Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Lei da paridade, que estabelece que as listas

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. DeputadosRepetimos hoje uma discussão sem acréscimo de novas qualidades capazes de motivar outros e diferentes argumentos dos já esgrimidos na anterior Legislatura.Relativamente ao enunciado da situação, concretiza-se um quadro reconhecido por todos - a existência e a persistência de um défice de participação política das mulheres aos vários níveis dos centros de decisão.Mas se latos são os textos da exposição de motivos, particularmente o governamental, no que se refere aos múltiplos exemplos europeus, com os quais se pretende sustentar a urgente necessidade de a mulher portuguesa chegar aos centros de decisão política, também são exíguos na procura das causas, quer das remotas quer das recentes, que determinam a persistência da discriminação.Estas proposituras parecem decorrer de algum cepticismo e do não reconhecimento de plurais patamares de intervenção, levando os proponentes a afirmar, na iniciativa governamental, que «a legislação pode ser a derradeira solução». E é esta análise redutora que sustenta afirmações, no mínimo, estranhas, como, por exemplo, considerar-se que a solução para a igualdade passa, necessariamente, pela aprovação da proposta ou, então, equacionar-se esta proposta como «fada madrinha» capaz de destruir todas as discriminações e, simultaneamente, afirmar-se a ineficácia da inúmera legislação existente no ordenamento jurídico nacional, no combate pela efectiva igualdade entre homens e mulheres.Não são inócuas, também, as referências seleccionadas. Todos os exemplos parecem decorrer da mesma estratégia.Convém, por isso, introduzir alguns dados não referidos que poderão permitir uma maior amplitude de análise.Quando falamos de quotas, resultantes de imposição constitucional, podemos referir também o Nepal e as Filipinas.No Brasil, por exemplo, existe legislação aplicada a todas as eleições de escrutínio proporcional e a quota exigida é de 30%. No entanto, segundo um relatório de 8 de Março de 2001, da União Interparlamentar, o Brasil estava colocado no 93.º lugar com uma taxa de participação feminina de 5,7%.Será que poderemos então concluir, como o faz a proposta de lei, que a qualidade de vida destes povos está intrinsecamente ligada à aprovação de instrumentos legais relativos às quotas de participação das mulheres dos respectivos países?Se falarmos da União Europeia, apenas a Bélgica mantém em vigor uma lei que estabelece quotas de representação política para as mulheres. No entanto, no que se refere à percentagem para o parlamento nacional, a Bélgica aparece ainda, muito recentemente, em 11.º lugar no quadro dos países-membros da União Europeia, com um resultado inferior à representação das mulheres portuguesas nesta Assembleia.O sistema de quotas por via da aceitação partidária, não por imposição legislativa, é dominante nos Estados-membros da Comunidade.No entanto, a Finlândia, onde nenhum partido político aplica o sistema de quotas, apresenta uma das percentagens mais elevadas no mundo das mulheres eleitas - mais de 30% -, percentagem só superada pela Noruega e pela Suécia.É, no entanto, merecedora de reflexão a actual situação da Finlândia. As mulheres finlandesas conquistaram a igualdade formal em 1906. Se lermos o último relatório finlandês do Conselho para a Igualdade, verificamos que a recessão económica tem influenciado negativamente a situação das mulheres finlandesas. Afirma-se nesse relatório que as mulheres são mais pobremente pagas do que os homens, que a taxa de desemprego feminino aumenta actualmente a um ritmo mais rápido do que a taxa de desemprego masculino. E porque é fundamental reflectir na presença de todos os dados, convém lembrar que, na Noruega, a elevada percentagem de mulheres eleitas decorre da vontade política dos partidos, sem a obrigatoriedade de nenhum instrumento legislativo, e a percentagem é de 36% no parlamento nacional.Justifica-se agora, mais uma vez, formular novamente a questão.Para os países onde os principais partidos optaram pelo sistema de quotas, este facto constituiu a derradeira hipótese para a construção da igualdade? Efectivamente que não. Quando este sistema foi adoptado, já há muito, outras estratégias de acção tinham sido concretizadas com o objectivo de comprometer os diversos intervenientes - os