucionária do jornal acentuou-se cada vez mais e o governo começou por submetê-lo a uma dupla e mesmo tripla censura e acabou por ordenar a sua suspensão completa a partir de 1 de Janeiro de 1843. Por essa altura, Marx viu-se obrigado a deixar o seu posto de redactor, mas a sua saída não salvou o jornal, que foi proibido em Março de 1843. Entre os artigos mais importantes que Marx publicou na Gazeta Renana, além dos que indicamos mais adiante (ver Bibliografia10), Engels cita um sobre a situação dos vinhateiros do vale do Mosela11. A sua actividade de jornalista tinha feito compreender a Marx que os seus conhecimentos de economia política eram insuficientes e por isso lançou-se a estudá-la com ardor.

Em 1843, Marx casou-se, em Kreuznach, com Jenny von Westphalen, amiga de infância, de quem já era noivo desde o tempo de estudante. A sua mulher pertencia a uma família nobre e reaccionária da Prússia. O irmão mais velho de Jenny von Westphalen foi ministro do Interior na Prússia numa das épocas mais reaccionárias, de 1850 a 1858. No Outono de 1843, Marx foi para Paris para editar no estrangeiro uma revista radical em colaboração com Arnold Ruge (1802-1880; hegeliano de esquerda, preso de 1825 a 1830; emigrado depois de 1848 e partidário de Bismarck depois de 1866-1870). Mas só apareceu o primeiro fascículo desta revista, intitulada Anais Franco-Alemães12, que teve de ser suspensa por causa das dificuldades com a sua difusão clandestina na Alemanha e de divergências com Ruge. Nos artigos de Marx publicados pela revista, ele aparece-nos já como um revolucionário que proclama «a crítica implacável de todo o existente» e, em particular, «a crítica das armas»13 e apela para as massas e o proletariado.

Em Setembro de 1844, Friedrich Engels esteve em Paris por uns dias, e desde então tornou-se o amigo mais íntimo de Marx. Ambos tomaram uma parte muito activa na vida agitada da época dos grupos revolucionários de Paris (especial importância assumia então a doutrina de Proudhon14, que Marx submeteu a uma crítica impiedosa na sua obra Miséria da Filosofia, publicada em 184715 e, numa árdua luta contra as diversas doutrinas do socialismo pequeno-burguês, elaboraram a teoria e a táctica do socialismo proletário revolucionário ou comunismo (marxismo). Vejam-se as obras de Marx desta época, 1844-1848, mais adiante na Bibliografia. Em 1845, a pedido do governo prussiano, Marx foi expulso de Paris como revolucionário perigoso. Foi para Bruxelas, onde fixou residência. Na Primavera de 1847, Marx e Engels filiaram-se numa sociedade secreta de propaganda, a Liga dos Comunistas16, tiveram papel destacado no II Congresso desta Liga (Londres, Novembro de 1847) e por incumbência do Congresso redigiram o célebre Manifesto do Partido Comunista17, publicado em Fevereiro de 1848. Esta obra expõe, com uma clareza e um vigor geniais, a nova concepção do mundo, o materialismo consequente aplicado também ao domínio da vida social, a dialéctica como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário histórico universal do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista.

Quando eclodiu a revolução de Fevereiro de 184818, Marx foi expulso da Bélgica. Regressou novamente a Paris, que deixou depois da revolução de Março19 para voltar à Alemanha e fixar-se em Colónia. Foi aí que apareceu, de 1 de Junho de 1848 até 19 de Maio de 1849, a Nova Gazeta Renana20, de que Marx foi o redactor-chefe. A nova teoria foi brilhantemente confirmada pelo curso dos acontecimentos revolucionários de 1848-1849 e posteriormente por todos os movimentos proletários e democráticos em todos os países do mundo. A contra-revolução vitoriosa arrastou Marx ao tribunal (foi absolvido em 9 de Fevereiro de 1849) e depois expulsou-o da Alemanha (em 16 de Maio de 1849). Voltou então para Paris, de onde foi igualmente expulso após a manifestação de 13 de Junho de 184921, e partiu depois para Londres, onde viveu até ao fim dos seus dias.

As condições desta vida de emigração eram extremamente penosas, como o revela com particular vivacidade a correspondência entre Marx e Engels (editada em 1913). Marx e a família viviam literalmente esmagados pela miséria; sem o apoio financeiro constante e dedicado de Engels, Marx não só não teria podido acabar O Capital como teria fatalmente sucumbido à miséria. Além disso, as doutrinas e as correntes predominantes do socialismo pequeno-burguês, do socialismo não proletário em geral, obrigavam Marx a sustentar uma luta implacável, incessante e, por vezes, a defender-se mesmo dos ataques pessoais mais furiosos e mais absurdos (Herr Vogt)22. Conservando-se à margem dos círculos de emigrados, Marx desenvolveu numa série de trabalhos históricos (ver Bibliografia) a sua teoria materialista, dedicando-se sobretudo ao estudo da economia política. Revolucionou esta ciência (ver a seguir o capítulo acerca da doutrina de Marx), nas suas obras Para a Crítica da Economia Política (1859) e O Capital (t. I, 1867)23.

A época da reanimação dos movimentos democráticos, no final dos anos 50 e nos anos 60, levou Marx a voltar ao trabalho prático. Foi em 1864 (em 28 de Setembro) que se fundou em Londres a célebre I Internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores. Marx foi a sua alma, sendo o autor do primeiro «Apelo»24 e de um grande número de resoluções, declarações e manifestos. Unindo o movimento operário dos diversos países, procurando orientar numa via de actividade comum as diferentes formas do socialismo não proletário, pré-marxista (Mazzini25, Proudhon, Bakúnine26, o trade-unionismo liberal inglês, as oscilações dos lassallianos27 para a direita na Alemanha, etc.), combatendo as teorias de todas estas seitas e escolas, Marx foi forjando uma táctica única para a luta proletária da classe operária nos diversos países. Depois da queda da Comuna de Paris (1871) — a qual Marx analisou (em A Guerra Civil em França, 187128) de uma maneira tão penetrante, tão justa, tão brilhante, tão eficaz e revolucionária — e depois da cisão provocada pelos bakuninistas29, a Internacional não pôde continuar a subsistir na Europa. Depois do Congresso de 1872 em Haia, Marx conseguiu a transferência do Conselho Geral da Internacional para Nova Iorque. A I Internacional tinha cumprido a sua missão histórica e dava lugar a uma época de crescimento infinitamente maior do movimento operário em todos os países do mundo, caracterizada pelo seu desenvolvimento em extensão, pela formação de partidos socialistas operários de massas no quadro dos diversos Estados nacionais.

A sua actividade intensa na Internacional e os seus trabalhos teóricos, que exigiam esforços ainda maiores, abalaram definitivamente a saúde de Marx. Prosseguiu a sua obra de transformação da economia política e de acabamento de O Capital, reunindo uma massa de documentos novos e estudando várias línguas (o russo, por exemplo), mas a doença impediu-o de terminar O Capital.

A 2 de Dezembro de 1881, morre a sua mulher. A 14 de Março de 1883, Marx adormecia pacificamente, na sua poltrona, para o último sono. Foi enterrado junto da sua mulher no cemitério de Highgate, em Londres. Vários filhos de Marx morreram muito jovens, em Londres, quando a família atravessava uma grande miséria. Três das suas filhas casaram com socialistas ingleses e franceses: Eleanor Aveling, Laura Lafargue e Jenny Longuet; um dos filhos desta última é membro do Partido Socialista Francês.

A doutrina de Marx

O marxismo é o sistema das ideias e da doutrina de Marx. Marx continuou e desenvolveu plena e genialmente as três principais correntes ideológicas do século XIX, nos três países mais avançados da humanidade: a filosofia clássica alemã, a economia política clássica inglesa e o socialismo francês, em ligação com as doutrinas revolucionárias francesas em geral. O carácter notavelmente coerente e integral das suas ideias, reconhecido pelos próprios adversários — e que, no seu conjunto, constituem o materialismo moderno e o socialismo científico moderno como teoria e programa do movimento operário de todos os países civilizados —, obriga-nos a fazer preceder a exposição do conteúdo essencial do marxismo, a doutrina económica de Marx, de um breve resumo da sua concepção do mundo em geral.

O materialismo filosófico

Desde 1844-1845, época em que se formaram as suas ideias, Marx foi materialista; foi, em particular, partidário de L. Feuerbach, cujo único lado fraco foi para ele, mesmo mais tarde, a falta de coerência e de universalidade do seu materialismo. Marx via a importância histórica mundial de Feuerbach, que «fez época», precisamente na sua ruptura decisiva com o idealismo de Hegel e na sua afirmação do materialismo, que já desde «o século XVIII e nomeadamente em França não foi apenas uma luta contra as instituições políticas existentes, assim como contra a religião e a teologia existentes, mas também... contra toda a metafísica» (tomada no sentido de «especulação ébria» por oposição a uma «filosofia sóbria») (A Sagrada Família30, no Literairischer Nachlass). «Para Hegel», escrevia Marx, «o processo do pensamento — que ele transforma mesmo num sujeito autónomo sob o nome de Ideia — é o demiurgo (o criador) do real... Para mim, inversamente, o ideal não é senão o material transposto e traduzido na cabeça do homem.» (O Capital, I, posfácio à segunda edição31.) Perfeitamente de acordo com a filosofia materialista de Marx, F. Engels, expondo-a no Anti-Dühring (ver), que Marx lera ainda em manuscrito, escrevia: «A unidade do mundo não consiste no seu ser... A unidade real do mundo consiste na sua materialidade e esta é demonstrada... por um longo e laborioso desenvolvimento da filosofia e da ciência da natureza... O movimento é o modo de existência da matéria. Nunca e em parte alguma houve nem poderá haver matéria sem movimento... Matéria sem movimento é tão impensável como movimento sem matéria... Mas, se se pergunta, depois disso, o que são o pensar e a consciência, e donde provêm, conclui-se que são produtos do cérebro humano e que o próprio homem é um produto da natureza, que se desenvolveu no seu ambiente e com ele; daí se compreende por si só que os produtos do cérebro humano que, em última instância, são igualmente produtos da natureza, não estão em contradição, mas sim em correspondência com a restante conexão da natureza.» «Hegel era idealista, isto é, para ele, os pensamentos da sua cabeça não eram reflexos (Abbilder, por vezes Engels fala de «reproduções») mais ou menos abstractos das coisas e processos reais, mas, inversamente, as coisas e o seu desenvolvimento eram os reflexos realizados da ideia, que já existia antes do mundo, algures.» No seu Ludwig Feuerbach, livro onde expõe as suas ideias e as de Marx sobre a filosofia de Feuerbach e que só mandou imprimir depois de ter lido uma vez mais o velho manuscrito de 1844-1845, escrito em colaboração com Marx, sobre Hegel, Feuerbach e a concepção materialista da história, Engels escreve: «A grande questão fundamental de toda a filosofia, especialmente da moderna, é a da relação de pensar e ser, do espírito com a natureza... Qual é o originário: o espírito ou a natureza?... Conforme respondiam de uma maneira ou de outra a esta questão, os filósofos dividiam-se em dois grandes campos. Aqueles que afirmavam a originalidade do espírito face à natureza e que, por conseguinte, admitiam, em última instância, uma criação do mundo de qualquer espécie... formavam o campo do idealismo. Os outros, que viam a natureza como originário, pertencem às diversas escolas do materialismo.»32 Qualquer outro emprego dos conceitos de idealismo e de materialismo (no sentido filosófico) não faz mais do que criar a confusão. Marx repudiou categoricamente não apenas o idealismo, sempre ligado, de uma maneira ou de outra, à religião, mas também o ponto de vista, particularmente difundido nos nossos dias, de Hume33 e de Kant34, o agnosticismo, o criticismo, o positivismo35 sob os seus diferentes aspectos, considerando esse género de filosofia como uma concessão «reaccionária» ao idealismo, e, no melhor dos casos, «uma maneira envergonhada de aceitar o materialismo às escondidas, renegando-o perante o mundo». A este respeito, é bom consultar, além das já citadas obras de Marx e Engels, a carta de Marx a Engels, datada de 12 de Dezembro de 1866, em que, falando de uma intervenção do célebre naturalista T. Huxley36, que se mostrou «mais materialista» do que habitualmente e reconheceu que «enquanto observamos e pensamos realmente nunca podemos sair do materialismo», Marx o critica por ter «aberto uma porta de saída» para o agnosticismo e para a teoria de Hume. É importante sobretudo reter a opinião de Marx sobre as relações entre a liberdade e a necessidade: «A necessidade só é cega enquanto não é compreendida. A liberdade é a inteligência da necessidade.» (Engels, Anti-Dühring.) É o reconhecimento das leis objectivas que regem a natureza e da transformação dialéctica da necessidade em liberdade (da mesma maneira que a transformação da «coisa em si», não conhecida mas cognoscível, em «coisa para nós», da «essência das coisas» em «fenómenos»). O defeito essencial do «velho» materialismo, incluindo o de Feuerbach (e, com mais forte razão, o do materialismo «vulgar» de Büchner-Vogt-Moleschott37, era para Marx e Engels: 1 — que este materialismo era «predominantemente mecanicista» e não tomava em conta os progressos mais recentes da química e da biologia (actualmente conviria acrescentar ainda a teoria eléctrica da matéria); 2 — que o velho materialismo não tinha um carácter histórico nem dialéctico (sendo pelo contrário metafísico, no sentido de antidialéctico) e não aplicava a concepção do desenvolvimento de forma consequente e sob todos os seus aspectos; 3 — que concebia a «essência humana» como uma abstracção e não como o «conjunto das relações sociais» (concretamente determinadas pela história), não fazendo assim mais do que «interpretar» o mundo, enquanto aquilo de que se tratava era de o «transformar», ou, por outras palavras, não compreendia a importância da «actividade revolucionária, da actividade prática»38.

