Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Debate sobre o processo de Construção

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores DeputadosNa sequência de Nice e da Declaração de Laeken (na Suécia) foi convocada pelo Conselho Europeu a chamada "Convenção sobre o Futuro da Europa".Conhece-se a sua génese e a sua composição!Conhece-se a agenda que lhe está atribuída!Mas o que seria bom que esta Câmara também soubesse, e através dela o País, é que os deputados só poderão debater a agenda da Convenção com o representante do Governo português neste Forum lá mais para o final do ano, provavelmente no mês de Setembro.Quase quatro meses depois da abertura dos trabalhos da Convenção, a Assembleia da República tinha a esperança de finalmente poder discutir o tema. Infelizmente assim não sucedeu. Esta semana limitámo-nos a ouvir. Como bons alunos. A ouvir os representantes formais do Parlamento, a ouvir o senhor representante do Governo português.Quanto a debate, nada, zero. Ouvimos o relato do Prof. Ernani Lopes, ouvimos as suas especulações - muito para além, aliás, dos temas da Convenção. Mas quanto a debate, nenhum. Nem um minuto, nem uma aragem para amostra.E se, com os colegas que formalmente representam a Assembleia da República na Convenção (e nos quais, apesar da consideração pessoal, não me sinto representado) ainda será fácil debater em data próxima, já com o representante do Governo ficamos a saber que tal só será possível depois do Verão. No mínimo quase sete meses depois de iniciados os trabalhos.Este episódio curioso serve bem para caracterizar o que se entende por discussão sobre o Futuro da Europa, o que se entende por participação no debate e na reflexão sobre o que deve (ou pode) ser a integração europeia.O PCP tinha claramente razão quando afirmou que o modelo de Convenção - na sequência da experiência já usada com os mesmos efeitos perversos para a chamada Carta dos Direitos Fundamentais - não alargaria a discussão, não permitiria a controvérsia, não colheria opiniões diferentes do que é a convergência do pensamento único europeu.A Convenção vai marginalizar os pensamentos e as correntes de opinião (daqueles e daquelas) que não façam parte do bloco central defensor de uma união política baseada em conceitos constitucionais de natureza federalista.A Convenção nem lhes dá voz. Colhe a representação dos Governos, da Comissão, convida três elementos bem conhecidos dos países fundadores (tal como Giscard d'Estaing sublinhou, e não por acaso, no seu discurso de abertura...), "selecciona" 16 membros do Parlamento Europeu e acolhe 30 membros dos parlamentos nacionais, dois por cada Estado membro, o que significa dois que falam do ponto de vista institucional, e no fundamental, a uma só voz.No caso português a situação é absolutamente esclarecedora da "riqueza (ausência)" de debate. Dos seis grupos parlamentares só dois estiveram e estão presentes nestas Convenções, precisamente aqueles grupos que não têm qualquer diferença em questões relevantes sobre a evolução da estrutura política institucional da União Europeia. Poderão até divergir no método, nos passos, nos tempos, enfim, no acessório. Mas não divergem no objectivo federal que procura subordinar Portugal à ditadura dos "cinco" mais fortes e dos interesses neoliberais e geoestratégicos que os informam.E se quanto à composição a conversa é clara, já quanto à agenda o conteúdo até podia (se houvesse - ou pudesse haver - vontade política) ser outro. Senão vejamos.Vai a Convenção reflectir e avaliar sobre o estádio a que se chegou na integração europeia? Vai a Convenção reflectir sobre as razões profundas que determinam a falta crescente, sublinho crescente, de interesse dos povos por esta integração política burocrática?Vai a Convenção debater a forma de simplificar os tratados (e simplificar, quanto ao PCP, não pode significar pretexto para alterar) tornando-os legíveis e entendíveis mesmo por muitos com formação e preparação (nos quais, se calhar, se podem incluir a maior parte dos que aqui estão)?Vai a Convenção reflectir sobre a situação inaceitável da pseudo independência do Banco Central Europeu ou sobre a urgência de alterar o Pacto de Estabilidade e Crescimento para que ele deixe de constituir um colete de forças que se abate sobre os mais pobres?Vai a Convenção reflectir sobre os caminhos da globalização e sobre a sua pressão para a perda de direitos e a regressão da dignidade humana, ou sobre a necessidade de inverter esta lógica ultra liberal?Vai a Convenção reflectir sobre o facto de ser através de outras políticas concretas, na economia, nos direitos sociais, no ambiente, no direito ao emprego, na qualidade de vida, no combate à pobreza e à exclusão, que os povos se reconhecerão na construção europeia e nela passarão a participar?Vai o Governo reflectir a forma de apoiar os países pobres sem lhes explorar os recursos?Vai o Governo discutir formas de apoio ao desenvolvimento desses povos que permita a fixação das populações e evite este espectáculo degradante que hoje assistimos em Sevilha onde os 15 querem transformar a União em verdadeira fortaleza?Vai a Convenção reflectir sobre a forma de assegurar a coesão económica e social entre países e povos num contexto de alargamento?Nada disto, infelizmente, é tema de agenda, é tema para reflexão nesta chamada Convenção para o Futuro da Europa. É que não é certamente por acaso que Giscard d'Estaing, ao longo das quinze páginas do seu discurso de abertura dos trabalhos da Convenção, nem por uma só vez fala da coesão económica e social, ou de aproximação dos níveis de vida dos europeus...Não, não é por acaso que nesta Convenção e na União Europeia já pouco ou nada se ouve falar de Coesão Económica e Social, e Portugal e os Portugueses têm que o saber.Mas fala de outros temas a agenda da Convenção, são outras as preocupações do antigo presidente francês e dos membros deste Forum.Falam da necessidade de mudar a arquitectura institucional, de uma nova repartição da competência (provavelmente para que os países mais pobres da União resolvam por si só os problemas das suas debilidades estruturais), abordam até uma ideia importante que não deve ser subvertida (a do reforço do papel dos Parlamentos nacionais) falam de uma política externa de segurança comum subordinada à lógica de bloco da NATO, da hipótese de fechar fronteiras comuns e de transformar o espaço europeu em fortaleza autosuficiente e autista.Falam de tudo o que não interessa ou pouco interessa aos povos, de tudo o que cada vez mais afasta os povos da construção europeia, e que os leva a crescentemente desprezar a burocracia de Bruxelas que cada vez mais parece auto alimentar-se deste vanguardismo "sem rei nem roque".Ao atribuir-se esta composição e esta agenda, a Convenção (por mais operações mediáticas que pague, por mais "convenções de jovens" ou de outras organizações que patrocine) não vai aproximar os cidadãos da Europa nem vai aproximar-se dos cidadãos.Ao auto atribuir-se objectivos afastados das nações e que de forma objectiva e subjectiva colidem com as soberanias e as identidades nacionais, a Convenção, pelo contrário, pode dar mais um contributo para populismos e movimentos extremistas com bons e bem recentes exemplos na Áustria, na França ou na Holanda.Pela nossa parte a questão não é de alternativa entre mais ou menos Europa. A questão é optar por uma Europa melhor, uma Europa diferente, uma Europa mais desenvolvida em todo o seu território, com políticas que assegurem o bem estar de todos e não apenas de alguns. E não é, não será certamente com a chamada Convenção para o Futuro da Europa que teremos uma Europa melhor!

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