Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Combate ao alcoolismo

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, O consumo de substâncias lícitas e ilícitas constitui no nosso país um dos maiores problemas dos nossos dias. Reflectir sobre ele implica ter a coragem de aceitar o desafio de questionar os indivíduos, as organizações, a sociedade e de nos questionarmos a nós próprios sobre os problemas que daí decorrem e das suas consequências para esta Sociedade em que vivemos. Na Europa a produção e o consumo de álcool subiu desde a 2ª Guerra Mundial até aos anos 80. Consciente das graves consequências para a economia, a saúde e a segurança e dos elevados custos para as sociedades, a Organização Mundial de Saúde definiu um Plano Europeu de Acção em que propunha reduzir o consumo de álcool em 25% até ao ano 2000. Em 1995, com o objectivo de reforçar o Plano Europeu contra o Alcoolismo, a OMS apelou a todos os Estados Membros para a elaboração de políticas de luta contra o alcoolismo. E foi aprovada a Carta Europeia sobre o Álcool, em que Portugal foi um dos subscritores, onde foram definidas dez estratégias na luta contra o álcool. No momento em que estamos, passados que estão quase cinco anos, pouco ou nada foi feito. Foram produzidos documentos vários com estratégias de saúde onde foram definidas metas e objectivos sobre a matéria. Em Maio de 1999, o Governo do PS aprovou e fez publicar a Resolução do Conselho de Ministros nº 40/99 com o objectivo de serem tomadas " (...) medidas imediatas mais amplas, quer de educação e promoção da saúde, quer de natureza legislativa e fiscalizadora para a redução efectiva dos problemas ligados ao álcool (...)". Foi criada uma Comissão Interministerial que, até Setembro de 1999, deveria ter apresentado um plano de acção. Passado todo este tempo, qual é o plano de acção do Governo para combate ao alcoolismo e aos problemas ligados ao álcool? Apesar de antigos e de resultarem de muitos anos de negligência por parte dos sucessivos Governos, os problemas ligados ao álcool exigem nos dias de hoje uma maior atenção de toda a sociedade com vista à redução do consumo de bebidas alcoólicas, essencialmente nas camadas mais jovens da população. Portugal é o maior consumidor mundial de etanol e o alcoolismo a maior das toxicodependências estimando-se existirem 1 milhão e 800 mil bebedores excessivos, 800 mil dos quais bebedores dependentes. O consumo excessivo de álcool na Europa e em Portugal, em particular, é das maiores causas de mortalidade na população entre os 16 e os 74 anos, de morbilidade, mortalidade rodoviária, criminalidade e violência. E é uma das maiores causas de problemas familiares, violência doméstica e abuso de crianças. Portugal surge habitualmente nos primeiros lugares das tabelas internacionais quer ao nível do consumo de álcool por habitante quer na avaliação das suas consequências, surgindo à cabeça em número de mortes por cirrose hepática alcoólica e de mortes devidas a acidentes na estrada. Estudos da Organização Internacional do Trabalho e da OMS estimam que 70 % das pessoas com problemas de consumo de álcool estão enquadrados profissionalmente. No nosso país são poucos e dispersos os dados disponíveis mas sabe-se que uma percentagem considerável de trabalhadores consomem álcool e ou outras substâncias com consequências graves ao nível dos acidentes mortais no local de trabalho, de maior incidência do número de acidentes de trabalho e de taxas de absentismo mais elevadas. Os poucos estudos existentes sobre as consequências do consumo de álcool em meio laboral evidenciam grande número de perturbações no trabalho na maioria dos indivíduos, que incluem conflitos, absentismo, diminuição do rendimento e da qualidade do trabalho, acidentes, incapacidade parcial ou total, reformas prematuras, instabilidade no emprego e desemprego. Depois da família, e em paralelo com a escola para os jovens, o local de trabalho é certamente o sistema social mais abrangente e estruturado onde se integram as pessoas com idade adulta. Daí que a prevenção do consumo de substâncias em meio laboral é um importante serviço que as empresas podem e devem prestar à comunidade. Sendo reconhecida e assumida a importância da família nas sociedades modernas, a grande maioria das instituições ou organizações mostram pouco interesse pelos problemas associados ao consumo excessivo de álcool ou pelos problemas do álcool nas famílias. A maioria dos indivíduos com problemas relacionados com o consumo de álcool teve o 1º contacto com a