A dialéctica

Marx e Engels viam na dialéctica de Hegel a doutrina do desenvolvimento mais vasta, mais rica de conteúdo e mais profunda, a maior aquisição da filosofia clássica alemã. Consideravam qualquer outro enunciado do princípio do desenvolvimento, da evolução, unilateral, pobre, que mutilava e deturpava a marcha real do desenvolvimento (marcha que muitas vezes se efectua através de saltos, catástrofes, revoluções) na natureza e na sociedade. «Marx e eu fomos seguramente quase os únicos que procurámos salvar» (do descalabro do idealismo, incluindo o hegelianismo) «a dialéctica consciente, para a integrar na concepção materialista da natureza.» «A natureza é a comprovação da dialéctica, e temos de dizer que a ciência moderna da natureza nos forneceu materiais extremamente numerosos» (e isto foi escrito antes da descoberta do rádio, dos electrões, da transformação dos elementos, etc.!), «cujo volume aumenta dia a dia, provando assim que, em última instância, na natureza as coisas se passam dialecticamente, e não metafisicamente.»39

«O grande pensamento fundamental», escreve Engels, «segundo o qual o mundo não é de apreender como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, aparentemente estáveis, bem como os seus reflexos mentais na nossa cabeça, os conceitos, passam por uma ininterrupta transformação de surgir e de perecimento, este grande pensamento fundamental penetrou, desde Hegel, tão profundamente na consciência corrente que, nesta generalidade, quase já não encontra contradição. Mas reconhecê-lo em palavras e aplicá-lo na realidade, em pormenor, em cada domínio submetido à investigação, são duas coisas diferentes.»40 «Perante ela» (a filosofia dialéctica) «nada há de definitivo, de absoluto, de sagrado; ela mostra a caducidade de tudo e em tudo e para ela nada mais existe senão o processo ininterrupto de surgir e de perecimento, da ascensão sem fim do inferior para o superior, de que ela própria não é senão o mero reflexo no cérebro pensante.»41 Portanto, para Marx, a dialéctica é «ciência das leis gerais do movimento tanto do mundo exterior como do pensar humano»42.

Foi este aspecto revolucionário da filosofia de Hegel que Marx adoptou e desenvolveu. O materialismo dialéctico «não precisa de nenhuma filosofia colocada acima das outras ciências». A única coisa que resta da filosofia anterior é «a teoria do pensar e das suas leis, a lógica formal e a dialéctica»43. E a dialéctica compreende, na concepção de Marx, como na de Hegel, o que hoje se chama a teoria do conhecimento, ou gnosiologia, ciência que deve considerar o seu objecto também historicamente, estudando e generalizando a origem e o desenvolvimento do conhecimento, a passagem do não conhecimento ao conhecimento.

Actualmente a ideia do desenvolvimento, da evolução, penetrou quase completamente na consciência social, mas por outra via que não a da filosofia de Hegel. No entanto, esta ideia, tal como a formularam Marx e Engels, apoiando-se em Hegel, é muito mais vasta e rica de conteúdo do que a ideia corrente da evolução. É um desenvolvimento que parece repetir etapas já percorridas, mas sob outra forma, numa base mais elevada («negação da negação»); um desenvolvimento por assim dizer em espiral, e não em linha recta; um desenvolvimento por saltos, por catástrofes, por revoluções; «soluções de continuidade»; transformações da quantidade em qualidade; impulsos internos do desenvolvimento, provocados pela contradição, pelo choque de forças e tendências distintas agindo sobre determinado corpo, no quadro de um determinado fenómeno ou no seio de uma determinada sociedade; interdependência e ligação estreita, indissolúvel, de todos os aspectos de cada fenómeno (com a particularidade de que a história faz constantemente aparecer novos aspectos), ligação que mostra um processo único universal do movimento, regido por leis; tais são certos traços da dialéctica, dessa doutrina do desenvolvimento mais rica de conteúdo do que a doutrina usual. (Ver a carta de Marx a Engels de 8 de Janeiro de 1868, onde ridiculariza as «tricotomias rígidas» de Stein, que seria absurdo confundir com a dialéctica materialista.)

A concepção materialista da História

Dando-se conta do carácter inconsequente, incompleto e unilateral do velho materialismo, Marx foi levado à convicção de que era preciso «pôr a ciência da sociedade de acordo com a base materialista e reconstruir esta ciência a partir dessa base»44. Se, de uma forma geral, o materialismo explica a consciência pelo ser, e não ao contrário, ele exige, quando aplicado à vida social da humanidade, que se explique a consciência social pelo ser social. «A tecnologia», diz Marx (O Capital, I), «revela o comportamento activo do homem para com a natureza, o processo imediato da produção da sua vida e, por conseguinte, das suas condições sociais de vida e das representações espirituais que delas brotam.»45 Uma formulação completa das teses fundamentais do materialismo aplicado à sociedade humana e à sua história é dada por Marx no prefácio à sua obra Para a Crítica da Economia Política, nestes termos:

«Na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superstrutura. Na consideração de tais revolucionamentos tem de se distinguir sempre entre o revolucionamento material nas condições económicas da produção, o qual é constatável rigorosamente como nas ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, ideológicas, em que os homens ganham consciência deste conflito e o resolvem. Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si próprio, tão-pouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento a partir da sua consciência, mas se tem, isso sim, de explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, do conflito existente entre forças produtivas e relações de produção sociais.» «Nas suas grandes linhas, os modos de produção asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês podem ser designados como épocas progressivas da formação económica e social.»46 (Ver a fórmula sucinta que Marx dá na sua carta a Engels datada de 7 de Julho de 1866: «A nossa teoria da determinação da organização do trabalho pelos meios de produção.»)

A descoberta da concepção materialista da história ou, mais exactamente, a aplicação, a extensão consequente do materialismo ao domínio dos fenómenos sociais eliminou os dois defeitos essenciais das teorias da história anteriores a Marx. Em primeiro lugar, estas consideravam, no melhor dos casos, os móbiles ideológicos da actividade histórica dos homens, sem investigar a origem desses móbiles, sem apreender as leis objectivas que presidem ao desenvolvimento do sistema das relações sociais e sem descobrir as raízes dessas relações no grau de desenvolvimento da produção material; em segundo lugar, as teorias anteriores não abarcavam precisamente a acção das massas da população, enquanto o materialismo histórico permite, pela primeira vez, estudar com a precisão das ciências naturais as condições sociais da vida das massas e as modificações dessas condições. A «sociologia» e a historiografia anteriores a Marx, no melhor dos casos, acumularam factos em bruto, fragmentariamente recolhidos, e expuseram alguns aspectos do processo histórico. O marxismo abriu caminho ao estudo universal e completo do processo do nascimento, desenvolvimento e declínio das formações económico-sociais, examinando o conjunto das tendências contraditórias, ligando-as às condições de existência e de produção, exactamente determináveis, das diversas classes da sociedade, afastando o subjectivismo e o arbítrio na selecção das diversas ideias «dominantes» ou na sua interpretação, revelando as raízes de todas as ideias e todas as diferentes tendências, sem excepção, no estado das forças produtivas materiais. Os homens são os artífices da sua própria história, mas que causas determinam os móbiles dos homens e, mais precisamente, das massas humanas? Qual é a causa dos conflitos de ideias e aspirações contraditórias? Que representa o conjunto destes conflitos na massa das sociedades humanas? Quais são as condições objectivas da produção da vida material nas quais se baseia toda a actividade histórica dos homens? Qual é a lei que preside ao desenvolvimento destas condições? Marx fez incidir a sua atenção sobre todos estes problemas e traçou o caminho para o estudo científico da história concebida como um processo único regido por leis, apesar da sua prodigiosa variedade de aspectos e de todas as suas contradições.

