Intervenção

Intervenção do Estado nas Actividades cinematográficas e do audiovisual<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Ministro, Senhor Presidente, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados,A Constituição da República Portuguesa assegura o direito à fruição e criação cultural, incumbindo ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais, um conjunto de deveres capazes de garantirem a concretização desse direito.E é neste amplo contexto que se deve enquadrar toda a produção legislativa direccionada para os diferentes sectores da cultura. Sendo a política cultural tarefa indeclinável do Estado democrático não pode ser alvo nem de tutelas dirigistas, nem de procedimentos clientelares.Ela exige a participação plural e insubstituível dos criadores e de todos os outros agentes que constroem os diferentes mosaicos culturais.Na necessária assunção das suas responsabilidades, o Estado deve respeitar a autonomia relativa e específica das diferentes práticas culturais e artísticas, procurando interacções com as indústrias e serviços culturais e o “chamado terceiro sector” que não é formalmente público, nem estritamente privado.A elaboração pelo governo de uma lei das Artes Cinematográficas e do Audiovisual responde a uma necessidade sentida por todos quanto nestas áreas trabalham.Na nossa opinião um diploma com este objectivo deve responder a uma melhor regulação do sector, com garantia de respeito pelas respectivas especificidades, deve assegurar mecanismos de transparência e rigor, deve dignificar os profissionais e agentes sócioculturais envolvidos, deve ajudar a criar as condições indispensáveis à promoção do cinema português, quer nacional quer internacionalmente.A proposta de lei do governo que hoje apreciamos resultou, ao que sabemos, de um trabalho conjunto da tutela com os diferentes interlocutores.No entanto, e particularmente nos últimos dias, têm chegado à Assembleia da República algumas preocupações e mesmo algumas críticas não tanto quanto aos objectivos gerais da lei, densamente narrados por vezes até confusos na exposição de motivos, mas sim no que se refere ao articulado da proposta.Naturalmente que afirmações como “O estado deve (…) manter meios e estruturas que permitam afirmações culturais e artísticas diversas e inequívocas, continuando a apoiar aqueles que, com os seus filmes, projectam e projectaram a cultura portuguesa e o nome de Portugal, interna e externamente” – merecem o aplauso de todos.Mas que apoios? Como se concretizam? Como se assegura o rigor e a transparência do acesso a esses mecanismos de ajuda? E aqui surgem as dúvidas que é preciso esclarecer.Não há divergências quanto à urgência de aumentar o financiamento para o investimento e fomento das Artes Cinematográficas mas há preocupações quanto ao aparecimento de um “Fundo” que na perspectiva de uma das associações de realizadores pode ser a porta aberta para “converter o pouco dinheiro disponível para a produção do cinema português no capital de um suspeito negócio a estabelecer com os distribuidores e exibidores americanos e as estações privadas de TV e destinado a financiar projectos com uma suposta “grande atractividade comercial” e que segundo outra Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais “a proposta de lei “remete para um único e poderoso Fundo de Investimento (…) com a agravante de não definir claramente a repartição dos direitos inerentes a cada um dos parceiros desse Fundo – e acrescentam – a composição e as atribuições do anunciado FUNDO têm contornos pouco claros e corre-se o risco de criar, paralelamente ao instrumento da actual política do gosto – os júris dos concursos – uma outra tirania! A de um grupo secreto formado pelos agentes da actividade reunidos em conclave;” Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras deputadas, Senhores Deputados,Se é indispensável encontrar novas formas de financiamento como acorreu em outros países da europa, não é menos importante erradicar todas as nebulosas que permitam opções desviantes dos financiamentos.A atribuição dos apoios aos dois sectores em causa não pode ser intencionalmente confundida, por ausência de políticas claras e por inexistência de definição de mecanismos rigorosos e transparentes.Esta questão do financiamento, sem dúvida aquela que mais tem preocupado os diferentes intervenientes, decorre do facto do texto governamental ser inúmeras vezes omisso, ambíguo, e demasiado generalista, reenviando para posterior regulamentação muitas matérias, que não estando minimamente balizadas no seu conteúdo, se situam no mero plano das intenções podendo constituir um verdadeiro “cheque em branco”.Por isso consideramos indispensável que a ser aprovada na generalidade a proposta de lei do Governo se proceda, em sede de especialidade, ao aperfeiçoamento do seu articulado e que para isso possamos realizar um conjunto de audições que garantam não só a diversidade das opiniões, mas também o conhecimento de matérias tão específicas como aquelas que hoje debatemos.Mas se o apoio ao desenvolvimento sustentado da produção e a criação de um tecido industrial do cinema e do audiovisual mereceram a concordância da maioria dos interessados, a não existência na lei de um organismo público, com autonomia administrativa e financeira que enquadre as actuais funções de um ICAM reformulado, desgovernamentalizado e gerido com transparência, sem casuísmos e sem actos discriminatórios, constitui também preocupação e receio.E esta é outra das questões que é imprescindível esclarecer hoje.O que vai acontecer com o ICAM;?Qual o enquadramento do Instituto no texto em discussão?Outras debilidades existem no texto governamental, quer a nível da não definição de conceitos, quer no uso abusivo de uma listagem de intenções sem que se vislumbre como se concretizam no articulado proposto.Por exemplo o artigo 14º, relativo à exibição de obras nacionais parece não ser uma medida a concretizar, mas antes um território neutro de um Governo que diz querer promover as obras nacionais e a quem falta simultaneamente a coragem para estabelecer quotas realistas e consentâneas com a realidade do país.Ainda o artigo 17º, relativo ao ensino artístico e formação profissional é demasiado genérico e confuso.Este objectivo deverá ser articulado, considero, com a tutela da educação que há dois anos promete legislar sobre o Ensino Artístico.Na proposta, os apoios decorrem só de projectos específicos. E porque não, por exemplo, a formulação de protocolos entre os estabelecimentos de ensino, as associações de produtores e as tutelas respectivas, com o objectivo de promover o trabalho dos jovens estudantes e futuros profissionais?Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras e Senhores DeputadosDeixámos claro quais os pressupostos que, na nossa opinião, devem sustentar uma lei relativa às Artes Cinematográficas e ao Audiovisual.Subscrevendo a necessidade de um diploma com este objecto, não deixámos de enunciar algumas das matérias que merecem justificadas preocupações e exigem da parte do Governo os necessários esclarecimentos.Estamos disponíveis para, em sede de especialidade, contribuirmos para melhorar nos diferentes níveis o texto apresentado, ouvindo os profissionais que durante tantos anos e não poucas vezes contra ventos e marés criaram, produziram e promoveram o Cinema Português.

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