Intervenção de

Interrupção voluntária da gravidez - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Decisão do Tribunal de Aveiro, que condenou três mulheres por terem realizado um aborto, assim como o médico implicado e a sua empregada

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Pinto,

Penso que é imperioso concordar com a análise que fez em relação à gravidade da situação ontem noticiada e também à hipocrisia de várias posições, algumas das quais, aliás, vão assomando cada vez mais na sua verdadeira acepção, porque há até os que já dizem que «estão a ver como elas não foram presas!», apesar de terem sido condenadas. Essa hipocrisia, que é o que, em todos estes anos, tem conduzido a direita, procurando adiar e evitar que se faça a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, é absolutamente condenável, como o são as situações que, para além do julgamento e da condenação, sujeitaram aquelas mulheres, como podem sujeitar outras enquanto se mantiver a lei, à devassa e à humilhação destas investigações.

Devo dizer-lhe ainda o seguinte: nós não confundimos a posição da direita com a posição dos partidos que defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez — são posições diferentes —, mas também houve, entre nós, nesta Legislatura, uma diferença em relação ao caminho a seguir.

Gostaria de saber se as palavras que a Sr.ª Deputada agora proferiu, em nome do seu partido, significam que o Bloco de Esquerda, perante a situação que foi criada pelo Partido Socialista, com a aprovação do Bloco de Esquerda, ao optar por um caminho para um referendo que nunca existiu até agora, regressou à sua posição originária, de defender que a despenalização seja rapidamente feita pela Assembleia da República para que a este calvário se ponha fim, de uma vez por todas.

É que, Sr.ª Deputada, nós não queremos fazer qualquer guerrilha político-partidária, como referiu (e não sei a quem eram dirigidas as suas palavras), mas cada opção tem as suas consequências.

Nós dissemos— e fomos criticados, inclusive, pelo Bloco de Esquerda — que a opção que o PS e o Bloco de Esquerda fizeram, no início desta Legislatura, era trocar o certo pelo incerto, era trocar a possibilidade de uma ampla maioria favorável à despenalização resolver de imediato o problema na Assembleia da República pelo incerto, que seria um processo que conduzisse a um eventual referendo para um eventual resultado positivo. E a vida provou que tínhamos razão, Sr.ª Deputada.

Não desvalorizamos a legitimidade das opções que cada partido pode e deve fazer em cada momento, mas essas opções têm consequências. Ora, o que aconteceu nesta Legislatura foi que o apoio do Bloco de Esquerda também ajudou o Partido Socialista a inviabilizar uma alteração imediata da lei, que era o fundamental do compromisso com os eleitores, que o próprio Partido Socialista tinha e que, quase um ano e meio depois, continua a não se verificar e não sabemos se e quando vai verificar-se.

Este é o ponto que nos divide. Penso que é um ponto importante e penso, sem qualquer jactância nem procurando daí tirar qualquer vantagem (e dizendo até infelizmente), que se provou que tínhamos razão e que aquela decisão que, na altura, Partido Socialista e Bloco de Esquerda tomaram foi, de facto,
trocar o certo pelo incerto.

 

 

 

 

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