A luta de classes

Toda a gente sabe que, em qualquer sociedade, as aspirações de uns contrariam as de outros, que a vida social está cheia de contradições, que a história nos mostra a luta entre povos e sociedades, assim como no seu próprio seio; que ela nos mostra, além disso, uma sucessão de períodos de revolução e de reacção, de paz e de guerra, de estagnação e de progresso rápido ou de decadência. O marxismo deu o fio condutor que, neste labirinto, neste caos aparente, permite descobrir a existência de leis: a teoria da luta de classes. Só o estudo do conjunto das aspirações de todos os membros de uma sociedade ou de um grupo de sociedades permite definir, com uma precisão científica, o resultado destas aspirações. Ora, as aspirações contraditórias nascem da diferença de situação e de condições de vida das classes em que se divide qualquer sociedade. «A história de toda a sociedade até aqui», escreve Marx no Manifesto do Partido Comunista (exceptuando a história da comunidade primitiva, acrescentaria Engels mais tarde), «é a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burgueses de corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns com os outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta, ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou com o declínio comum das classes em luta... A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classe. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações da luta, no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classe. A sociedade toda cinde-se, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que directamente se enfrentam: burguesia e proletariado.»47 Após a grande revolução francesa, a história da Europa, em muitos países, revela com particular evidência o verdadeiro fundo dos acontecimentos, a luta de classes. Já na época da Restauração48 se vê aparecer em França um certo número de historiadores (Thierry49, Guizot50, Mignet51, Thiers52) que, sintetizando os acontecimentos, não puderam deixar de reconhecer que a luta de classes é a chave para a compreensão de toda a história francesa. Ora, a época contemporânea, a época da vitória completa da burguesia, das instituições representativas, do sufrágio amplo (quando não universal), da imprensa diária barata e que chega às massas, etc., a época das associações operárias e patronais poderosas e cada vez mais vastas, etc., mostra com mais evidência ainda (embora, por vezes, sob uma forma unilateral, «pacífica», «constitucional») que a luta de classes é o motor dos acontecimentos. A seguinte passagem do Manifesto do Partido Comunista mostra-nos o que Marx exigia da ciência social para a análise objectiva da situação de cada classe no seio da sociedade moderna, em ligação com a análise das condições do desenvolvimento de cada classe: «De todas as classes que hoje em dia defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As demais classes vão-se arruinando e soçobram com a grande indústria; o proletariado é o produto mais característico desta. Os estados médios — o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês —, todos eles combatem a burguesia para assegurar, face ao declínio, a sua existência como estados médios. Não são, pois, revolucionários, mas conservadores. Mais ainda, são reaccionários, procuram fazer andar para trás a roda da história. Se são revolucionários, são-no apenas à luz da sua iminente passagem para o proletariado, e assim não defendem os seus interesses presentes, mas os futuros, e assim abandonam a sua posição própria para se colocarem na do proletariado.»53 Em numerosas obras históricas (ver Bibliografia), Marx deu exemplos brilhantes e profundos de historiografia materialista, de análise da situação de cada classe particular, e, por vezes, dos diversos grupos ou camadas no seio de uma classe, mostrando, até à evidência, porque e como «todas as lutas de classes são lutas políticas». A passagem que acabamos de citar ilustra claramente como é complexa a rede das relações sociais e dos graus transitórios de uma classe para outra, do passado para o futuro, que Marx analisa para determinar a resultante do desenvolvimento histórico.

A teoria de Marx encontra a sua confirmação e aplicação mais profunda, mais completa e mais pormenorizada na sua doutrina económica.

A doutrina económica de Marx

«[...] o fim último desta obra», diz Marx no seu prefácio a O Capital, «é desvendar a lei económica do movimento da sociedade moderna»54, isto é, da sociedade capitalista, da sociedade burguesa. O estudo das relações de produção de uma sociedade historicamente determinada e concreta no seu nascimento, desenvolvimento e declínio, tal é o conteúdo da doutrina económica de Marx. O que domina na sociedade capitalista é a produção de mercadorias; por isso a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.

O valor

A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma qualquer necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. O valor de troca (ou simplesmente o valor) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra um certo número de valores de uso de outra espécie. A experiência quotidiana mostra-nos que, através de milhões, de milhares de milhões de trocas deste tipo se comparam incessantemente os valores de uso mais diversos e mais díspares. Que há de comum entre estas coisas diferentes, que são tornadas constantemente equivalentes num determinado sistema de relações sociais? O que elas têm de comum é serem produtos do trabalho. Trocando os seus produtos, os homens criam relações de equivalência entre os mais diferentes géneros de trabalho. A produção das mercadorias é um sistema de relações sociais no qual os diversos produtores criam produtos variados (divisão social do trabalho) e em que todos estes produtos se equiparam uns aos outros na troca. Por conseguinte, o que é comum a todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção determinado, não é um trabalho de um género particular, mas o trabalho humano abstracto, o trabalho humano em geral. Numa dada sociedade, toda a força de trabalho representada pela soma dos valores de todas as mercadorias constitui uma só e mesma força de trabalho humano; milhares de milhões de actos de troca o demonstram. Cada mercadoria considerada isoladamente não representa portanto senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria, de determinado valor de uso. «[...] na medida em que, na troca, igualam entre si os seus produtos de diversa espécie como valores, eles igualam entre si os seus diversos trabalhos como trabalho humano. Eles não o sabem, mas fazem-no.»55 O valor é uma relação entre duas pessoas, disse um velho economista; mas deveria acrescentar: uma relação entre pessoas escondida sob a envoltura das coisas. Só partindo do sistema de relações sociais de produção de uma formação histórica determinada, relações que se manifestam na troca, fenómeno generalizado que se repete milhares de milhões de vezes, é que se pode compreender o que é o valor. «Como valores, todas as mercadorias são apenas quantidades determinadas de tempo de trabalho cristalizado.»56 Depois de uma análise detalhada do duplo carácter do trabalho incorporado nas mercadorias, Marx passa à análise da forma do valor e do dinheiro. A principal tarefa que Marx se atribui é investigar a origem da forma dinheiro do valor, estudar o processo histórico do desenvolvimento da troca, começando pelos actos de troca particulares e fortuitos («forma simples, singular ou acidental do valor»: uma quantidade determinada de uma mercadoria é trocada por uma quantidade determinada de outra mercadoria), para passar à forma geral do valor, quando várias mercadorias diferentes são trocadas por outra mercadoria determinada e concreta, sempre a mesma, e acabar na forma dinheiro do valor, quando o ouro se torna esta mercadoria determinada, o equivalente geral. Produto supremo do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias, o dinheiro encobre e dissimula o carácter social dos trabalhos parciais, a ligação social entre os diversos produtores unidos uns aos outros pelo mercado. Marx submete a uma análise extremamente minuciosa as diversas funções do dinheiro, e é especialmente importante notar que também aqui (como nos primeiros capítulos de O Capital) a forma abstracta de exposição que, por vezes, parece puramente dedutiva, reproduz na realidade uma documentação imensamente rica sobre a história do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias. «[...] o [.] dinheiro pressupõe um certo nível da troca de mercadorias. As formas-dinheiro particulares — mero equivalente de mercadorias, ou meio de circulação ou meio de pagamento, tesouro e dinheiro mundial — apontam para estádios muito diversos do processo social de produção, segundo o diverso âmbito e a relativa preponderância de uma ou de outra função.» (O Capital, I.57).

A mais-valia

Num certo grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) - D (dinheiro) - M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D-M-D, isto é, compra para a venda (com lucro). É a este acréscimo do valor primitivo do dinheiro posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este «acréscimo» do dinheiro na circulação capitalista é um facto conhecido de todos. É precisamente este «acréscimo» que transforma o dinheiro em capital, ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada. A mais-valia não pode provir da circulação das mercadorias, porque esta só conhece a troca de equivalentes, nem tão-pouco pode provir de um aumento dos preços porque as perdas e os lucros recíprocos dos compradores e dos vendedores equilibrar-se-iam; trata-se de um fenómeno social médio, generalizado, e não de um fenómeno individual. Para obter a mais-valia o «possuidor de dinheiro teria de ser tão feliz a ponto de descobrir, dentro da esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo próprio valor de uso possuísse a qualidade própria de ser fonte de valor»58, uma mercadoria cujo processo de consumo fosse, ao mesmo tempo, um processo de criação de valor. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana. O seu uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a força de trabalho pelo seu valor, que, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção (isto é, pelo custo da manutenção do operário e da sua família). Tendo comprado a força de trabalho, o possuidor do dinheiro fica com o direito de a consumir, isto é, de a obrigar a trabalhar durante um dia inteiro, suponhamos durante doze horas. Mas em seis horas (tempo de trabalho «necessário»), o operário cria um produto que cobre as despesas da sua manutenção, e durante as outras seis horas (tempo de trabalho «suplementar»), cria um «sobreproduto» não retribuído pelo capitalista, que constitui a mais-valia. Por conseguinte, do ponto de vista do processo de produção é necessário distinguir duas partes do capital: o capital constante, investido nos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas, etc.), cujo valor passa sem modificação (de uma só vez ou por partes) para o produto acabado, e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho. O valor deste capital não se conserva invariável; antes aumenta no processo do trabalho, criando mais-valia. Assim, para exprimir o grau de exploração da força de trabalho pelo capital temos de comparar a mais-valia não com o capital total, mas unicamente com o capital variável. A taxa de mais-valia, nome dado por Marx a essa relação, seria, no nosso exemplo, de 6/6 ou de 100%.

A condição histórica para o aparecimento do capital reside, em primeiro lugar, na acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mãos de certas pessoas num estádio de desenvolvimento da produção de mercadorias em geral já relativamente elevado; em segundo lugar, na existência de operários «livres» sob dois aspectos - livres de quaisquer entraves ou restrições para venderem a sua força de trabalho, e livres por não terem terras nem meios de produção em geral -, de operários sem qualquer propriedade, de operários-«proletários» que não podem subsistir senão vendendo a sua força de trabalho.

O aumento da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento da jornada de trabalho («mais-valia absoluta») e a redução do tempo de trabalho necessário («mais-valia relativa»). Marx, analisando o primeiro processo, traça um quadro grandioso da luta da classe operária pela redução da jornada de trabalho e da intervenção do poder de Estado primeiro para a prolongar (séculos XIV a XVII) e depois para a diminuir (legislação fabril do século XIX). Depois da publicação de O Capital, a história do movimento operário, em todos os países civilizados do mundo, forneceu milhares e milhares de novos factos que ilustram esse quadro.

Na sua análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas históricas fundamentais no processo de intensificação da produtividade do trabalho pelo capitalismo: 1 - cooperação simples; 2 - a divisão do trabalho e a manufactura; 3 - as máquinas e a grande indústria. A profundidade com que a análise de Marx revela os traços fundamentais e típicos do desenvolvimento do capitalismo aparece, entre outras coisas, no facto de o estudo da chamada indústria artesanal russa fornecer materiais muito abundantes para ilustrar as duas primeiras dessas três etapas. Quanto à acção revolucionadora da grande indústria mecanizada, descrita por Marx em 1867, manifestou-se, durante o meio século decorrido desde então, em vários países «novos» (Rússia, Japão, etc.).

Continuemos. O que há de novo e extremamente importante em Marx é a análise da acumulação do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais ou os caprichos do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx assinalou o erro de toda a economia política clássica anterior (desde Adam Smith59), segundo a qual toda a mais-valia que se convertia em capital passava a fazer parte do capital variável. Enquanto, na realidade, ela se decompõe em meios de produção e em capital variável. O crescimento mais rápido da parte do capital constante (no montante total do capital) em relação à parte do capital variável tem, no processo de desenvolvimento do capitalismo e da sua transformação em socialismo, uma importância primordial.