partidos, o poder político, a sociedade.Por exemplo, a duração do horário de trabalho na Suécia e na Noruega é de 35 horas e contribuiu decisivamente para que as mulheres pudessem aumentar o seu nível de participação política. E, actualmente, existem já propostas em discussão no sentido da redução do horário de trabalho para as 30 horas.Também em Portugal, o avanço na solução dos problemas que dificultam a participação das mulheres na vida política será, com certeza, o resultado de políticas de promoção da igualdade de direitos e de oportunidades na vida económica, social, política e cultural. E muito há para fazer. É só preciso vontade política. É preciso fazer cumprir a legislação, porque o diagnóstico é de todos conhecido.A taxa de analfabetismo atinge principalmente as mulheres. A discriminação salarial atinge principalmente as mulheres. As mulheres são vítimas de discriminação por estarem grávidas. Mas as iniciativas que hoje avaliamos fizeram outra escolha. Preferiram optar pela garantia da igualdade de resultados, quando, em nossa opinião, a estratégia prioritária deveria consistir na diminuição e na eliminação dos obstáculos fácticos que impedem uma igualdade de oportunidades à partida.Os dois textos, no fundamental, impõem, com carácter obrigatório e temporalmente indeterminado, condições de formação das listas, condições de substituição de eleitos, no caso da iniciativa governamental, e sanções aos proponentes das listas de candidatos que não cumpram o preceituado.No entanto, a iniciativa do Bloco de Esquerda não prevê que, após o acto eleitoral, se garanta o resultado, o que significa ser suficiente que as mulheres candidatas tenham uma representação de 33,3%, mesmo que venham a ser remetidas para lugares não elegíveis.Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: são estas, em síntese, as propostas que resultam, segundo os proponentes, de uma leitura sexuada da humanidade, de uma especial visão do mundo que torna as mulheres diferentes e ainda de uma convicção que a discriminação no feminino será alterada por força da paridade.Estamos convictos de que a igualdade de oportunidades de todos os cidadãos, homens e mulheres, não se construirá em nome das diferenças biológicas, não se construirá em nome de categorias sexuadas de cidadãos, mas com acções políticas determinadas em função da ideologia.A imposição de um regime de carácter permanente, sustentado por penalizações e exclusões, que afecta o direito de candidatura de todos os cidadãos, independentemente do sexo, que condiciona uma repartição relativa entre candidatos e, posteriormente eleitos, não é, na nossa perspectiva, a solução adequada para resolver o défice de participação das mulheres aos vários níveis de decisão e constitui um grave precedente de ingerência legislativa na vida interna dos partidos legalmente constituídos.As propostas do Governo socialista e do Bloco de Esquerda despenaliza os intervenientes com maiores responsabilidades na área da acção política - o Governo - e penaliza os partidos políticos, criando falsas expectativas quanto à eficácia da estratégia proposta.Por isso, o Partido Comunista Português reafirma hoje o seu empenhamento em contribuir para uma maior participação política das mulheres.Assumimos, publicamente, em Janeiro de 1999, o compromisso do reforço significativo da participação de mulheres nas listas para as eleições ao Parlamento Europeu, à Assembleia da República e ao Poder Local, e não esquecemos os nossos compromissos.Em Outubro de 1999, as mulheres nas listas da CDU corresponderam a 33% dos candidatos efectivos, e na lista para o Parlamento Europeu as mulheres corresponderam a 50% dos candidatos efectivos.Hoje, como ontem, optámos pela responsabilização, pelo empenho voluntário e não pela imposição legal; hoje, como ontem, propomos a sanção ou o prémio eleitoral e não a imposição administrativa.Sr. Presidente, Sr.as e Srs. DeputadosPermitam-me que conclua recordando aqui a afirmação de uma mulher espanhola, de Granada, que participava num fórum sobre as quotas para as mulheres e a sua participação nos órgãos de decisão política, que dizia: «Porque julgam (…) que as mulheres têm tantos problemas? Simplesmente porque há muita gente que não cumpre a lei, e porque essa gente (…) não é punida. Eu proponho que se cumpra a lei, (…) sinceramente prefiro a lei às quotas».

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