Intervenção de

Interven??o dodeputado Ant?nio Filipe<br />Protec??o de testemunhas e combate ? corrup?

Senhor Presidente,Senhores membros do Governo,Senhores Deputados,O aperfei?oamento da legisla??o de combate ? corrup??o e a adop??o de medidas legislativas de protec??o de testemunhas emprocesso penal, s?o mat?rias que assumem uma import?ncia e uma delicadeza indiscut?veis.As duas iniciativas legislativas de que hoje nos ocupamos, tendo um fundo comum, que ? o refor?o dos mecanismos de combate ?criminalidade organizada no dom?nio econ?mico e financeiro, revestem ?mbito e natureza muito distinta, e suscitam problemasmuito diferentes, pelo que se exige uma abordagem distinta de cada uma delas.A Proposta de Lei n.? 232/VII, relativa ? altera??o da legisla??o de combate ? corrup??o e ? criminalidade econ?mica e financeira,surgiu, como ningu?m ignora, na sequ?ncia da revela??o de factos relacionados com a Junta Aut?noma das Estradas, suscept?veisde indiciar a pr?tica de irregularidades e de actos de corrup??o na gest?o desse organismo p?blico.Esta revela??o j? teve pelo menos dois m?ritos: Motivou a apresenta??o de iniciativas legislativas e conduziu ? abertura deprocessos investigat?rios de natureza diversa acerca da gest?o da JAE que, ? legitimo supor, n?o teriam sido iniciados se o generalGarcia dos Santos n?o tivesse tomado a atitude que tomou. Por?m, o desencadear de medidas a reboque, ou pelo menos a prop?sito, de acontecimentos com impacto medi?tico, implicando esta ou aquela entidade, pode trazer consigo o risco de tentar responder com medidas pontuais a situa??es que o n?o s?o.N?o s?o as medidas adoptadas que est?o mal. O que estaria mal, seria considerar que, descobertos eventualmente alguns casos decorrup??o na institui??o A ou B, ou feitas algumas sindic?ncias ao funcionamento de um ou outro servi?o, estariam apaziguadas asconsci?ncias, estaria erradicado o fen?meno da corrup??o no aparelho de Estado e tornar-se-?a desnecess?rio encarar medidass?rias destinadas o preveni-lo.O pre?mbulo da proposta de lei em discuss?o, come?a logo por afirmar, e bem, que "a luta contra a corrup??o constitui um objectivocentral da pol?tica criminal num Estado de Direito. Isoladamente ou ligada ? criminalidade organizada de natureza econ?mica efinanceira, a corrup??o subverte o funcionamento das institui??es e corr?i os fundamentos do Estado Democr?tico."Se ? certo que n?o vivemos num pa?s de corruptos e que n?o ? justo fazer recair sobre qualquer cidad?o, ou sobre qualquer cidad?oque exer?a fun??es p?blicas, a suspeita de que se trata de um corrupto at? prova em contr?rio, a verdade ? que ningu?m conhece aextens?o exacta deste fen?meno.Esta ? uma criminalidade a que ? muito dif?cil descobrir o rosto e em que a v?tima - que ? um povo inteiro - n?o est? em condi??es deapresentar queixa. Em verdade, ningu?m conhece a extens?o deste fen?meno. Aparecem suspeitas de situa??es menos claras, aquiou ali, mas ? in?til tentar fazer um invent?rio que correria sempre o risco de deixar de fora o mais importante, que n?o se conhece.A multiplica??o de refer?ncias a situa??es de corrup??o, designadamente atrav?s da comunica??o social, sem que se saiba qual oseguimento das quest?es levantadas ao n?vel do apuramento dos factos e da responsabiliza??o dos eventuais infractores, cria naopini?o p?blica um clima de desconfian?a e de afirma??o de que ? generalizado o compadrio, o nepotismo, o clientelismo e oaproveitamento pessoal de cargos p?blicos.Os fracos resultados obtidos at? ? data no combate ? criminalidade econ?mica e financeira, seja no dom?nio da corrup??o, seja dodesvio de fundos, seja das facturas falsas, seja do branqueamento de capitais obtidos em diversas actividades il?citas, criam naopini?o p?blica a convic??o, que os factos n?o desmentem, da larga margem de impunidade com que actuam os chamadoscriminosos de colarinho branco.N?o podemos perder de vista que, no que se refere particularmente ao crime de corrup??o, existem a montante da interven??o penalmecanismos de preven??o cuja import?ncia n?o pode em