Acelerando a substituição dos operários pelas máquinas e criando a riqueza num pólo e a miséria no outro, a acumulação do capital gera assim o chamado «exército de reserva do trabalho», o «excedente relativo» de operários ou «superpopulação capitalista», que se reveste de formas extremamente variadas e dá ao capital a possibilidade de ampliar muito rapidamente a produção. Esta possibilidade, combinada com o crédito e a acumulação de capital em meios de produção, dá-nos, entre outras coisas, a explicação das crises de sobreprodução que aparecem periodicamente nos países capitalistas, a princípio aproximadamente de dez em dez anos, depois com intervalos menos próximos e menos fixos. Impõe-se a distinção entre a acumulação do capital na base do capitalismo e a chamada acumulação original, quando se desapossa violentamente o trabalhador dos meios de produção, se expulsa o camponês das suas terras, se roubam as terras comunais, e imperam o sistema colonial e o sistema das dívidas públicas, as tarifas alfandegárias proteccionistas, etc. A «acumulação original cria, num pólo, o proletário livre», no outro, o detentor do dinheiro, o capitalista.

A «tendência histórica da acumulação capitalista» é caracterizada por Marx nestes termos célebres: «A expropriação dos produtores imediatos foi completada com o vandalismo mais sem piedade e sob o impulso das paixões mais infames, mais sórdidas e mais mesquinhamente odiosas. A propriedade privada adquirida pelo trabalho próprio» (do camponês e do artesão), «por assim dizer, assente na fusão do indivíduo trabalhador, isolado, independente, com as suas condições de trabalho, foi suplantada pela propriedade privada capitalista, que assenta na exploração de trabalho alheio, mas formalmente livre... O que agora é de expropriar já não é mais o operário trabalhando para si, mas o capitalista que explora muitos operários. Esta expropriação completa-se pelo jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Um capitalista mata sempre muitos. De braço dado com esta centralização ou com esta expropriação de muitos capitalistas por poucos, a forma cooperativa do processo de trabalho desenvolve-se numa escala sempre crescente; [desenvolve-se] a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração planificada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas comunitariamente, a economia de todos os meios de produção através do seu uso como meios de produção de trabalho combinado, social, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o carácter internacional do regime capitalista. Com o número continuamente decrescente de magnatas do capital, que usurpam e monopolizam todas as vantagens deste processo de transformação, cresce a massa da miséria, da opressão, da servidão, da degeneração, da exploração, mas também a revolta da classe operária, sempre a engrossar e ensinada, unida e organizada pelo mecanismo do próprio processo de produção capitalista. O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que com ele e sob ele floresceu. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu invólucro capitalista. Este é rompido. Soa a hora da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.» (O Capital, I.60)

Outro ponto extraordinariamente importante e novo é a análise feita por Marx no tomo II de O Capital da reprodução do capital social tomado no seu conjunto. Também aqui, ele considera não um fenómeno individual, mas um fenómeno geral, não uma fracção da economia social, mas a economia na sua totalidade. Corrigindo o erro atrás mencionado dos economistas clássicos, Marx divide toda a produção social em duas grandes secções: (I) produção de meios de produção e (II) produção de artigos de consumo; e examina em pormenor, com o apoio de dados numéricos, a circulação do capital social no seu conjunto, tanto na reprodução simples como na acumulação. No tomo III de O Capital resolve-se, de acordo com a lei do valor, o problema da formação da taxa média de lucro. Um imenso progresso foi alcançado na ciência económica pelo facto de a análise de Marx partir de fenómenos económicos gerais, do conjunto da economia social, e não de casos isolados ou das manifestações superficiais da concorrência, aos quais se limita geralmente a economia política vulgar ou a moderna «teoria da utilidade marginal»61. Marx analisa primeiro a origem da mais-valia, e passa em seguida à sua decomposição em lucro, juro e renda da terra. O lucro é a relação entre a mais-valia e o conjunto do capital investido numa empresa. O capital de «elevada composição orgânica» (isto é, em que o capital constante ultrapassa o capital variável em proporções superiores à média social) dá uma taxa de lucro inferior à média. O capital de «baixa composição orgânica» dá uma taxa de lucro superior à média. A concorrência entre os capitais, a sua livre passagem de um ramo para outro reduzem, em ambos os casos, a taxa de lucro à taxa média. A soma dos valores de todas as mercadorias numa dada sociedade coincide com a soma dos preços das mercadorias, mas, em cada empresa e em cada ramo de produção tomado à parte, sob influência da concorrência, as mercadorias são vendidas não pelo seu valor, mas pelo preço de produção, que é igual ao capital investido, mais o lucro médio.

Assim, a diferença entre o preço e o valor e a igualização do lucro, factos incontestáveis e conhecidos de todos, são perfeitamente explicados por Marx com base na lei do valor, porque a soma dos valores de todas as mercadorias coincide com a soma dos seus preços. Mas a redução do valor (social) aos preços (individuais) não se dá de forma simples e directa; segue uma via muito complicada; é absolutamente natural que, numa sociedade de produtores de mercadorias dispersos, apenas ligados uns aos outros pelo mercado, as leis que regem essa sociedade não possam exprimir-se senão através de resultados médios, sociais, gerais, pela compensação recíproca dos desvios individuais num ou noutro sentido.

O aumento da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital constante em relação ao capital variável. Ora, sendo a mais-valia função apenas do capital variável, compreende-se que a taxa de lucro (a relação entre a mais-valia e todo o capital, e não apenas entre a mais-valia e a parte variável do capital) tenha tendência para baixar. Marx analisa minuciosamente esta tendência, assim como as diversas circunstâncias que a ocultam ou a contrariam. Sem nos determos na exposição dos interessantíssimos capítulos do tomo III consagrados ao capital usurário, ao capital comercial e ao capital-dinheiro, abordaremos o essencial: a teoria da renda da terra. Sendo a superfície do solo limitada e estando, nos países capitalistas, inteiramente ocupada por proprietários particulares, o preço de produção dos produtos da terra é determinado pelos gastos de produção, não nos terrenos de qualidade média, mas nos da pior qualidade, e pelas condições de transporte (não médias, mas pelas mais desfavoráveis) dos produtos para o mercado. A diferença entre este preço e o preço de produção num terreno de qualidade superior (ou em melhores condições) constitui a renda diferencial. Graças a uma análise pormenorizada desta renda, em que demonstra que ela provém da diferença da fertilidade dos terrenos e da diferença dos capitais investidos na cultura, Marx põe em evidência (ver igualmente as Teorias acerca da Mais-Valia, onde a crítica a Rodbertus merece uma atenção particular) o erro de Ricardo62 ao pretender que a renda diferencial só se obtém pela conversão gradual dos melhores terrenos em terrenos de qualidade inferior. Pelo contrário, transformações inversas produzem-se igualmente: terrenos de uma categoria transformam-se em terrenos de outra categoria (em virtude do progresso da técnica agrícola, do crescimento das cidades, etc.), e a famosa «lei da fertilidade decrescente do solo» é um profundo erro que atribui à natureza os defeitos, as limitações e as contradições do capitalismo. Além disso, a igualdade do lucro, em todos os ramos da indústria e da economia nacional em geral, supõe uma liberdade completa de concorrência, a liberdade de transferir o capital de um ramo para outro. Mas a propriedade privada da terra cria um monopólio que é um obstáculo a essa livre transferência. Devido a esse monopólio, os produtos de uma agricultura que se distingue por uma baixa composição orgânica do capital e que, por conseguinte, dá uma taxa de lucro individual mais elevada, não entram no livre jogo de igualização da taxa de lucro: o proprietário agrícola, que detém o monopólio da terra, pode manter o preço acima da média; este preço de monopólio dá origem à renda absoluta. A renda diferencial não pode ser abolida em regime capitalista; mas, ao contrário, a renda absoluta pode sê-lo, por exemplo, com a nacionalização da terra quando esta passa a propriedade do Estado. Esta passagem da terra para o Estado significaria a supressão do monopólio dos proprietários agrícolas, uma liberdade de concorrência mais consequente e mais completa na agricultura. É por isso que, diz Marx, os burgueses radicais, mais do que uma vez na história, formularam esta reivindicação burguesa progressiva da nacionalização da terra que todavia apavora a maior parte da burguesia, porque «toca» de demasiado perto um outro monopólio que actualmente é muito mais importante e «sensível»: o monopólio dos meios de produção em geral. (Esta teoria do lucro médio sobre o capital e da renda absoluta da terra foi exposta por Marx numa linguagem extraordinariamente popular, concisa e clara na sua carta a Engels, de 2 de Agosto de 1862. Ver Correspondência, t. III, pp. 77-81. Ver também a sua carta de 9 de Agosto de 1862, ibid., pp. 8687.) Importa igualmente assinalar, na história da renda da terra, a análise em que Marx demonstra a transformação da renda em trabalho (quando o camponês, trabalhando na terra do senhor, cria um sobreproduto) em renda em produtos ou renda em espécie (quando o camponês cria na sua própria terra um sobreproduto que entrega ao proprietário em virtude de uma «coerção extra-económica»), depois em renda em dinheiro (que é a renda em espécie transformada em dinheiro — na Rússia antiga o obrok — em virtude do desenvolvimento da produção de mercadorias) e, finalmente, em renda capitalista quando o camponês é substituído pelo empresário agrícola, que cultiva a terra com a ajuda do trabalho assalariado. Relativamente a esta análise da «génese da renda capitalista da terra», notemos uma série de ideias profundas de Marx (particularmente importantes para os países atrasados, tais como a Rússia) sobre a evolução do capitalismo na agricultura. «A transformação da renda em produtos em renda em dinheiro será... não só necessariamente acompanhada, mas mesmo antecipada, pela formação de uma classe de jornaleiros desprovidos de posse e que vão trabalhar por dinheiro. Durante o seu período de génese, no qual esta nova classe ainda apenas esporadicamente ocorre, desenvolveu-se por conseguinte necessariamente, entre os camponeses obrigados a renda melhor colocados, o hábito de explorar por conta própria assalariados rurais, totalmente do mesmo modo que, ainda no tempo feudal, os camponeses adscritos com mais fortuna tinham eles próprios, por sua vez, [outros] adscritos. Assim, entre eles desenvolveu-se a pouco e pouco a possibilidade de juntar uma certa fortuna e de se transformarem eles próprios em futuros capitalistas. Entre os próprios antigos possuidores do solo que trabalham para eles próprios, surge, assim, um viveiro de rendeiros capitalistas, cujo desenvolvimento está condicionado pelo desenvolvimento geral da produção capitalista fora dos campos» (O Capital, II, p. 33263). «A expropriação e expulsão de uma parte do povo do campo não deixa apenas livres para o capital industrial, juntamente com os operários, os seus meios de vida e o seu material de trabalho; cria o mercado interno» (O Capital, I, p. 77864. A pauperização e a ruína da população camponesa influem, por sua vez, na formação do exército de reserva do trabalho para o capital. Em todos os países capitalistas, «uma parte da população rural encontra-se, portanto, continuamente na iminência de transitar para proletariado urbano ou manufactureiro [...]. (Manufactura aqui no sentido de toda a indústria não agrícola). Esta fonte da sobrepopulação relativa flui portanto constantemente... O operário rural é por isso reduzido ao mínimo de salário e está sempre com um pé no pântano do pauperismo» (O Capital, I, p. 66865). A propriedade privada do camponês da terra que ele próprio cultiva constitui a base da pequena produção, a condição da sua prosperidade e do seu desenvolvimento na forma clássica. Mas esta pequena produção só é compatível com um quadro estreito, primitivo, da produção e da sociedade. Em regime capitalista, «a sua exploração [dos camponeses] só na forma se distingue da exploração do proletariado industrial. O explorador é o mesmo: o capital. Através da hipoteca e da usura os capitalistas individuais exploram os camponeses individuais; através do imposto de Estado a classe capitalista explora a classe camponesa» (As Lutas de Classes em França66). «A parcela do camponês só já é o pretexto que permite ao capitalista tirar lucro, juros e renda da terra, e o próprio agricultor que veja como ganhar o seu salário.» (O 18 de Brumário.67) Normalmente, o camponês entrega mesmo à sociedade capitalista, isto é, à classe capitalista, uma parte do seu salário e desce assim «ao nível do rendeiro irlandês - e tudo isto com o pretexto de ser proprietário privado» (As Lutas de Classes em França68). Qual é «uma das causas pelas quais o preço dos cereais, em países de propriedade de parcelas predomina, é mais baixo do que em países de modo capitalista de produção»? (O Capital, III, p. 340.69) É que o camponês entrega gratuitamente à sociedade (isto é, à classe capitalista) uma parte do sobreproduto. «Este preço mais baixo (do trigo e dos outros produtos agrícolas)70 é portanto um resultado da pobreza dos produtores e, de modo nenhum, [um resultado] da produtividade do trabalho deles.» (O Capital, t. III, p. 340.71) Em regime capitalista, a pequena propriedade agrícola, forma normal da pequena produção, degrada-se, é destruída e desaparece. «A propriedade de parcelas exclui, pela sua [própria] natureza: desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho, formas sociais do trabalho, concentração social dos capitais, criação de gado em grande escala, progressiva aplicação da ciência. A usura e o sistema de impostos têm, por toda a parte, que a empobrecer. O desembolso de capital no preço do solo retira o capital à cultura. Fragmentação infinita dos meios de produção e isolamento dos próprios produtores.»72 (As cooperativas, isto é, as associações de pequenos camponeses, que desempenham um extraordinário papel progressivo burguês, só podem atenuar esta tendência, sem entretanto a suprimir; é preciso não esquecer também que estas cooperativas dão muito aos camponeses abastados, mas muito pouco ou quase nada à massa dos camponeses pobres, e que tais associações acabam por explorar elas próprias o trabalho assalariado.) «Enorme esbanjamento de força humana. Progressivo pioramento das condições de produção e o encarecimento dos meios de produção — uma lei necessária da propriedade de parcelas.»73 >Na agricultura como na indústria, a transformação capitalista da produção produz-se ao preço do «martirológio dos produtores». «A dispersão dos operários rurais por maiores superfícies quebra, simultaneamente, a sua força de resistência, enquanto a concentração fortalece a dos operários urbanos. Tal como na indústria urbana, também na agricultura moderna (capitalista)74 a subida da força produtiva e o maior fazer fluir do trabalho têm como preço a dizimação e definhamento da própria força de trabalho. E todo o progresso da agricultura capitalista é não só um progresso na arte de roubar o operário como simultaneamente na arte de roubar o solo... A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e combinação do processo social de produção minando, simultaneamente, as fontes manantes de toda a riqueza: a terra e o operário.» (O Capital, I, fim do 13.° capítulo.75)