substância na infância e muitos dos consumidores excessivos iniciaram o consumo na adolescência. Estudos vários apontam para percentagens elevadas de crianças com menos de 15 anos que consomem bebidas alcoólicas com regularidade. A UNICEF, em 1996, revelou que 28% dessas crianças portuguesas já se embebedaram pelo menos uma vez na vida. Estudos realizados à camada jovem estudantil revelaram que 70% dos jovens estudantes já consumiram bebidas alcoólicas, sendo a cerveja o produto mais consumido. De salientar os aumentos de consumo de bebidas alcoólicas que se têm verificado no sexo feminino em geral, em relação a décadas passadas, e do seu consumo cada vez mais precoce. Nunca é de mais lembrar que Portugal é dos países com as mais elevadas taxas de gravidezes indesejadas e de gravidezes na adolescência. Facilmente podemos entender as consequências para o desenvolvimento do recém-nascido e para as futuras gerações que estão associadas ao consumo excessivo de álcool durante a gravidez e o período de amamentação, para além das perturbações física, psiquíca e social que na maioria dos casos estão associadas a toda a situação. Estudos realizados em 1997 revelaram que em 16% dos casos de violência contra as mulheres o agressor é consumidor de álcool e o maior número de agressões surge na sua própria casa. Relevância semelhante existe em situações de abuso/negligência de crianças. A situação em Portugal é deveras preocupante e tão mais grave quando nada se faz para controlar e fiscalizar a venda de bebidas alcoólicas deixando que, de forma abusiva, se associe o marketing a bebidas alcoólicas a eventos desportivos e a iniciativas dirigidas à juventude, fazendo-se posteriormente grande propaganda aos records de consumo que se verificaram. Senhor Presidente, Senhoras e senhores Deputados, Os problemas ligados ao álcool e ao seu consumo são vários e existem há muitos anos. Não surgiram de repente, nem têm apenas um atraso de 5 anos. O consumismo, o agravamento das desigualdades sociais, as investidas contra a dignificação e a valorização do trabalho, o desemprego e a precariedade nas relações laborais, o agravamento do endividamento das famílias, são muitos dos traços de sucessivas políticas de inspiração neoliberal que foram desenvolvidas nos 10 anos de Governo PSD e que nos últimos 5 anos de Governo do PS não tiveram inversão. O Projecto de Resolução do PSD sendo de valorizar e abordando um vasto conjunto de situações carece de objectividade. Tão importante como enunciar os princípios éticos da Organização Mundial de Saúde é relembrar os seus objectivos - reduzir em 25% o consumo de álcool até ao ano 2000. E reafirmar a importância das 10 medidas estratégicas de promoção da saúde e de luta contra o alcoolismo, definidas na Carta Europeia sobre o Álcool, e que Portugal subscreveu em 1995. É incompreensível que a Comissão Interministerial criada em 1999 ainda não tenha avançado com o plano de acção que já tem um ano de atraso na sua publicação. É inaceitável a carência de meios com que se debatem os actuais Centros Regionais de Alcoologia, apesar dos esforços e da intervenção meritória dos seus profissionais. É evidente a carência de recursos humanos, o desinvestimento na rede pública de tratamento e recuperação dos consumidores excessivos de álcool, a completa ausência de investimento nos meios de prevenção primária. Ao nível do apoio medicamentoso, é indispensável o aumento de comparticipação dos medicamentos inibidores da apetência pelo álcool tornando-os acessíveis a um maior número de consumidores. É intolerável a política de permissividade em relação a certos patrocínios de empresas produtoras de bebidas alcoólicas que infringem sistematicamente a Lei da Publicidade, ou a ausência de fiscalização em relação à venda dos chamados "álcool pop's". Para o PCP, o Governo é responsável perante o país e esta Assembleia pelo laxismo que se tem vindo a verificar. E tem o dever de assumir o compromisso expresso no Programa do Governo de "desenvolver um programa de promoção da saúde e de luta contra o alcoolismo" Mais do que punir o consumidor é premente regulamentar os novos fenómenos de consumo, essencialmente no que diz respeito à venda nos estabelecimentos comerciais, fiscalizar com eficácia as actividades económicas associadas à produção e à venda de bebidas alcoólicas e desenvolver uma verdadeira política de prevenção da saúde e de promoção da doença envolvendo todos os parceiros sociais na luta contra o alcoolismo.

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