caso algum ser subestimada. A desburocratizar?o, a transpar?ncia e aparticipa??o dos cidad?os no funcionamento da Administra??o P?blica, a transpar?ncia no exerc?cio de cargos p?blicos,designadamente ao n?vel das incompatibilidades e impedimentos com a acumula??o de cargos e interesses privados, s?o elementosfundamentais de uma pol?tica s?ria de preven??o da corrup??o aos diversos n?veis do aparelho de Estado.A proposta de lei do Governo que se refere ? altera??o da chamada "lei da corrup??o", cont?m dois aspectos distintos: O primeiro,diz respeito ao levantamento do segredo fiscal nos processos por crimes de corrup??o, fraudes e infrac??es econ?mico-financeiras, e? cria??o de condi??es para uma maior operacionalidade no acesso ao segredo banc?rio por parte das autoridades judici?rias nainvestiga??o de crimes dessa natureza, prevendo designadamente uma maior responsabiliza??o das institui??es financeiras nofornecimento das informa??es e documentos a que sejam legalmente obrigadas.Um segundo aspecto, diz respeito ? possibilidade de dispensa de pena para os corruptores activos que tenham praticado o acto asolicita??o do funcion?rio, que tenham denunciado o crime no prazo de 30 dias e que tenham contribu?do decisivamente para adescoberta da verdade.Quanto ao primeiro aspecto, independentemente da correc??o da qualifica??o que ? feita na legisla??o portuguesa do segredobanc?rio como segredo profissional, quest?o que ? pertinentemente abordada no relat?rio da 1? Comiss?o hoje mesmo aprovado,importa assinalar que a evolu??o legislativa recente tem sido no sentido de mitigar a intangibilidade do segredo banc?rio,impedindo a sua preval?ncia nos casos em que esteja em causa a realiza??o da Justi?a.? reconhecido por?m que os mecanismos de colabora??o das institui??es financeiras com as autoridades judici?rias est?o aindamuito longe da perfei??o, o que tem causado por vezes s?rios preju?zos ? investiga??o criminal.Os mecanismos legais desta coopera??o podem ser aperfei?oados e esta Proposta de Lei pode contribuir para este objectivo. Mas aoperacionalidade da investiga??o da criminalidade com forte componente econ?mica e financeira pressup?e uma colabora??o entreas entidades do sistema financeiro a as autoridades judici?rias que, dentro dos estritos limites legais, se revele mais pronta eeficiente.A segunda ordem de quest?es, relativa ? dispensa de pena aos corruptores activos, em certas condi??es, carece de uma atentapondera??o na especialidade. ? certo que a colabora??o dos corruptores activos com a Justi?a ser? uma das formas poss?veis dechegar ao conhecimento da pr?tica de actos de corrup??o e nesse sentido, n?o ? uma possibilidade que deva ser, ? partida, exclu?da.Carece, por?m de cuidada pondera??o, designadamente para evitar que, com recurso a esta possibilidade legal, se abra caminhopara o aparecimento impune de den?ncias infundadas.A outra iniciativa legislativa hoje em debate diz respeito a uma quest?o, sem d?vida importante, mas n?o menos melindrosa, que ? aprotec??o de testemunhas em processo penal.A adop??o de mecanismos legais para a protec??o de testemunhas tem suscitado grande debate e reflex?o em numerosos pa?ses einst?ncias internacionais e tem j? consagra??o em diversos ordenamentos jur?dicos, tendo em considera??o dois tipos distintos desitua??es:Por um lado, a necessidade de proteger as testemunhas intervenientes em processos que envolvam criminalidade violenta ealtamente organizada, nomeadamente no ?mbito do terrorismo, do tr?fico de droga, da corrup??o ou de outras formas decriminalidade econ?mica e financeira. E por outro lado, a necessidade de proteger as testemunhas que se encontrem em situa??o de particular vulnerabilidade emprocessos que envolvam familiares pr?ximos ou pessoas em rela??o ?s quais se encontrem em situa??o de depend?ncia ousubordina??o.Quando ao primeiro caso, que ? o que suscita maiores problemas, ? conhecida a dificuldade em encontrar quem se disponha atestemunhar contra associa??es criminosas, violentes e organizadas. Por raz?es mais que ?bvias.Em in?meros