O socialismo

Pelo exposto, vê-se que Marx conclui pela transformação inevitável da sociedade capitalista em sociedade socialista a partir única e exclusivamente da lei económica do movimento da sociedade moderna. A socialização do trabalho — que avança cada vez mais rapidamente sob múltiplas formas e que, no meio século decorrido depois da morte de Marx, se manifesta sobretudo pela extensão da grande indústria, dos cartéis, dos sindicatos e trusts dos capitalistas e também pelo aumento imenso das proporções e do poderio do capital financeiro —, eis a principal base material para o advento inelutável do socialismo. O motor intelectual e moral, o agente físico desta transformação, é o proletariado, educado pelo próprio capitalismo. A sua luta contra a burguesia, revestindo-se de formas diversas e de conteúdo cada vez mais rico, torna-se inevitavelmente uma luta política tendente à conquista pelo proletariado do poder político («ditadura do proletariado»). A socialização da produção não pode conduzir senão à transformação dos meios de produção em propriedade social, à «expropriação dos expropriadores». O aumento enorme da produtividade do trabalho, a redução da jornada de trabalho, a substituição dos vestígios, das ruínas, da pequena produção primitiva e disseminada pelo trabalho colectivo aperfeiçoado, tais são as consequências directas desta transformação. O capitalismo rompe definitivamente a ligação da agricultura com a indústria, mas prepara simultaneamente, pelo seu desenvolvimento a um nível superior, elementos novos desta ligação, a união da indústria com a agricultura na base de uma aplicação consciente da ciência, de uma coordenação do trabalho colectivo, de uma nova distribuição da população (pondo fim tanto ao isolamento do campo, ao seu estado de abandono e atraso cultural, como à aglomeração antinatural de uma enorme população nas grandes cidades). As formas superiores do capitalismo moderno criam condições para uma nova forma da família, novas condições para a mulher e para a educação das novas gerações; o trabalho das mulheres e das crianças, a dissolução da família patriarcal pelo capitalismo, tomam inevitavelmente, na sociedade moderna, as formas mais horríveis, mais miseráveis e repugnantes. Contudo, «a grande indústria cria não obstante novas bases económicas para uma forma mais elevada de família e de relação entre os sexos ao conceder às mulheres, aos jovens e às crianças de ambos os sexos o papel decisivo nos processos de produção socialmente organizados para além da esfera doméstica. É naturalmente tão disparatado tomar por absoluta a forma germânico-cristã da família como a forma da família da Roma antiga, ou a da Grécia antiga ou a oriental, que de resto formam entre si uma série histórica de desenvolvimento. É igualmente óbvio que a composição do pessoal de trabalho combinado a partir de indivíduos de ambos os sexos e das mais diversas idades, embora na sua forma capitalista naturalmente brutal — em que o operário existe para o processo de produção e não o processo de produção para o operário — seja fonte pestilencial de degradação e de escravatura, tem, inversamente, de se converter, em condições correspondentes, numa fonte de desenvolvimento humano» (O Capital, I, fim do 13.º capítulo76). O sistema fabril mostra-nos «o germe da instrução do futuro, a qual, para todas as crianças acima de uma certa idade, irá ligar trabalho produtivo com ensino e ginástica, não apenas como um método para a subida da produção social, mas também como o único método para a produção de homens plenamente desenvolvidos» (ibid.77). É sobre a mesma base histórica que o socialismo de Marx coloca os problemas da nacionalidade e do Estado, não só para explicar o passado mas também para prever ousadamente o futuro e conduzir uma acção audaciosa para a sua realização. As nações são um produto e uma forma inevitável da época burguesa do desenvolvimento social. A classe operária não pode fortalecer-se, amadurecer, formar-se, sem «se constituir a si mesma como nação», sem ser «nacional» («mas de modo nenhum no sentido da burguesia»). Ora, o desenvolvimento do capitalismo destrói cada vez mais as fronteiras nacionais, acaba com o isolamento nacional, substitui os antagonismos nacionais por antagonismos de classe. Por isso, nos países capitalistas desenvolvidos é perfeitamente verdadeiro que «os operários não têm pátria» e que a «unidade de acção» dos operários, pelo menos dos países civilizados, «é uma das primeiras condições da sua libertação» (Manifesto do Partido Comunista78). O Estado, essa violência organizada, surgiu como algo inevitável numa determinada fase do desenvolvimento da sociedade, quando esta, dividida em classes irreconciliáveis, não teria podido subsistir sem um «poder» aparentemente colocado acima dela e diferenciado até certo ponto dela. Nascido dos antagonismos de classe, o Estado torna-se «o Estado da classe mais poderosa, economicamente dominante, e que, por seu intermédio, se torna também a classe politicamente dominante, obtendo assim novos meios para a subjugação e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado da Antiguidade era, antes de tudo, o Estado dos donos de escravos para a subjugação dos escravos, tal como o Estado feudal era o órgão da nobreza para a subjugação dos camponeses servos e dependentes e o moderno Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo capital» (Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado79, obra em que o autor expõe as suas ideias e as de Marx). Mesmo a forma mais livre e progressiva do Estado burguês, a república democrática, de maneira alguma elimina este facto; ela modifica apenas a sua forma (ligação do governo com a Bolsa, corrupção directa e indirecta dos funcionários e da imprensa, etc.). O socialismo, conduzindo à supressão das classes, conduz por isso mesmo à abolição do Estado. «O primeiro acto», escreve Engels no seu Anti-Dühring, «em que o Estado actua realmente como representante de toda a sociedade — a expropriação dos meios de produção em nome da sociedade — é, ao mesmo tempo, o seu último acto independente como Estado. A intervenção de um poder de Estado nas relações sociais tornar-se-á supérflua num domínio após outro, e extinguir-se-á então por si mesma. O governo das pessoas dá lugar à administração das coisas e à direcção de processos de produção. O Estado não é “abolido”, deperece.» «A sociedade, que reorganizará a produção na base da associação livre e igual dos produtores, atirará toda a máquina do Estado para o sítio que então lhe pertencerá: o museu das antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze.» (F. Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado80.)

Finalmente, relativamente à posição do socialismo de Marx quanto ao pequeno camponês, que subsistirá na época da expropriação dos expropriadores, interessa citar esta passagem de Engels, que exprime o pensamento de Marx: «quando estivermos de posse do poder do Estado, não poderemos pensar em expropriar pela força os pequenos camponeses (tanto faz que com ou sem indemnização), como seremos obrigados a fazer com os grandes possuidores fundiários. A nossa tarefa face ao pequeno camponês consiste, antes do mais, em fazer transitar a sua exploração privada e a sua posse privada para uma [exploração e posse] cooperativas, não pela força, mas através do exemplo e da oferta de ajuda social para esse objectivo. E aqui temos, sem dúvida, meios suficientes para fazer entrever ao pequeno camponês vantagens que já agora lhe terão de saltar à vista..» (F. Engels, Para a Questão Agrária no Ocidente, edição de Alexéiev, p. 17. A tradução russa contém erros. Ver o original [QA uestão Camponesa na França e na Alemanha81] em Die Neue Zeit.)82

A táctica da luta de classe do proletariado

Marx, depois de, já em 1844-1845, ter posto a descoberto um dos defeitos principais do antigo materialismo, que consistia em não compreender as condições nem apreciar a importância da acção revolucionária prática, dedicou, durante toda a sua vida, paralelamente aos trabalhos teóricos, uma atenção contínua às questões da táctica da luta de classe do proletariado. Todas as obras de Marx fornecem, a este respeito, uma rica documentação, particularmente a sua correspondência com Engels, publicada em 4 volumes, em 1913. Esta correspondência está longe ainda de estar toda recolhida, classificada, estudada e analisada. Por isso teremos de nos limitar forçosamente aqui às observações mais gerais e mais breves, acentuando que, para Marx, o materialismo despojado de este aspecto, era, e com razão, um materialismo incompleto, unilateral e sem vida. Marx determinou a tarefa essencial da táctica do proletariado em rigorosa conformidade com todas as premissas da sua concepção materialista-dialéctica do mundo. Só o conhecimento objectivo do conjunto de relações de todas as classes, sem excepção, de uma dada sociedade e, por conseguinte, o conhecimento do grau objectivo de desenvolvimento desta sociedade e das relações entre ela e as outras sociedades, pode servir de base a uma táctica justa da classe de vanguarda. Além disso, todas as classes e países são considerados não no seu aspecto estático, mas no dinâmico, isto é, não no estado de imobilidade, mas em movimento (movimento cujas leis derivam das condições económicas de existência de cada classe). O movimento é, por sua vez, considerado não só do ponto de vista do passado, mas também do ponto de vista do futuro, e não segundo a concepção vulgar dos «evolucionistas», que só vêem lentas transformações, mas de forma dialéctica: «Nos grandes processos históricos, vinte anos equivalem a um dia», escrevia Marx a Engels, «ainda que em seguida possam apresentar-se dias que concentram em si vinte anos.» (Correspondência, t. III, p. 127.83) Em cada grau do seu desenvolvimento, em cada momento, a táctica do proletariado deve ter em conta esta dialéctica objectivamente inevitável da história da humanidade: por um lado, utilizando as épocas de estagnação política, ou da chamada evolução «pacífica», que caminha a passos de tartaruga, para desenvolver a consciência, a força e a capacidade de luta da classe de vanguarda; por outro, orientando todo este trabalho de utilização para o «objectivo final» dessa classe, tornando-a capaz de resolver praticamente as grandes tarefas ao chegarem os grandes dias «que concentram em si vinte anos». Duas considerações de Marx interessam particularmente a este respeito. Uma, na Miséria da Filosofia, refere-se à luta económica e às organizações económicas do proletariado; a outra, no Manifesto do Partido Comunista, é relativa às tarefas políticas do proletariado. A primeira diz assim: «A grande indústria aglomera num único local uma multidão de pessoas desconhecidas umas das outras. A concorrência divide os seus interesses. Mas a manutenção do salário, este interesse comum que têm contra o patrão, reúne-as num mesmo pensamento de resistência — coalizão... as coalizões, primeiro isoladas, formam-se em grupos e, em face do capital sempre reunido, a manutenção da associação torna-se mais necessária para elas que a do salário... Nesta luta — verdadeira guerra civil — reúnem-se e desenvolvem-se todos os elementos necessários a uma batalha vindoura. Uma vez chegada a este ponto, a associação toma um carácter político.»84 Temos aqui o programa e a táctica da luta económica do movimento sindical para algumas dezenas de anos, para todo o longo período de preparação das forças do proletariado para «a batalha vindoura». Deve-se comparar isto com os numerosos exemplos extraídos da correspondência de Marx e Engels e que estes colheram do movimento operário inglês, mostrando como a «prosperidade» industrial suscita tentativas de «comprar o proletariado» (Correspondência com Engels, t. I, p. 13685), de desviá-lo da luta; como esta prosperidade geralmente «desmoraliza os operários» (II, 218); como o proletariado inglês «se aburguesa», como «a nação mais burguesa de todas» (a nação inglesa) «parece que quereria vir a ter, ao lado da burguesia, uma aristocracia burguesa e um proletariado burguês» (II, 290); como «a energia revolucionária» desaparece nele (III, 124)86; como será preciso esperar mais ou menos tempo que os operários ingleses «se libertem da sua aparente contaminação burguesa» (III, 127); como «o ardor dos cartistas»87 falta ao movimento operário inglês (1866; III, 305)88; como os dirigentes operários ingleses se tornam um tipo intermédio «entre o burguês radical e o operário» (alusão a Holyoake, IV, 209); como, em virtude do monopólio da Inglaterra e enquanto esse monopólio subsistir, «não haverá nada a fazer com o operário inglês» (IV, 433)89. A táctica da luta económica em relação com a marcha geral (e com o resultado) do movimento operário é aí examinada de uma maneira admiravelmente ampla, universal, dialéctica e verdadeiramente revolucionária.

O Manifesto do Partido Comunista estabelece o seguinte princípio do marxismo como postulado da táctica da luta política: «Lutam [os comunistas] para alcançar os fins e interesses imediatos da classe operária, mas no movimento presente representam simultaneamente o futuro do movimento.»90 Por isso, Marx apoiou em 1848, na Polónia, o partido da «revolução agrária», «aquele mesmo partido que deu origem à insurreição de Cracóvia de 1846»91. Em 1848-1849, Marx apoiou na Alemanha a democracia revolucionária extrema, sem que nunca se retratasse do que então disse sobre táctica. Considerava a burguesia alemã como um elemento «inclinado desde o princípio para a traição contra o povo» (só a aliança com os camponeses teria permitido à burguesia atingir inteiramente os seus fins) «e para o compromisso com o representante coroado da velha sociedade». Eis a análise final dada por Marx da posição de classe da burguesia alemã na época da revolução democrática burguesa, análise que é um modelo do materialismo que encara a sociedade em movimento e, certamente, não considera unicamente o lado do movimento que olha para trás: «... sem fé em si própria, sem fé no povo, resmungando contra os de cima, tremendo perante os de baixo, ... intimidada pela tempestade mundial, ... energia em nenhuma direcção, plágio em todas as direcções, ... sem iniciativa, ... um velho amaldiçoado que se viu condenado a dirigir e a desviar no seu próprio interesse senil os primeiros arroubos juvenis de um povo robusto...» (Nova Gazeta Renana, 1848, ver Literarischer Nachlass, III, p. 21292. Uns vinte anos mais tarde, numa carta a Engels (III, 224), Marx escrevia que a razão do fracasso da revolução de 1848 foi a burguesia ter preferido a paz na escravidão à simples perspectiva de combater pela liberdade. Quando acabou a época revolucionária de 1848-1849, Marx opôs-se aos que se obstinavam em continuar a jogar à revolução (luta contra Schapper e Willich), exigindo que se soubesse trabalhar na nova época que preparava, sob uma «paz» aparente, novas revoluções. A seguinte apreciação de Marx sobre a situação na Alemanha nos tempos da mais negra reacção, no ano de 1856, mostra em que sentido pedia Marx que esse trabalho fosse orientado: «Tudo na Alemanha dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária por uma espécie de segunda edição da guerra dos camponeses.» (Correspondência, II, 108.93) Enquanto não acabou na Alemanha a revolução democrática (burguesa), Marx votou toda a atenção, em matéria de táctica do proletariado socialista, ao desenvolvimento da energia democrática dos camponeses. Pensava que a atitude de Lassalle era «objectivamente uma traição ao movimento operário, todo em favor da Prússia» (III, 210); entre outras razões porque ele se mostrava demasiado complacente para com os latifundiários e para com o nacionalismo prussiano. «Num país predominantemente agrário, é uma grosseria», escrevia Engels em 1865, no decurso de uma troca de opiniões com Marx a propósito de uma projectada declaração comum para a imprensa, «atacar, em nome do proletariado industrial, unicamente a burguesia, sem dedicar uma palavra à patriarcal “exploração à paulada” do proletariado rural pela grande nobreza feudal.» (III, 217.)94 No período de 1864 a 1870, quando chegava ao fim a época da revolução democrática burguesa na Alemanha, a época em que as classes exploradoras da Prússia e da Áustria disputavam acerca dos meios para terminar esta revolução por cima, Marx não se limitou a condenar Lassalle pelos seus namoros com Bismarck, corrigia também Liebknecht95, que tinha caído na «austrofilia» e defendia o particularismo; Marx exigia uma táctica revolucionária que combatesse tão implacavelmente Bismarck como os «austrófilos», uma táctica que não se acomodasse ao «vencedor», o Junker prussiano, mas recomeçasse imediatamente a luta revolucionária contra ele, inclusivamente no terreno criado pelas vitórias militares da Prússia (Correspondência com Engels, III, pp. 134, 136, 147, 179, 204, 210, 215, 418, 437, 440-441)96. No apelo célebre da Internacional de 9 de Setembro de 1870, Marx punha em guarda o proletariado francês contra uma insurreição prematura, mas quando, apesar de tudo, ela se produziu (1871), saudou com entusiasmo a iniciativa revolucionária das massas que «tomam o céu de assalto» (carta de Marx a Kugelmann97). A derrota da acção revolucionária, nesta situação como em muitas outras, era, do ponto de vista do materialismo dialéctico em que se situava, um mal menor na marcha geral e no resultado da luta proletária do que teria sido o abandono das posições já conquistadas, a capitulação sem combate; uma tal capitulação teria desmoralizado o proletariado e minado a sua combatividade. Apreciando em todo o seu justo valor o emprego dos meios legais de luta em período de estagnação política e de domínio da legalidade burguesa, Marx condenou vigorosamente, em 1877 e 1878, depois da promulgação da lei de excepção contra os socialistas98, a «frase revolucionária» de um Most; mas combateu com a mesma energia, se não mais, também o oportunismo que então se tinha apoderado temporariamente do partido social-democrata oficial, que não tinha sabido dar imediatas provas de firmeza, de tenacidade, de espírito revolucionário e de prontidão, em resposta à lei de excepção, a passar à luta ilegal (Cartas de Marx a Engels, t. IV, pp. 397, 404, 418, 422, 424; ver igualmente as cartas de Marx a Sorge)99.

Escrito em Obras Completas de V. I. Lénine, Julho-Novembro de 1914. 5.ª ed. em russo, t. 26, pp. 4381.

Notas

(1) V. I. Lénine redigiu o artigo Karl Marx (Breve nota biográfica com uma exposição do marxismo) para o Dicionário Enciclopédico Granat, que era na altura o mais popular na Rússia. No prefácio à edição em separado deste artigo, em 1918, Lénine citou de memória o ano de 1913 como data em que foi escrito o artigo. Na realidade começou a prepará-lo na Primavera de 1914, em Porónine. Porém, estando extremamente ocupado com a direcção da actividade do partido e do jornal Pravda, Lénine foi obrigado a interromper a preparação do artigo. Somente em Setembro, tendo mudado para Berna, reiniciou o trabalho com o artigo, tendo-o acabado na primeira quinzena de Novembro. O artigo Karl Marx foi publicado incompleto em 1915 no t. 28 do Dicionário Enciclopédico (7.ª edição), com a assinatura V. Iline. Devido à censura, a redacção introduziu uma série de alterações no texto e suprimiu dois capítulos: «O socialismo» e «A táctica da luta de classe do proletariado». O texto integral do artigo, em conformidade com o manuscrito, foi publicado pela primeira vez em 1925 na colectânea de V. I. Lénine Marx, Engels, Marxismo, preparada pelo Instituto Lénine adjunto ao CC do PCUS. As notas de pé de página desta edição são da Editorial «Avante!»

(2) Carta de K. Marx a F. Engels de 16 de Abril de 1856, in K. Marx/F. Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!», Lisboa, t. I, 2008, p. 573.

(3) Mencheviques: corrente oportunista na social-democracia russa. Em 1903, no II Congresso do POSDR, os sociais-democratas revolucionários, com Lénine à frente, obtiveram nas eleições para os órgãos centrais a maioria (em russo bolchinstvó, daí o nome bolcheviques), enquanto os oportunistas ficaram em minoria (em russo menchinstvó, daí o nome mencheviques).