estudos e relatos relativos ao combate ? criminalidade organizada n?o faltam exemplos de casos em que houvetestemunhas assassinadas ou v?timas de processos implac?veis de chantagem, envolvendo muitas vezes os seus familiarespr?ximos, ou ainda de organiza??es criminosas que ficaram ou permanecem impunes por for?a do c?rculo de intimida??o erepress?o que conseguem criar ? sua volta.S?o conhecidos tamb?m os problemas de seguran?a de todos os que, tendo pertencido a uma associa??o criminosa, se disponham acolaborar com a Justi?a no sentido do seu desmantelamento. ? o caso dos chamados "arrependidos".? conhecida ainda a necessidade de oculta??o da identidade dos chamados "agentes infiltrados" em associa??es criminosas, sobpena de frustrar a sua ac??o futura e p?r em causa, obviamente, a sua pr?pria seguran?a.A protec??o das testemunhas e dos seus familiares, se f?r caso disso, ? hoje em dia um imperativo do combate ? criminalidadeorganizada que se pretenda minimamente eficaz. N?o h? d?vidas sobre isso.Determinadas formas de protec??o previstas na proposta de lei do Governo n?o suscitam problemas de maior do ponto de vistaconstitucional. Est?o neste caso os programas especiais de seguran?a das testemunhas e seus familiares durante a ap?s osprocessos.Tamb?m a audi??o atrav?s de teleconfer?ncia, por forma a evitar a presen?a f?sica da testemunha na sala de audi?ncias, n?o suscitaproblemas dif?ceis de ultrapassar do ponto de vista dos direitos da defesa.Os problemas mais melindrosos e complexos dizem respeito ? concilia??o entre o anonimato das testemunhas e a salvaguarda dosdireitos da defesa, e designadamente com o respeito pelo princ?pio do contradit?rio.O Governo afirma no pre?mbulo da sua proposta de lei, que "tem que se reconhecer que a emerg?ncia de novas formas dedelinqu?ncia, que se socorrem de meios de actua??o cada vez mais dif?ceis de detectar, exige respostas eficazes, quer de ?mbitopreventivo quer repressivo, que, respeitando os princ?pios que estruturam o processo penal democr?tico, permitam assegurar, comrealismo, a liberdade e a seguran?a".E mais adiante, que "a repress?o da criminalidade, em nome da seguran?a, haver? sempre que compatibilizar-se com a salvaguardadas garantias de defesa. O ponto de encontro entre estas duas tarefas, ambas igualmente a cargo do Estado, poder? sofrerdesloca??es por for?a de uma realidade que mudou, mas situar-se-? sempre, num Estado de Direito Democr?tico, dentro dos limitesimpostos pelo sistema legitimador fundamental".H? que reconhecer por?m, que a salvaguarda dos direitos da defesa e o respeito pelo princ?pio do contradit?rio, num processo emque intervenham testemunhas cuja identidade, imagem e voz sejam absolutamente desconhecidas do arguido e do seu defensor -que n?o podem assim demonstrar a sua eventual falta de credibilidade - ? quase como conseguir a quadratura do c?rculo.O processo complementar que ? proposto para aprecia??o do pedido de n?o revela??o da identidade da testemunha, cominterven??o de um advogado nomeado para representar os interesses da defesa, que n?o se confunde com o defensor, ? umatentativa de salvar alguns direitos da defesa. Mas n?o consegue contornar o incontorn?vel.A oculta??o da identidade da testemunha em casos absolutamente excepcionais e rigorosamente justificados ? uma propostacompreens?vel pelas raz?es a que h? pouco aludi. N?o pomos em causa a estimabilidade dos prop?sitos com que esta medida ?proposta. Mas importa avaliar com todo o rigor at? onde ? possivel chegar sem lesar de forma insuport?vel o nosso ordenamentoconstitucional. A oculta??o da identidade das testemunhas pode ter-se como justificada em algumas situa??es limite, mas n?o deixade se traduzir num grave preju?zo para os direitos da defesa.O processo de audi??es que a Comiss?o de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu j? efectuar sobre estamat?ria, poder? contribuir para encontrar uma solu??o aceit?vel no nosso quadro constitucional, para a qual, seguramente,contribuiremos.Disse.

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