(4) Hegelianos de esquerda ou jovens hegelianos: representantes da ala esquerda da escola de Hegel, corrente filosófica idealista na Alemanha. Os jovens hegelianos não reconheciam as leis do desenvolvimento social, o papel da produção material no desenvolvimento da sociedade, a inevitabilidade da luta de classes nela. Eles exprimiam a ideologia da burguesia liberal alemã dos anos 30-40 do século XIX. Toda a sua actividade se reduzia à fraseologia revolucionária, às ameaças dirigidas às classes dominantes. K. Marx e F. Engels, que no início da sua actividade aderiram aos jovens hegelianos, actuavam como democratas revolucionários. Passando do idealismo para o materialismo e do democratismo revolucionário para o comunismo, Marx e Engels, nas obras A Sagrada Família e A Ideologia Alemã, submeteram a filosofia dos jovens hegelianos a uma crítica aprofundada, revelaram as suas raízes de classe e mostraram a sua completa inconsistência científica.

(5) Bruno Bauer (1809-1882): filósofo alemão, um dos representantes do hegelianismo de esquerda. Segundo ele o único motor da história está contido no pensamento crítico.

(6) G. W. Hegel (1770-1831): o filósofo idealista mais importante da Alemanha, sobretudo pelo método dialéctico, que concebeu sob uma forma idealista. Foi Marx o primeiro que revolucionou a dialéctica de Hegel e a colocou de pé, no terreno do materialismo.

(7) Ludwig Feuerbach (1804-1872): filósofo materialista alemão. Desligou-se do hegelianismo e passou a ser materialista. A sua filosofia constitui o elo intermediário entre as filosofias de Hegel e Marx.

(8) F. Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, in Marx/Engels, Obras Escolhidas em três tomos, ed. cit., t. III, 2018, p. 386.

(9) Rheinische Zeitung für Politik, Handel und Gewerbe (Gazeta Renana de Política, Comércio e Indústria), diário que se publicou em Colónia entre 1 de Janeiro de 1842 e 31 de Março de 1843. O jornal foi fundado por representantes da Renânia que tinham uma atitude oposicionista para com o absolutismo prussiano. Também alguns hegelianos de esquerda foram atraídos para participarem no jornal. A partir de Abril de 1842, K. Marx colaborou na Gazeta Renana, e a partir de Outubro do mesmo ano tornou-se um dos seus redatores, passando o jornal a revestir-se de um caráter democrático revolucionário. Em Janeiro de 1843, o governo da Prússia decretou o encerramento da Gazeta Renana a partir de 1 de Abril, estabelecendo entretanto uma censura especialmente rigorosa ao jornal. Devido à decisão dos accionistas de lhe atribuir um carácter mais moderado, Marx, em 17 de Março de 1843, declarou que saía da redacção.

(10) Trata-se da lista de obras composta por V. I. Lénine para o artigo Karl Marx (que não se inclui na presente edição).

(11) Trata-se do artigo de K. Marx Justificação do Correspondente do Mosela.

(12) Só apareceu o primeiro fascículo duplo, em Fevereiro de 1844. Nele foram publicadas as obras de K. Marx e F. Engels que marcam a sua passagem definitiva para o materialismo e o comunismo.

(13) Na Introdução ao artigo Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx escreve: «A arma da crítica, sem dúvida, não pode substituir a crítica das armas, o poder material tem que ser derrubado por poder material, só que também a teoria se torna poder material assim que agarra as massas.»

(14) Doutrina de Proudhon: corrente anticientífica, hostil ao marxismo, do socialismo pequeno-burguês. Criticando a grande propriedade capitalista a partir de posições pequeno-burguesas, Proudhon sonhava com perpetuar a pequena propriedade privada, propunha que fossem organizados os bancos «do povo» e de «troca», que, segundo ele, permitiriam aos operários obter meios de produção próprios, tornar-se artesões e garantir a venda «justa» dos seus produtos. Proudhon não compreendia o papel histórico do proletariado, negava a luta de classes, a revolução proletária e a ditadura do proletariado. Partindo de posições anarquistas, negava também a necessidade do Estado.

(15) Ver Karl Marx, Miséria da Filosofia. Resposta à «Filosofia da Miséria» do Sr. Proudhon, Edições «Avante!», Lisboa, 1991.

(16) Liga dos Comunistas: primeira organização internacional comunista do proletariado, criada sob a direcção de Marx e Engels no início de Junho de 1847, em Londres em consequência da reorganização da Liga dos Justos, associação secreta alemã de operários e artesãos, que surgiu na década de 1830. Os princípios programáticos e de organização da Liga foram elaborados com a participação directa de Marx e Engels, que redigiram também o documento programático, o Manifesto do Partido Comunista, publicado em Fevereiro de 1848. A Liga dos Comunistas existiu até Novembro de 1852 e foi antecessora da Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional). Os dirigentes mais eminentes da Liga dos Comunistas desempenharam mais tarde o papel dirigente na I Internacional.

(17) Ver Marx/Engels, Manifesto do Partido Comunista, Edições «Avante!», Lisboa, 5.ª edição, 2011.

(18) Trata-se da revolução burguesa em França em Fevereiro de 1848.

(19) Trata-se da revolução burguesa na Alemanha e na Áustria, iniciada em Março de 1848.

(20) A Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung) publicou-se em Colónia entre 1 de Junho de 1848 e 19 de Maio de 1849. O jornal foi dirigido por K. Marx e F. Engels, sendo Marx o redactor-chefe. A Nova Gazeta Renana, apesar de todas as perseguições e obstáculos por parte da polícia, defendia corajosamente os interesses da democracia revolucionária, os interesses do proletariado. A expulsão de Marx da Prússia em Março de 1849 e as perseguições contra os outros redactores da Nova Gazeta Renana foram a causa da cessação da publicação do jornal.

(21) Trata-se de uma manifestação popular em Paris, organizada pelo partido pequeno-burguês da «Montanha» em sinal de protesto contra a violação, pelo presidente e pela maioria da Assembleia Legislativa, das normas constitucionais estabelecidas pela revolução de 1848. A manifestação foi dispersa pelo governo.

(22) Lénine alude ao panfleto de K. Marx Herr Vogt (O Senhor Vogt), escrito em resposta à brochura caluniosa O Meu Processo contra o «Allgemeine Zeitung», do agente bonapartista K. Vogt.

(23) Ver Karl Marx, O Capital, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, Livro Primeiro, tomos I, II e III.

(24) Por «Apelo» Lénine designa aqui a Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores. Ver Marx/Engels, Obras Escolhidas em três tomos, ed. cit., t. II, 2016, pp. 5-13

(25) G. Mazzini (1805-1872): político radical italiano. Visava a unificação política da Itália em bases republicanas. Participou na revolução italiana e foi eleito para o governo provisório de Roma, que defendeu contra as tropas francesas. Após a derrota da revolução, organizou no estrangeiro o Comité Democrático Europeu, para reunir o movimento democrático dos vários países.

(26) Mikhail Bakúnine (1814-1876): revolucionário anarquista russo. Participou na actividade da I Internacional, em cujo seio se esforçou por organizar uma liga secreta de aderentes da sua tendência; a liga espalhou-se muito nos países latinos, e Bakúnine tornou-se de facto o chefe do movimento anarquista europeu. Pela sua actividade desorganizadora foi expulso da Internacional em 1872, a instâncias de Marx.

(27) Ferdinand Lassalle (1825-1864): um dos principais chefes do movimento operário alemão. Embora influenciado por Marx, divergiu dele em muitas questões. Baseando-se na teoria errada da «lei do bronze dos salários», Lassalle não atribuía importância nenhuma à luta económica e à organização sindical do proletariado e atendia sobretudo à conquista do sufrágio universal, que segundo ele, devia permitir aos operários influir o Governo para obter do Estado o crédito às associações livres de produção dos operários, pelas quais se efectuaria a transição gradual para o socialismo. Marx e Engels criticaram as ideias de Lassalle na sua obra Crítica do Programa de Gotha. Os lassallianos eram os partidários de Lassalle reunidos na Associação Geral dos Operários Alemães, fundada por ele em 1863, oposta ao Partido Operário Social-Democrata, fundado por A. Babel e W. Liebknecht, mas com o qual se fundiu em 1875.

(28) Ver Marx, A Guerra Civil em França, in Marx/Engels, Obras Escolhidas em três tomos, ed. cit., t. II, 2016, pp. 195266.

(29) Bakuninismo: corrente cuja denominação deriva do nome de Bakúnine, ideólogo do anarquismo, inimigo do marxismo e do socialismo científico. Os bakuninistas travaram uma luta tenaz contra a teoria marxista e contra a táctica do movimento operário. A tese principal do bakuninismo é a negação de todo o Estado, incluindo a ditadura do proletariado, e a incompreensão do papel histórico universaldo proletariado. Uma sociedade revolucionária secreta constituída por «destacadas personalidades» devia, na opinião dos bakuninistas, dirigir revoltas populares. A sua táctica das conjuras e do terror era aventureira e hostil à doutrina marxista da insurreição

(30) Ver K. Marx e F. Engels, A Sagrada Família, capítulo 6

(31) Karl Marx, O Capital, ed. cit., 1990, Livro I, tomo I, pp. 21-22.

(32) Cf. Friedrich Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, in Marx/Engels, Obras Escolhidas em três tomos, ed. cit., t. III, 2018, pp.

(33) David Hume (18711-1776): filósofo inglês, céptico e agnóstico em filosofia, político activo, compôs ensaios sobre os problemas da economia e foi um historiador original. As suas teorias exprimem bem a concepção burguesa onde a aparência superficial das coisas substitui os processos fundamentais essenciais

(34) Emmanuel Kant (1724-1804): filósofo dos maiores, dos tempos modernos. Criador do «idealismo crítico», que abriu caminho ao desenvolvimento do idealismo dialéctico absoluto de Hegel, que é a maior conquista da filosofia clássica alemã.

(35) Agnosticismo: doutrina idealista que afirma que o mundo é incognoscível, que a razão humana é limitada e não pode conhecer nada além das sensações. O agnosticismo manifesta-se sob formas diferentes: alguns admitem a existência objectiva do mundo material, mas negam a possibilidade de o conhecer, outros põem em causa a sua própria existência, alegando que o homem não pode saber se existe algo além das suas sensações. Criticismo: nome que Kant deu à sua filosofia idealista, considerando que o seu objectivo principal é a crítica das faculdades cognitivas do homem. Em consequência dessa «crítica», Kant foi levado à negação da possibilidade de a razão humana conhecer a essência das coisas. Positivismo: corrente amplamente difundida na filosofia e sociologia burguesas. Foi fundada por A. Comte (1798- 1857), filósofo e sociólogo francês. Os positivistas negam a possibilidade de descobrir as necessárias relações internas das coisas, negam o significado da filosofia como método de conhecimento e transformação do mundo objectivo e reduzem-na à sistematização dos dados das ciências isoladas, à descrição externa dos resultados da observação imediata dos factos «positivos». Colocando-se «acima» do materialismo e do idealismo, o positivismo é de facto uma variedade do idealismo subjetivo.

(36) Thomas Huxley (1825-1895): naturalista inglês. Defensor apaixonado do evolucionismo e particularmente do darwinismo. Em filosofia, Huxley mostra a indecisão, a inconsequência e o equívoco típico nos naturalistas ingleses, capitulando diante das tradições da chamada opinião pública e facilitando assim às classes dirigentes a intoxicação das massas populares sob a influência da religião. Foi quem criou a expressão «agnosticismo», que se aplica à concepção do mundo que pára ante a questão da existência de Deus e a deixa aberta por ser inacessível.

(37) Ludwig Buchner (1824-1899): um dos materialistas mais conhecidos do século XIX. Foi um propagandista activo do materialismo e do darwinismo, mas popularizou-os no sentido de um liberalismo burguês vulgar. Jacob Moleschott (1822-1899): conhecido filósofo do século XIX. Primeiramente partidário de Hegel, tornou-se mais tarde materialista vulgar à maneira de Vogt e de Buchner.

(38) Cf. Karl, Marx, «Teses sobre Feuerbach», in Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. I, Lisboa, 2008, pp. 13-16.

(39) Ver Friedrich Engels, Anti-Dühring.

(40) Friedrich Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, in Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. III, 2018, p. 407.

(41) Id., ibid., p. 381.

(42) Ver Friedrich Engels, Anti-Dühring.

(43) Ver Friedrich Engels, Anti-Dühring.

(44) Friedrich Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, in Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. III, 2018, p. 394.

(45) K. Marx, O Capital, ed. cit., 1992, Livro Primeiro, tomo II, p. 426.

(46) Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. I, 2008, pp. 546-547.

(47) NK. Marx/F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, ed. cit., p. 36-37.

(48) Restauração: período da história de França (1814-1830) durante o qual os Bourbons, derrubados pela Revolução burguesa francesa de 1792, foram reinstalados no trono.

(49) A. Thierry (1795-1856): historiador francês. Numa carta a Engels, Marx chama-lhe «o pai da luta de classes na historiografia francesa».

(50) François Guizot (1787-1874): historiador e homem de estado francês. Ministro da monarquia de Julho e primeiro-ministro desde 1840 a 1848. Neste posto, Guizot dirigiu uma política reaccionária e defensora dos interesses da oligarquia financeira e industrial. A revolução de Fevereiro de 1848 obrigou-o a refugiar-se na Inglaterra.

(51) François Auguste Mignet (1796-1884): historiador francês. Na sua História da Revolução Francesa toma a defesa da burguesia e justifica a ditadura revolucionária pela necessidade da luta contra a contra-revolução. Foi um dos primeiros a ligar importância à luta de classes na Revolução Francesa, embora não fizesse dela uma ideia muito nítida.

(52) Adolph Thiers (1797-1877): estadista francês, um dos mais obstinados defensores da burguesia. Ministro na monarquia de Julho, foi oposicionista no II Império. Depois da revolução de 1870, a Assembleia Nacional elege-o chefe do executivo da República. Quando da Comuna, fugiu para Versalhes, onde dirigiu os ataques militares contra Paris e afogou em sangue a primeira grande revolução proletária.

(53) K. Marx/F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, ed. cit., p. 46.

(54) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo I, 1991, p. 10.

(55) K. Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo I, 1991, pp. 89-90.

(56) Ver K. Marx, Para a Crítica da Economia Política, capítulo I.

(57) K. Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo I, 1991, p. 197.

(58) K. Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo I, 1991, p. 194.

(59) Adam Smith (1723-1790): economista inglês, um dos criadores da economia política. A sua ideia principal é que o trabalho é a fonte das riquezas sociais. Smith deixou uma análise justa da estrutura de classes na sociedade capitalista. Foi um ideólogo da burguesia industrial na época em que esta lançava uma ofensiva contra o feudalismo e em que os antagonismos entre a burguesia e o proletariado eram ainda reduzidos.

(60) K. Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo III, 1997, pp. 860-862.

(61) Teoria da utilidade marginal: teoria económica vulgar apologista da burguesia que surgiu na década de 70 do século XIX em contraposição à teoria do valor do trabalho de Marx. Segundo essa teoria, o valor das mercadorias determina-se apenas pela sua utilidade para os homens e não depende da quantidade do trabalho social gasto com a sua produção.

(62) David Ricardo (1772-1823): economista Inglês. Ao lado de Adam Smith foi o representante mais iminente da economia clássica burguesa. Desenvolveu sistematicamente a teoria segundo a qual o trabalho humano é a única fonte do valor das mercadorias, determinado pela quantidade de tempo de trabalho.

(63) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Terceiro, tomo VIII, 2017, p. 885.

(64) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo III, 1997, p. 844.

(65) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo III, 1997, p. 730.

(66) K. Marx, As Lutas de Classes em França, in Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. I, 2008, p. 304.

(67) K. Marx, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, in Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. I, 2008, p. 521.

(68) K. Marx, As Lutas de Classes em França, in Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. I, 2008, p. 303.

(69) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Terceiro, tomo VIII, 2017, p. 893.

(70) A frase entre parênteses é de Lénine.

(71) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Terceiro, tomo VIII, 2017, p. 893.

(72) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Terceiro, tomo VIII, 2017, p. 894.

(73) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Terceiro, tomo VIII, 2017, p. 894.

(74) A palavra entre parênteses é de Lénine.

(75) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo II, 1992, pp. 575-576.

(76) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo II, 1992, pp. 559-560.

(77) Karl Marx, O Capital, ed. cit., Livro Primeiro, tomo II, 1992, p. 553.

(78) K. Marx/F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, ed. cit., pp. 54-55.

(79) Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Edições «Avante!», Lisboa, 2002, p. 208.

(80) Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Edições «Avante!», Lisboa, 2002, p. 210.

(81) Marx/Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. III, 2018, pp. 526-527.

(82) Die Neue Zeit [Os Tempos Novos]: revista teórica do Partido Social-Democrata da Alemanha. Foi publicada em Stuttgart de 1883 a 1923. Na Die Neue Zeit foram publicadas pela primeira vez certas obras dos fundadores do marxismo. Engels ajudava com os seus conselhos a redacção da revista e criticou-a por mais de uma vez por se desviar do marxismo. A partir da segunda metade dos anos 90, após a morte de F. Engels, começaram a aparecer sistematicamente na revista artigos dos revisionistas. Nos anos da primeira guerra mundial a revista adoptou uma posição centrista, apoiando de facto os sociais-chauvinistas.

(83) Ver carta de K. Marx a F. Engels de 9 de Abril de 1863.

(84) K. Marx, Miséria da Filosofia. Resposta à «Filosofia da Miséria» do Sr. Proudhon ed. cit., p. 152.

(85) Ver carta de K. Marx a F. Engels de 5 de Fevereiro de 1851.

(86) Ver cartas de F. Engels a K. Marx de 17 de Dezembro de 1857 e de 7 de Outubro de 1859.

(87) Cartistas: partidários do primeiro movimento revolucionário de massas na história da classe operária de Inglaterra nos anos 30-40 do século XIX. Os participantes no movimento publicaram a Carta do Povo e lutavam pelas reivindicações nela apresentadas: sufrágio universal, revogação da existência de ser proprietário de terras para ser eleito deputado ao parlamento, etc. Por todo o país, durante vários anos, realizaram comícios e manifestações, nos quais participaram milhões de operários e artesãos. O Parlamento inglês recusou-se a ratificar a Carta do Povo e rejeitou todas as petições dos cartistas. O governo reprimiu cruelmente os cartistas e prendeu os seus dirigentes. O movimento foi esmagado, mas a influência do cartismo sobre o desenvolvimento do movimento operário internacional foi muito grande.

(88) Ver carta de F. Engels a K. Marx de 8 de Abril, e cartas de K. Marx a F. Engels de 9 de Abril de 1863 e de 2 de Abril de 1866.

(89) Ver cartas de F. Engels a K. Marx de 19 de Novembro de 1869 e de 11 de Agosto de 1881.

(90) K. Mar/ F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, ed. cit., p. 71.

(91) Trata-se da insurreição nacional-libertadora democrática na República de Cracóvia, república que desde 1815 estava sob o controlo da Áustria, da Prússia e da Rússia. No decorrer da insurreição os rebeldes criaram um governo nacional que emitiu um manifesto sobre a abolição das cargas feudais e prometeu entregar as terras aos camponeses, sem resgate. Em outros manifestos, o governo decretou a criação das oficinas nacionais, a elevação dos salários nestas, o estabelecimento da igualdade civil.

(92) Lénine cita o trabalho de K. Marx, A Burguesia e a Contra-Revolução, publicado em 1848 na Nova Gazeta Renana. Ver K. Marx/F. Engels, Obras escolhidas em três tomos, ed. cit., t. I, 2008, pp. 163-164.

(93) Carta de K. Marx a F. Engels de 16 de Abril de 1856, in K. Marx/F. Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!», Lisboa, t. I, 2008, p. 573.

(94) Ver cartas de F. Engels a K. Marx de 27 de Janeiro e de 5 de Fevereiro de 1865.

(95) Wilhelm Liebknecht (1826-1900): originário de uma família burguesa, os estudos fizeramno socialista. Combateu o reformismo. Lénine caracterizou Liebknecht, na sua obra Que Fazer?, como o «tribuno que sabe reagir diante de todas as manifestações arbitrárias e opressivas, onde quer que se apresentem e seja qual for a camada social ou a classe a que digam respeito; que sabe reunir todos esses fenómenos num quadro geral do arbítrio policial e da exploração capitalista, e que sabe utilizar cada coisa insignificante para explicar ao mundo inteiro a sua convicção socialista e as suas reivindicações democráticas, para demonstrar claramente a todos a importância histórica mundial do movimento de emancipação do proletariado.» O ano de 1898 viu-o, na idade de 72 anos, cumprir os seus últimos meses de prisão.

(96) Ver as cartas de F. Engels a K. Marx de 11 de Junho de 1863, 24 de Novembro de 1863, 4 de Setembro de 1864, 27 de Janeiro de 1865, 22 de Outubro de 1867, 6 de Dezembro de 1867, e as cartas de K. Marx a F. Engels de 12 de Julho de 1864, 10 de Dezembro de 1864, e de Fevereiro de 1865, 17 de Dezembro de 1867.

(97) Carta de K. Marx a L. Kugelmann de 12 de Abril de 1871.

(98) A lei excepção contra os socialistas vigorou na Alemanha de 1878 a 1890. A lei proibia todas as organizações do partido Social-Democrata, as organizações operárias, a imprensa operária. Foram confiscadas as publicações socialistas, os sociais-democratas foram perseguidos e deportados. Mas o Partido Social-Democrata da Alemanha soube organizar o trabalho clandestino, aproveitando ao mesmo tempo as possibilidades legais para fortalecer laços com a população. Em 1890, sob a pressão do movimento operário de massas, que se fortalecia cada vez mais, a lei de excepção contra os socialistas foi revogada.

(99) Ver as cartas de K. Marx a F. Engels de 23 de Julho e de 1 de Agosto de 1877, e de 10 de Setembro de 1879, e as cartas de F. Engels a K. Marx de 20 de Agosto e de 9 de Setembro de 1879.

  • II Centenário de Karl Marx
  • Karl Marx
  • Lénine
  • Marxismo